A Guerra Colonial começou há 60 anos. Para assinalar a data, o programa Em Nome da Lei avalia de que forma o Estado português reconheceu e compensou o milhão de portugueses que lutou no Ultramar entre 1961 e 1975.
Ao fim de mais de meio século foi feita Justiça com os antigos combatentes? O general Chito Rodrigues diz que da parte da sociedade houve “um justo reconhecimento dos sacrifícios e dos problemas” dos antigos combatentes, mas o mesmo não é verdade ao nível do Estado.
O presidente da Liga dos Combatentes fala “num longo período de indiferença, esquecimento e até abandono”, nomeadamente no apoio social e à saúde que se arrasta até aos dias de hoje”.
Segundo o mesmo responsável, do milhão de portugueses que combateram na Guerra Colonial restam 300 mil. Mas apesar de serem tão poucos, o Estado continua a não lhes dar o que há muito pedem.
No balanço do que foi conquistado pelos antigos combatentes ao longo de 60 anos, Chito Rodrigues considera como o ponto mais alto o quadro legislativo e os apoios aprovados quando Paulo Portas foi Ministro da Defesa. Contudo, admite que o Estatuto do Antigo Combatente, que só entrou plenamente em vigor no início do ano, “não mexeu no que é mais relevante- a saúde e as tabelas das subvenções”.
O presidente desta Liga revela que “há antigos combatentes a receberem apenas 56 euros por ano”, como suplemento especial de pensão, pelo facto de terem combatido no Ultramar, em condições especiais de perigo.
Entre os sobreviventes da Guerra Colonial há muitos traumatizados da guerra, alguns dos quais não conseguiram ainda ver-lhes reconhecida a condição de deficiente. A advogada Isabel Estrela, que tem trabalhado para a Apoiar - a Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas de Stress de Guerra - explica que” são processos que duram em média entre nove a 12 anos”.
A primeira dificuldade é conseguir que os traumatizados pela guerra procurem ajuda porque “muitos têm vergonha” de reconhecer os danos psicológicos que têm por causa das suas vivências.
A advogada revela que “a maioria dos processos de antigos combatentes que pedem o reconhecimento como deficientes das Forças Armadas, por trauma psicológico, acabam indeferidos pelo Ministério da Defesa”.
Nos casos em que não é reconhecida uma deficiência de, pelo menos, 30% e o processo segue para a Caixa Geral de Aposentações, nada está garantido também, explica Cândido Patuleia Mendes, da Associação de Deficientes das Forças Armadas.
O antigo combatente em Angola, onde ficou cego, diz que “a Caixa Geral de Aposentações tem um comportamento vergonhoso, porque a junta a que submete o antigo combatente, e que o vê pela primeira vez, nega com frequência o grau de deficiência atribuída pela Junta Militar. O problema é que dela a última palavra!”
O presidente da Liga dos Combatentes fala numa outra dificuldade para todos os traumatizados pela Guerra Colonial que é “encontrarem um psiquiatra” que preencha e valide a primeira documentação do processo de qualificação como deficiente.
O psicólogo Carlos Anunciação diz que “muitos passaram por acontecimentos traumáticos, como verem os seus camaradas uns mortos, outros feridos, sem braços, sem pernas. E, para além dessas variáveis, as condições em que viveram, o calor, o isolamento, a falta de comunicação com a Metrópole. Não havia internet. Nem sequer um telefonema se podia fazer. Eram os aerogramas que era um método expedito que foi arranjado para comunicar”.
Acresce a tudo isto que para verem reconhecida a sua condição de traumatizados pela guerra “têm de passar por um processo kafkiano”, conclui.
O especialista em traumas de guerra explica o que acontece no cérebro de quem passou por situações potencialmente traumáticas. “Os factos que causaram o trauma estão permanentes a surgir na cabeça de quem os viveu, mesmo 20 ou 30 anos depois”, provocando reações e consequências psíquicas e físicas.
O psicólogo clínico revela que durante décadas o trauma de guerra não era diagnosticado pelos médicos e o tema era tabu para as Forças Armadas.