A devolução do valor do passe aos utentes dos comboios afetados pelas greves seria “uma medida justa”, defende, na Renascença, o geógrafo Manuel Tão, numa altura em que milhares de pessoas têm sido afetadas pelas contínuas greves, tanto na CP, como na Infraestruturas de Portugal.
Para os passageiros ocasionais, a CP prevê a reposição do valor dos bilhetes por viagens não realizadas, algo que não acontece com as assinaturas mensais, independentemente das perturbações que impedem os passageiros de viajar.
“A devolução poderia ser a percentagem correspondente das indemnizações compensatórias que o Estado paga ao operador, porque essas indemnizações têm o pressuposto de que os serviços se realizam. Não sendo realizados, seria lógico que, em jeito de compensação, elas pudessem ser atribuídas de forma correspondente aos utentes prejudicados”, sugere este professor e especialista da Universidade do Algarve em transporte ferroviário.
A via mais plausível para proceder a essa devolução seria “a criação de uma bolsa de créditos para os utentes detentores de passe mensal que, em função das viagens não realizadas, obteriam um desconto proporcional com efeitos na mensalidade seguinte”, detalha Manuel Tão.
Morte da ferrovia? "Rutura completa dos sistemas de transportes"
Questionado sobre as razões que tornam irresolúveis os problemas laborais na origem das greves sucessivas no setor dos transportes, e em particular na ferrovia, Manuel Tão considera que o problema está no facto de, ao longo dos últimos 40 anos, os sucessivos governos terem deixado o setor da ferrovia votado ao abandono.
“Há muitas promessas no discurso político que apontam o caminho de ferro como o transporte do futuro, da sustentabilidade, da ecologia. Mas o que se passa no resto da Europa é que o comboio não é o transporte do futuro, é o transporte do presente e onde está o investimento feito atempadamente. Em Portugal, o caminho de ferro é eternamente o transporte do futuro e, por isso, é o que fica sempre para trás”.
A consequência disso é a progressiva degradação do ambiente laboral, “à semelhança do que vemos com outras profissões, como é o caso, por exemplo, de professores e enfermeiros”.
Manuel Tão diz ser “normal que as pessoas não se sintam satisfeitas, mas há todo um ambiente que já vem de trás, mas que se compreende nesta altura, porque há um acumular de muitas tensões ao longo de anos e anos consecutivos”.
Com paralisações sucessivas, este especialista em transporte ferroviário antecipa “mais do que a morte da ferrovia”.
Perante a crescente desconfiança dos utentes, “que acabam por desistir” do comboio, Manuel Tão admite uma “rutura completa dos sistemas de transportes” nas grandes cidades.
Como evitar este cenário? “Dificilmente”, lamenta.
“Temos um Estado cativo dos contratos de concessões rodoviárias, cativo das receitas dos produtos petrolíferos. É, de facto, um círculo vicioso que, eventualmente só poderá ser quebrado numa situação de rutura completa do sistema de transportes, quando se tornar insustentável viajar dentro das áreas metropolitanas”, conclui Manuel Tão.