Soube-se há dias que as contas do Estado, no fim de 2023, conduziram a um excedente na ordem de 1,2% do PIB. Foi o maior excedente em democracia. Num país habituado sobretudo a défices nas contas públicas, a façanha merece atenção.
O ministro das Finanças Fernando Medina tinha previsto um excedente de 0,8% do PIB. Afinal, foi bem maior, o que deixou o ministro orgulhoso.
Só que, do lado socialista, já tinham começado os resmungos. Um excedente excessivo? interrogou-se Carlos César, presidente do PS. A irritação socialista tem sobretudo a ver com o facto de parte deste excedente vir, agora, a ser gasto pelo governo da Aliança Democrática, quando poderia ter sido gasto pelo governo de A. Costa na resposta a alguns problemas. Por exemplo, no pagamento, pelo menos parcial, dos vencimentos dos professores; ou na tentativa de travar a saída de médicos do Serviço Nacional de Saúde, etc. No limite, o PS pode pensar que, se tivesse usado criteriosamente este excedente, não teria perdido as eleições.
Creio que teria sido mais razoável um excedente, digamos, na ordem dos 0,6% do PIB, desde que os outros 0,6% tivessem sido aplicados a atenuar situações financeiras da maioria das famílias portuguesas, apertadas por uma pesada carga fiscal sem sentirem na oferta de serviços públicos a desejável qualidade. Pelo contrário, sentiu-se uma clara deterioração no funcionamento dos serviços públicos.
Reconheço que teria sido difícil prever a dimensão deste excedente antes de fechadas as contas do ano de 2023. O terceiro trimestre apresentou números fora do normal.
Mas não vale a pena lamentar o passado. E os socialistas irão figurar nas iniciativas do próximo governo para canalizar parte do excedente dando resposta a problemas prementes, portanto receberão também os louros da opinião pública por essa resposta.
Agora é importante que não se deixe cair o imperativo das “contas certas”. Creio que o PS de A. Costa interiorizou esse imperativo porque a “troika” entrou em Portugal em 2011 por causa dos desequilíbrios orçamentais provocados pelo executivo socialista de José Sócrates.
E a AD, no governo, não pode facilitar, face a este inesperado “bónus”, um valor mais de 5400 milhões de euros acima do défice de 2207 milhões previsto no Orçamento de Estado inicial. Haja bom senso.