Nove anos depois desde a última publicação, o cónego João Aguiar Campos lança “Circunstâncias”. Uma obra de reflexão onde o escritor, em mais de 300 páginas, fala sobre a “força da fragilidade” e partilha com os leitores o seu olhar “de espanto” sobre a vida.
A obra do ex-presidente do Conselho de Gerência do Grupo Renascença Multimédia é apresentada esta sexta-feira, às 19h00, no auditoria Vitta, em Braga.
"Circunstâncias” é por si uma “circunstância” ou foram as “circunstâncias” que o levaram regresso à escrita?
É um olhar sobre as minhas circunstâncias. Tenho realmente uma tendência de estar atento a tudo o que vai acontecendo no dia-a-dia seja de uma forma esperada ou inesperada. Cada circunstância tem um sentido, uma finalidade e cada acontecimento uma alma. Ao olhar, ao sentir, ao ouvir, normalmente, recolhe-me na procura da alma de cada acontecimento. Escrevo e rezo, ou não, sobre isso.
“Circunstâncias” dá-nos a conhecer um conjunto de reflexões. A intenção foi partilhá-las ou é um convite para que os outros também reflictam?
Na introdução do livro digo que escolhi as palavras e as frases mais simples para dizer que tudo é importante. Para isso recorro a uma memória: aos amigos convido a comer na cozinha. A refeição na cozinha é mais descontraída. Estamos muito mais soltos. As minhas reflexões são soltas. Não procurei nem palavras nem ideias caras. Tal como vejo, tal como sinto, tal como leio, assim, digo. Numa perspectiva de reflexão tranquila.
Como surgiu a necessidade de escrever e partilhar as suas reflexões?
Tenho necessidade de rezar, de sentir, de pensar. Depois, os meus últimos anos foram demasiados agitados e não apenas para o corpo, devido à doença, mas também para o espírito que estava a precisar de se refortalecer. Estavam a pedir uma paragem e num momento de paragem é óptimo ir dentro de nós e encontrar metáforas e ideias que estavam ali guardadas. Embora escrevendo para os outros, escrevo sem a preocupação de ensinar. Ponho em cima da mesa. Uns alimentam-se, outros não.
Deste livro ficam ideias como a simplicidade, a oração, o quotidiano, a reflexão, o quotidiano. Qual seria a palavra que melhor pode descrever a obra?
Não sei se a palavra espanto é a mais repetida no livro, mas é a mais vezes repetida na minha vida. Vivo cada vez mais a sensação espanto. O espanto perante Deus, o espanto perante os outros. A palavra intensificou-se neste momento de menor saúde física que atravesso. Um momento de fragilidade que permite-nos ver a força da fragilidade e espanto-me, também, com o novo olhar que tenho sobre as pessoas e sobre as coisas. Normalmente não acreditava que alguns acontecimentos na nossa vida modificam demasiado o nosso olhar. É um facto que mudou muito o meu olhar. As coisas mais belas são agora muito mais bonitas, são lindas e emocionam-me. É também verdade que os silêncios maiores são um poço extraordinariamente fundo. Sinto tudo muito mais!
Esta é a sua obra mais sentida?
Sim, é a mais sentida porque são outras as circunstâncias em que estou. A circunstância do tempo, do lugar. A circunstância de em algum momento quer me movimentar e ser mais difícil. Há um conjunto de limitações e perante elas dizer que sou capaz de tantas coisas. Sou capaz de pensar, sou capaz de fazer peregrinações à memória. Sou capaz de sonhar. Sou capaz de viajar até sítios onde os outros me levam seja na escrita ou num postal.
E para onde o leva esta viagem pela escrita?
Tenho um sonho e esse está pronto. Fiz uma espécie de um percurso pelo rio da minha terra. Chama-se “Rio Abaixo” e ao longo do rio vou parando e dialogando com o que vai acontecendo. Estou, agora, a recolher agora as fotografias dos sítios. Mas não sei a força nem o tempo que terei amanhã.
Mas sabe a vontade?
Sim, e a esperança e a serenidade habita-me e com isso espanto-me comigo mesmo.