Quatro mulheres, duas gerações, a mesma opinião sobre o que ainda falta fazer no âmbito dos direitos das mulheres. O principal problema que está por resolver em Portugal resume-se numa frase: “Para trabalho igual, salário igual”, aliado a melhores condições laborais para quem também é mãe.
O que continua a faltar são condições laborais mais próximas das dos homens - uma das principais razões que levou à criação do Dia Internacional da Mulher, que em parte se deveu à luta contra as más condições de trabalho das operárias fabris, em finais do século XIX e início do século XX.
Atualmente, em Portugal, as condições no trabalho de homens e mulheres continuam muito díspares. Segundo o gabinete de estatísticas da UE, entre 2011 e 2016, o fosso salarial entre homens e mulheres em Portugal cresceu 4,6%, situando-se em 2016 nos 17,5%, menos 0,3% do que no ano anterior.
Lúcia, Rita, Cristina e Filipa têm idades diferentes, profissões diferentes, mas a mesma opinião que vai ao encontro dos dados europeus. É no meio laboral que existe maior desigualdade entre os dois sexos. E, apesar de ilegal, todas admitem que as situações de discriminação face à maternidade ainda são frequentes.
Celebrar ou não?
Mais de 40 anos depois da designação pela ONU do dia 8 de março como Dia Internacional da Mulher, ainda faz sentido celebrar ? “Ao dizer que não, eventualmente corro o risco de ser apontada como traidora e não defensora dos direitos da mulher”, responde Cristina Vieira.
Para a jurista de 54 anos, este é um dia que “não faz muito sentido” porque os direitos das mulheres deviam ser “debatidos todos os dias do ano”. Sobretudo, quando "existem mulheres, como aqui em Portugal, a ganhar menos do que os homens.”
Cristina sublinha que “muita coisa mudou, mas, efectivamente, ainda há muita coisa a fazer” em prol dos direitos das mulheres, mas não concorda com a forma como algumas celebram o dia. “Tenho amigas que organizam jantares ou almoços. Não acho graça, nunca fui”, explica, em tom de crítica. “Às vezes, parece que somos um grupo de tontinhas que, no dia 8, por obrigação, saímos.”
Para Cristina, comemorar o Dia da Mulher como se de mais uma celebração comercial se tratasse - como o dia dos namorados, por exemplo - “desvirtua o motivo que levou à sua criação”.
Comemorações à parte, Rita Duarte, 29 anos, e Filipa Couto, 30, não hesitam: esta data continua a fazer sentido, porque ainda há países onde os direitos das mulheres não são, de todo, respeitados. "Países onde as mulheres até são vistas como seres inferiores”, acrescenta Rita.
“No Dia da Mulher, vamos ver muitos vídeos nas redes sociais sobre como as mulheres são tratadas noutras culturas. Em geral, só nos lembramos disso nesse dia e deviam ser sempre lembrados”, afirma Filipa Couto.
Desigualdade laboral
Rita também reconhece que a situação das mulheres em Portugal não é tão dramática como noutros países, mas não tem dúvidas de que “ainda temos uma sociedade bastante machista”, na qual as mulheres “ainda são prejudicadas no acesso ao trabalho, porque podem engravidar e ter de ficar algum tempo de licença” e também “há bastante desigualdade salarial em várias profissões”.
Filipa não tem dúvidas em relação ao que falta fazer. “Igualar aquilo que os homens têm no trabalho”, em matéria salarial e de horário, embora a fotógrafa nunca tenha recebido menos que os colegas do sexo oposto.
“Agora sou fotógrafa de casamentos, mas fui foto-jornalista durante cinco anos. Uma área que ainda é um mundo de homens, mas nunca senti discriminação. Fazia tudo o que eles faziam e o pagamento era igual para todos, não havia diferença”, conta.
Para a fotógrafa, as desigualdades no que diz respeito ao trabalho "acontecem sobretudo por causa da maternidade, que tem de ser tratada de outra forma”.
“Nunca foi o meu caso, mas nas entrevistas de emprego, por exemplo, perguntam logo se a pessoa está a pensar constituir família. E, no caso das mulheres, isso é logo um impedimento”, reconhece.
Maternidade (ainda) é discriminada
Quando Cristina Vieira engravidou “há alguns anos, não tantos assim”, foi acusada de traição pelo empregador. “Foi a única discriminação que sofri ao longo da minha vida”. Na altura estava grávida pela primeira vez e nem queria acreditar no que lhe estava a acontecer.
“A empresa considerava que a gravidez era uma traição” e “foi tudo feito para que eu saísse”, conta. “Não foi uma coisa da minha cabeça, foi-me dito exatamente isso, que era uma traição”, relembra, ainda incrédula.
“É daquelas situações em que só aceitamos que existem quando somos confrontados com elas. Porque já tinha ouvido falar de casos [de discriminação por causa de uma gravidez], mas, na minha ingénua cabeça, não fazia sentido”, diz Cristina.
Lúcia Medeiros tem 62 anos e duas filhas. “Em relação à maternidade, cumpriram comigo o que a lei prevê”, mas, ao longo da vida profissional, perdeu a conta aos inúmeros relatos que ouviu de discriminação.
Hoje reformada, Lúcia foi, durante muitos anos, diretora pedagógica de uma escola profissional. E foram muitos os casos de “alunas que, entretanto, iam trabalhar e que não podiam dizer que estavam grávidas, porque, se o dissessem, eram despedidas. Depois, quando regressavam ao trabalho [após a licença de maternidade] eram criadas condições para que não lhes fossem renovados os contratos”, assegura.
Rita Duarte é assistente de bordo, uma profissão “tradicionalmente” feminina e, “talvez por isso”, a maioria das companhias aéreas tem regras específicas para grávidas. “Se engravidarmos, visto que há um risco físico [de perder o bebé], vamos para casa e temos direito à licença de maternidade completa. Temos apoio quando voltamos a trabalhar: não trabalhamos tantas horas, não ficamos fora...”, exemplifica.
Apesar de não ter filhos, Rita considera que a companhia onde trabalha até “dá mais apoio que a média” às mulheres que têm filhos e outro factor importante é que “a empresa não privilegia os homens por causa da maternidade”.
Para lá da maternidade e dos salários, há outra questão que precisa de ser resolvida. Lúcia aponta que “falta salário igual para trabalho igual”, mas também mais cargos de chefia para as mulheres.
“Disse-lhe que nunca tinha sentido nenhuma situação de discriminação, por ser mulher, em relação à minha profissão, mas isso não é verdade. Aconteceu uma vez. Não falo do salário, mas de um cargo de chefia que, pelo meu currículo e estatuto, me deveria ter sido atribuído e não foi”, conta.
“Já estou reformada, posso falar disso à vontade”, desabafa Lúcia. “Foi escolhido um homem para o lugar e eu tinha muito mais qualificações”. Não conseguiu resolver o problema, mas afirma que falou “no sítio certo” sobre o que sentiu na altura.
Assédio, “Me Too” e “Time's Up”
A nível internacional, mais do que os direitos laborais para as mulheres, a questão na ordem do dia é a do assédio sexual em contexto de trabalho. Em Portugal, ainda não são conhecidas denúncias públicas, o que não quer dizer que não aconteça.
“Os locais de trabalho são os locais onde habitualmente as mulheres sofrem mais abusos, mais assédio”, considera Cristina.
Lúcia é da mesma geração que Cristina e diz mesmo que “a questão do assédio em meio laboral é um problema grave” e tem de “ser tratada como um caso de justiça, de tribunal”.
“Em todo o mercado laboral, não é só em Hollywwod e no mundo das celebridades, há muito assédio por parte dos homens, direcionado às mulheres”, diz Filipa, avançando uma razão: “A maioria dos diretores das grandes empresas são homens.”
O assédio no trabalho é uma realidade e nem sempre é de carácter sexual. Embora não os tenha descrito como assédio, Rita, assistente de bordo, admite que já se sentiu desconfortável em alguns momentos.
“Por exemplo, as claques de futebol são grupos que, às vezes, fazem um comentário ou outro menos agradável. Em alguns voos - por exemplo, para países como o Senegal -, há alguma diferença de tratamento dos homens senegaleses em relação às assistentes de bordo. Às vezes, tenho que pedir a um dos meus colegas homens para dizerem a mesma coisa, porque, por ser uma mulher a dizer, não acatam as indicações”, conta.
Sobre os movimentos “Me Too” e “Time's Up”, as quatro mulheres reconhecem que são importantes na medida em que dão visibilidade a um problema real.
Estes movimentos “fazem todo o sentido, as mulheres devem unir-se na denúncia”, afirma Filipa que não concorda com as vozes críticas que apontam para exageros.
Para a fotógrafa, ainda “só se levantou um bocadinho da capa de muitas pessoas”. “É normal que, depois da primeira pessoa a falar, da primeira denúncia, as outras pessoas se sintam mais confortáveis para também falar sobre a sua experiência, quando sentem que não são as únicas. Não acho que seja um exagero”, considera.
Cristina é jurista e, apesar de também defender os dois movimentos, pensa que “criaram uma enorme confusão”, uma vez que, embora tenham tornado os casos de assédio mais visíveis, também permitiram que “se misture a infração, o crime - que é punível por lei - com tudo o resto”.
“É verdade que há homens que assediam as mulheres. Mas também é verdade que há homens para quem aquela é sua forma de falar, de estar, de ser, e não estão sequer a assediar. Se calhar, as mulheres não entendem dessa forma”, afirma Cristina.
“As mulheres não devem - ou nunca deveriam, em circunstância alguma - pactuar com situações dessas”, mas “a maioria já passou por situações idênticas [às denunciadas]”, ressalva Lúcia, que admite a possibilidade de existir algum exagero no que toca às denúncias.
“Vou dizer uma coisa que não é politicamente correcta, mas, infelizmente, muitas mulheres também usaram isso no mau sentido”, diz. “Há um certo exagero, porque, a certa altura, entrou-se num campo em que já não há inocentes. Ninguém é totalmente inocente neste tipo de processos, há uma linha muito ténue”, conclui Lúcia Medeiros.