Como reduzir o número de infetados com coronavírus para metade? "Achatar a curva"
19-03-2020 - 18:39
 • Joana Gonçalves , Rodrigo Machado

O modelo do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças não deixa dúvidas: medidas de isolamento e contenção mais agressivas são a forma mais eficaz de reduzir o número de infectados.

Modelo do centro europeu de controlo e prevenção de doenças mostra como a adoção de medidas de contenção podem reduzir para menos de metade o número de infetados com Covid-19. Ilustração: Rodrigo Machado

Ilustração: Rodrigo Machado

O número de infectados em Portugal com o novo coronavírus mantém uma trajetória crescente desde que surgiu o primeiro caso, no dia 2 de março. À data de hoje, 19 de março, estão confirmados 785 casos em território nacional. A taxa de crescimento tem vindo a registar nos últimos dias um abrandamento, que coincide com a adoção de medidas de contenção e, mais recentemente, a declaração de estado de emergência em todo o país.

Tiago dos Santos, profissional na área de machine learning, adaptou um modelo matemático, publicado na revista "Nature", que procurava obter uma estimativa do número de infetados com ou sem medidas de isolamento e contenção em Wuhan, na China.

O trabalho baseia-se no modelo epidemiológico SEIR, de acordo com o qual um paciente pode passar por quatro estágios durante o período de contágio: suscetível, exposto, infetado e recuperado.

Feitas as contas e adaptado o modelo à realidade portuguesa, as conclusões a que chegou Tiago dos Santos vão de encontro às previsões do Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças.

"O que este modelo nos mostra, claramente, é que a adoção de medidas de contenção tem uma influência direta no valor do R0 (taxa de ataque). Quanto mais cedo forem adotadas essas medidas, mais cedo será atingido um pico e menor será o número de infetados", explica o especialista em machine learning.

O trabalho de Tiago dos Santos prevê três cenários. No primeiro não são adotadas quaisquer medidas de prevenção e isolamento, no segundo as medidas são adotadas 20 dias depois do início do surto e no terceiro as medidas de contenção são implementadas ao fim de 15 dias após o aparecimento do primeiro infetado.

As variações são notáveis e ilustram bem a importância de adotar medidas de isolamento social o mais cedo possível. No primeiro caso, o pico seria atingido em setembro deste ano com mais de dois milhões de casos confirmados com o novo coronavírus em território nacional. No segundo cenário o valor baixa abruptamente para 1180 infectados, no início de maio. No último cenário, onde se adotam medidas de contenção mais agressivas e mais cedo, o pico seria atingido no final de abril com cerca de 520 infetados, menos de metade do cenário 2.

Este último valor já foi ultrapassado, na passada quarta-feira dia 18 de março. Tiago dos Santos explica o que poderá estar na origem desta variação.

"Nos últimos dias têm sido divulgadas as primeiras estimativas do R0 [da Covid-19] em Portugal. Os primeiros dados apontam para um valor que ronda os 3,7, o que explica o aumento do número de infetados", esclarece.

Na prática, a leitura deste valor permite-nos concluir que, em média, uma pessoa infetada com o novo coronavírus pode transmiti-lo a outras 4, adotando números redondos, que por sua vez o transmitirão a 8 e assim sucessivamente. Feitas as contas, no sexto ciclo de contágio seria de esperar um total de 1.365 casos confirmados e no décimo ciclo quase 350 mil.

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O mesmo relatório do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças revela, também, que perante uma taxa de 100 doentes hospitalizados por cada 100 mil habitantes nenhum país da União Europeia terá capacidade para acolher nas unidades de cuidados intensivos todos os doentes que necessitem de acesso a este tipo de cuidado.

De acordo com o mesmo documento, quatro países da UE apresentam um alto risco de ultrapassar a capacidade das unidades de cuidados intensivos (UCI) com uma prevalência de 10 casos Covid-19 hospitalizados por 100.000 habitantes (aproximadamente o dobro do cenário de prevalência da China Continental no auge da epidemia).

Se considerarmos um cenário em que estão hospitalizados 18 infetadospor cada 100 mil habitantes (o cenário de Lombardia a 5 de março), 12 países, incluindo Portugal, têm um alto risco de saturação da capacidade das (UCI).

É também por isso que o isolamento social é tão importante. Graça Freitas, diretora da DGS, anunciou esta quinta-feira, que quase 90% dos casos confirmados estão a ser acompanhados no domicílio e adianta que é essa a estratégia adotar nos próximos dias.

"A maior parte das pessoas pode e deve ser seguida no seu domicílio. Muitos de nós nós vão ter sintomas ligeiros a moderados. E todos nós que tenhamos esses sintomas devemos ligar para o SNS24 e seremos seguidos ao domicílio. Uma palavra de tranquilidade: aquelas pessoas que na triagem forem detetadas como pessoas de baixo risco, com sintomas ligeiros a moderados, poderão fazer a recuperação a domicílio", referiu em resposta à Renascença.