Elementos do SEF ouvidos esta terça-feira como testemunhas de defesa do arguido Luís Silva no julgamento do alegado homicídio do passageiro ucraniano Ihor Homeniuk declararam que vários inspetores daquele serviço possuíam bastões, não havendo qualquer "ordem de serviço" em contrário.
A questão é considerada relevante para a defesa de dois dos três acusados - Luís Silva e Duarte Laja - os quais, além de estarem acusados juntamente com Bruno Sousa do homicídio qualificado de Igor Homeniuk, alegadamente morto à pancada nas instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no aeroporto de Lisboa, respondem pelo crime de posse de arma proibida (bastão).
Jorge Gomes, do SEF, testemunhou que eram "administradas aulas com bastão" aos inspetores do SEF, pelo menos desde 2004, mas como "método de afastamento e controlo de pessoas", dizendo ao tribunal ter ideia que houve distribuição de bastões aos elementos do SEF (que são um órgão de polícia criminal) durante a realização do Euro-2004 em futebol, em Portugal.
"Tenho ideia que no Euro-2004 foram distribuídos bastões", disse Jorge Lemos, que ministrou aulas de defesa pessoal e algemagem a vários inspetores do SEF, incluindo a Duarte Laja, um dos três acusados da morte por violência física de Ihor Hmeniuk.
Também Pedro Martins, do SEF, arrolado como testemunha de defesa do arguido Luís Silva, veio dizer em tribunal ter conhecimento que "alguns colegas" do SEF tinham "bastões extensíveis", não tendo ele conhecimento de "alguma ordem de serviço" em contrário, que proibisse o porte do bastão.
À saída do tribunal, Maria Manuel Candal, advogada de Luís Silva, referiu que a questão dos bastões era uma matéria que "ainda não tinha sido muito focada até à data" em julgamento.
Após os testemunhos desta terça-feira, "não restam dúvidas de que os bastões não só eram distribuídos como o próprio SEF dava formação na utilização do bastão", sendo também "uma arma de compra livre por parte dos elementos do SEF como órgão de polícia criminal", declarou a advogada.
Das outras testemunhas de defesa ouvidas esta terça-feira, destaque também para a inquirição da enfermeira Jofrina Zinaeda Patrício, que trabalha no aeroporto de Lisboa, a qual disse ter encontrado em 12 de março Ihor Homeniuk "deitado num colchão", com ligaduras atadas nos pés e nas mãos, e que apenas balbuciava "hum, hum" quando confrontado com o chamamento do seu nome, isto já depois de os três acusados terem estado sozinhos na sala dos médicos com o malogrado passageiro ucraniano.
A enfermeira relatou que viu hematomas nos braços de Ihor e que este tinha as "mãos muito inchadas" provavelmente devido às ligaduras que o atavam, não se recordando se estava atado de mãos à frente ou atrás das costas.
A enfermeira contou ao coletivo de juízes, presidido por Rui Coelho, que disse logo que Ihor tinha que ser observado no hospital, tendo sido chamado o INEM. Ainda verificou a glicemia e os movimentos respiratórios, mas, entretanto, o passageiro entrou em paragem cardiorrespiratória antes da chegada da ambulância, tendo sido ela a fazer o primeiro suporte básico de vida ou reanimação.
Questionada pela procuradora Leonor Machado, a enfermeira negou que alguém nas instalações do SEF lhe tivesse dito que Ihor tinha tido "uma crise convulsiva, seguida de aspiração do vómito". Disse ainda lembrar-se que o quarto onde o passageiro se encontrava "cheirava muito mal", sendo o fedor detetável logo à entrada da chamada sala dos médicos onde o ucraniano estava isolado e deitado num colchão.
Durante a audiência foi ouvida Sara Fernandes Monteiro, do Instituto Nacional de Medicina Legal (INMLCF), que relatou a chegada do cadáver, na presença de dois inspetores do SEF e de dois elementos dos bombeiros do Dafundo. Falou dos procedimentos normais neste tipo de situação (medição, impressões digitais), tendo os bombeiros assinado o documento de entrada do corpo para a arca frigorífica do INMLCF.
Segundo a acusação, cerca das 8h15 de 12 de março e mantendo-se a situação de detenção de Ihor, os arguidos Duarte Laja, Bruno Sousa e Luís Silva deslocaram-se à sala dos médicos, sendo que antes Luís Silva dirigindo-se à vigilante Mihaela Roxana Andrei, que estava na receção, onde são registados os nomes de todos as pessoas que ali entram, disse: “atenção, você não vá colocar aí os nossos nomes, ok?”
Adianta a acusação que o inspetor Luís Silva levava consigo um bastão extensível e um outro inspetor um par de algemas. De seguida dirigiram-se à sala onde se encontrava Ihor e depois de o algemarem com as mãos atrás das costas e de lhe amarrarem os cotovelos com ligaduras, desferiram no corpo do ofendido um "número indeterminado de socos e pontapés".
"Encontrando-se o ofendido prostrado no chão, os três inspetores também com o bastão extensível continuaram a desferir pontapés e no tronco do ofendido e várias pancadas na mesma zona, enquanto aos gritos, lhe exigiam que permanecesse quieto", tendo, nessa ocasião, alguns vigilantes aproximado-se da sala e abriram a porta, que estava encostada, tendo de imediato sido repreendidos pelo inspetor Duarte Laja, que depois de os mandar embora lhes disse: “Isto aqui é para ninguém ver”.
Cerca das 16h43 desse dia - diz a acusação - deslocaram-se à sala o inspetor chefe Gabriel Amaral Pinto e o inspetor Rui Marques com o propósito de dali transferirem Ihor com destino a Istambul e verificaram então que a vítima não reagia.
"Por esse motivo e decorridas algumas horas foi acionado o INEM e uma viatura médica de emergência, sendo que o médico de serviço desta última tripulação, verificou o óbito de Ihor, cerca das 18h40 e apenas escreveu no boletim: “em paragem respiratória presenciada após crise convulsiva”.
Alega a acusação que os arguidos e outros inspetores do SEF "tudo fizeram para omitir ao Ministério Público os factos que culminaram com a morte do ofendido", chegando ao ponto de informar o magistrado do Ministério Público que Ihor "foi acometido de doença súbita".