​“Buraco” na Caixa. PS defende que a culpa também foi da crise
17-07-2019 - 03:25
 • Renascença, com Lusa

Já o Bloco de Esquerda defende, nas propostas de alteração ao relatório final da comissão de inquérito, que o Banco de Portugal "tinha elementos" para efetuar "uma intervenção mais atempada".

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O Partido Socialista defende que a crise financeira mundial, iniciada em 2007, também contribuiu para o “buraco” na Caixa Geral de Depósitos (CGD).

A ideia está na lista de propostas de alteração e aditamento que o PS fez ao projeto de relatório final da comissão parlamentar de inquérito (CPI) à recapitalização do banco estatal, elaborado pelo deputado João Almeida, do CDS.

“Pelo que foi apurado, a maioria das perdas teve origem nos anos do mandato da administração liderada por Carlos Santos Ferreira, sendo, contudo, de referir que esse mandato coincide com a eclosão da crise financeira iniciada em 2007”, defendem os socialistas que passe a constar nas conclusões da CPI.

Carlos Santos Ferreira comandou os destinos da Caixa Geral de Depósitos entre 2005 e 2007.

Os socialistas também querem acrescentar os nomes de Celeste Cardona, Norberto Rosa e Vítor Fernandes a uma das conclusões do relatório elaborado pelo centrista João Almeida.

O deputado do CDS escreveu que: “o vice-presidente Maldonado Gonelha, os administradores Armando Vara e Francisco Bandeira tiveram, segundo os trabalhos da comissão, intervenção direta nos créditos mais problemáticos”.

O PS também quer aliviar a responsabilidade do Governo em relação aos créditos ruinosos concedidos pelos responsáveis da Caixa Geral de Depósitos.

Defendem que o relatório final deve referir que “os problemas detetados pelos órgãos de controlo interno, foram reportadas ao Ministério das Finanças, ainda que por vezes de forma vaga ou genérica, não existindo evidência de diligências efetuadas no sentido de os colmatar”.

A versão original redigida por João Almeida considera que “as irregularidades detetadas pelos órgãos de controlo interno foram reportadas ao Ministério das Finanças, não existindo evidência de diligências efetuadas no sentido de as colmatar”.

As alterações e o relatório final serão debatidos e votados na quarta-feira, em reunião da comissão, a partir das 14h00.

BE diz que Banco de Portugal tinha elementos "para intervenção mais atempada"

O Bloco de Esquerda (BE) afirma que o Banco de Portugal (BdP) "tinha elementos" para efetuar "uma intervenção mais atempada" na Caixa Geral de Depósitos (CGD), de acordo com as propostas de alteração ao relatório da comissão parlamentar de inquérito.

Segundo o documento a que a Lusa teve acesso, o BE considera que "o BdP tinha elementos, em particular o Relatório de Controlo Interno de 2008 e os resultados da Inspeção de 2011, que lhe teriam permitido uma intervenção mais atempada na CGD, com a consequente avaliação das práticas de gestão, concessão e acompanhamento de crédito, bem como da idoneidade dos administradores responsáveis".

Entre esses elementos dos dois relatórios encontram-se "a discrepância de critérios entre o conselho de administração e os órgãos de fiscalização", a identificação "como deficiência de risco elevado na área de créditos, os créditos garantidos por penhor de ações", "critérios pouco prudentes na valorização das garantias", o "não reconhecimento de imparidades individuais" ou a falta de "conhecimento de situações financeiras do mutuário".

O partido pretende ver estas considerações incluídas no relatório final da segunda comissão parlamentar de inquérito à recapitalização e gestão da CGD, que foi redigido pelo deputado João Almeida (CDS-PP) e apresentado na segunda-feira.

Nas conclusões, o BE defende que o relatório deve incluir que "a política de crédito da CGD, em particular na concessão de crédito colaterizado por ações, contribuiu para aumentar o risco sistémico da economia portuguesa".

No caso do 'assalto' ao BCP, o documento assinado pela deputada Mariana Mortágua indica que "a elevada exposição da CGD [...] através do financiamento dos seus acionistas tendo como colateral ações BCP, condicionou a sua capacidade para executar os mutuários sem colocar em causa o valor de mercado do próprio BCP".

O BE aponta ainda o dedo a vários administradores da CGD e afirma que as declarações de alguns deles no parlamento (como Celeste Cardona, Vítor Fernandes, Norberto Rosa ou Rodolfo Lavrador) "permitiram concluir que a sua presença era uma formalidade".

"Em todos os casos, os créditos mais problemáticos foram aprovados por consenso e em total sintonia com as propostas dos administradores dos pelouros, sem evidência de debate ou confronto de posições", indica o partido.

O BE identifica ainda práticas que desrespeitaram "critérios de prudência e boa gestão", como por exemplo a existência de "rácios de cobertura próximos de 100", "predominância das tipologias 'bullet', com pagamento integral no final do contrato" ou "desconsideração pelos alertas constantes nos pareceres da DGR ou mesmo ausência destes pareceres".

O partido refere ainda que "o modelo de autorregulação" da banca, "que surgiu no contexto do quadro institucional de liberalização financeira" e foi seguido pelo "BdP e tutela", "provou ser ineficaz na identificação atempada de más práticas de gestão ou na sua posterior correção".

"Na prática, a instituição de objetivos quantitativos na análise de desempenho da CGD, como a distribuição de dividendos e expansão do balanço, terá contribuído de forma pró-cíclica para as tendências curto-prazistas e focadas unicamente na rentabilidade e concorrência de mercado", indica o partido.

Nas recomendações, o BE concorda com a formulação de João Almeida de que "deve ser promovida uma reflexão profunda sobre o papel da CGD enquanto banco público", que é "indiscutível a sua relevância numa economia aberta, integrada numa União Económica e Monetária num país" com as características de Portugal, mas acrescenta que esse papel é relevante por a "banca privada" ser "hoje dominada por capital estrangeiro".

O BE rejeita ainda a "compatibilização [da missão da CGD] com os princípios de regulamentação e concorrência da UE [União Europeia]", e propõe no seu lugar a inclusão do "apoio à economia produtiva e a sua compatibilização com princípios exigentes de transparência, competência e respeito pelo superior interesse público".

O partido liderado por Catarina Martins acrescenta ainda que o Estado deve exercer o seu papel de acionista de forma "sistemática", e que "deve ser promovida uma avaliação regular que possa apreciar de forma adequada e em toda a sua extensão" a missão da CGD.

O BE defende ainda que "devem ser instituídos novos mecanismos de transparência na gestão do sistema bancário, contribuindo para que a ocultação de informação de interesse público deixe de ser um fator de impunidade", e que esses mecanismos devem incluir a "publicação, de forma periódica e universal, dos grandes riscos, assim como dos maiores devedores em incumprimento".