O impacto económico da Covid-19, associado ao encerramento de escolas e à falta de apoios sociais, fez aumentar o trabalho infantil em todo o mundo, empurrando crianças para trabalhos perigosos, alertou a organização Human Rights Watch (HRW).
Num relatório divulgado, em antecipação ao Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, que se assinala a 12 de junho, a organização centrou a sua análise no Gana, Nepal e Uganda, países com progressos significativos na redução da pobreza e do trabalho infantil e que assumiram o compromisso de erradicar este flagelo até 2025.
No documento de 69 páginas e intitulado "Não devemos trabalhar para comer: Covid-19, pobreza e o trabalho infantil no Gana, Nepal e Uganda", os investigadores examinaram o aumento do trabalho infantil e da pobreza e o impacto da pandemia nos direitos das crianças.
Testemunhos de crianças reproduzidos no relatório descreveram "longas e cansativas" horas de trabalho por pouco dinheiro depois de os pais terem perdido os empregos ou rendimentos, devido à pandemia de covid-19 e às restrições adotadas.
"Muitas crianças sentem que não têm outra escolha senão trabalhar para ajudar as suas famílias a sobreviver, mas um aumento do trabalho infantil não é uma consequência inevitável da pandemia", disse Jo Becker, responsável pela defesa dos direitos das crianças da Human Rights Watch.
"Governos e doadores devem aumentar os subsídios às famílias para manter as crianças longe do trabalho infantil e proteger os direitos das crianças à educação", acrescentou.
Foram ouvidas 81 crianças, algumas com apenas 8 anos, no Gana, Nepal e Uganda, e que trabalhavam em atividades como fornos de tijolos, fábricas de tapetes, minas de ouro, pedreiras, pescas e agricultura.
Havia também mecânicos, condutores de riquexós ou em trabalhos na construção, além de vendedores ambulantes.
Para a grande maioria, a pandemia e as restrições associadas afetaram "negativamente os rendimentos familiares", depois de os pais terem perdido o emprego devido ao encerramento de empresas, terem ficado sem acesso aos mercados devido à falta de transporte, ou terem perdido clientes devido a crise económica.
Muitas crianças entraram no mercado de trabalho pela primeira vez porque as famílias não tinham comida suficiente.
"Comecei a trabalhar porque estávamos tão mal", disse uma rapariga de 13 anos no Uganda, acrescentando: "A fome em casa era demasiada para nos sentarmos e esperarmos".
No Uganda e no Gana, as crianças carregavam sacos pesados de minério em locais de extração de ouro, esmagavam o minério com martelos, respirando pó e fumos de máquinas de processamento, e manuseavam mercúrio tóxico para extrair ouro do minério.
Há também registo de acidentes em pedreiras e de cortes profundos provocados pelos facões no corte de cana-de-açúcar.
Mais de um terço das crianças entrevistadas, em cada um dos países, trabalhava pelo menos dez horas por dia, sete dias por semana.
O relatório conclui que o encerramento de escolas contribuiu para um aumento do trabalho infantil em todo o mundo e que a maioria das crianças entrevistadas teve acesso limitado ou nenhum ao ensino à distância.
Consequentemente, perderam as refeições escolares gratuitas e muitas crianças abandonaram permanentemente a escola, enquanto outras continuaram a trabalhar mesmo após a reabertura.
Outro fator significativo do trabalho infantil, aponta o estudo, é a doença, deficiência ou morte de um dos pais. "Centenas de milhares de crianças em todo o mundo perderam os pais e podem ser forçadas a tornar-se o principal assalariado da sua família", refere.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o número de crianças em trabalho infantil diminuiu aproximadamente 94 milhões entre 2000 e 2016, uma queda de 38%.
Em muitos países que reduziram com sucesso o trabalho infantil, os governos deram subsídios às famílias para reduzir a pressão sobre as crianças para trabalharem.
No entanto, 1,3 mil milhões de crianças - a maioria em África e na Ásia - não são abrangidas por estes programas de ajuda monetária.