A carrinha de Vera e Carlos está parada à porta de casa. Agora, é só usada para ir ao supermercado. Ainda há dois meses, era usada para transportar quem escolhia Portugal para visitar.
Vera Potier, técnica de animação turística, usava mais a viatura. O marido, Carlos Paz, empresário em nome individual, trabalhava essencialmente com outras empresas ligadas ao turismo. Rapidamente, Vera percebeu que, afinal, não ia acontecer o que estava planeado. “Tínhamos perspetivas para um ano 2020 muito bom. Para junho e julho, tínhamos já serviços confirmados e outros perspetivados. Normalmente, no início do ano, começamos a fazer um plano para o primeiro e segundo trimestres do ano. O que a percebemos é que logo em fevereiro começámos a ter cancelamentos e serviços que ficaram em 'banho maria', não dando seguimento ao cancelamento das reservas. Na realidade, já estava a antever que vinha aí esta hecatombe, esta catástrofe.”
Carlos Paz teve o último serviço a 20 de fevereiro. Os últimos dias foram complicados. “Eu tive situações em que quase que tinha as pessoas do hotel a fecharem a porta atrás de mim, porque chegámos a ser os únicos no hotel. Todos os dias a situação era estranha. Estávamos em sítios em que antes estava imensa gente e naquele momento éramos só nós”, conta o empresário.
Este casal, os dois a recibos verdes, tiveram de pedir o apoio extraordinário à Segurança Social. Vera tratou de todo o processo dos dois e não foi fácil. “Não é um processo muito claro em termos de limites. O máximo sabemos qual é, mas o mínimo é muito complicado de perceber. Eu acho que seria mais justo definir que vai de X a Y.”
O apoio é dirigido aos trabalhadores com quebra de 40% na atividade e faturação inferior a 60 mil euros. No último ano têm de ter três meses de descontos seguidos ou seis meses intercalados. Vera Potier tem também dúvidas neste ponto. “Não entendo é se é, de facto, um apanhado desses 12 meses. O que me deram a entender na Segurança Social é que será baseado essencialmente no último trimestre para os trabalhadores independentes, sem contabilidade organizada, que é meu caso,”
O valor do apoio é calculado tendo em conta as declarações prestadas. Pode ir de 438 euros até aos 635 euros, ou seja, o salário mínimo nacional. Vera sublinha ainda que “se nos reportarmos ao primeiro trimestre deste ano ou ao último do ano passado, acabam por ser trimestres pouco rentáveis, em que a faturação não é grande.”
Carlos Paz ainda tentou recorrer ao apoio do Turismo de Portugal, um empréstimo de 750 euros por mês, mas não conseguiu. “Tentei este empréstimo que eles facilitam, mas como estou a resolver uma dívida à Segurança Social, não sou elegível para receber esse apoio. É curioso porque mesmo estando num processo de ajuste não é considerado como estando certo. É estranho, não concordo muito”, sublinha Carlos, que acabou por suspender a atividade de alvará e o pagamento dos seguros.
Este casal tem em casa as duas filhas A mais velha, de 27 anos, com contrato e em teletrabalho. A mais nova, com 23, não tem qualquer rendimento, conta Vera. “A sorte de uma, foi o azar da outra. Uma já tem um contrato, está neste momento em teletrabalho. A outra, à semelhança dos pais, é trabalhadora independente. Trabalha na área das artes, é figurinista. Estava na Alemanha com um espetáculo que seria feito durante cinco meses. Foi também interrompido abruptamente. Era suposto regressar à Alemanha no dia 12 de março, o que já não aconteceu. E como iniciou a atividade em fevereiro não tem no mínimo três meses de contribuição e por isso não tem apoio.”
Futuro incerto
Enquanto os apoios não chegam, Carlos e Vera tentam aguentar com o que ainda têm.
Sendo empresário em nome individual, Carlos lembra que “é complicado ter uma grande almofada financeira para estar parado tandos meses. Apesar do turismo ter crescido muito, a verdade é que continua a ser uma atividade sazonal. Estamos habituados a uma redução nesta altura, mas uma paragem total é uma loucura absoluta.”
Este casal trabalha sobretudo com o mercado brasileiro. Dizem que é “muito forte”, mas “vai demorar ainda mais a reagir a toda esta situação”. Carlos recorda ainda que “maior parte dos casos este turista não faz só Portugal. Vai a Espanha, Itália e França. Fazem longas viagens.”
Vera acrescenta é preciso “aguentar bastante mais tempo, porque é uma atividade que de facto vai demorar a reiniciar”.
Carlos olha para um futuro que será dominado pela incerteza e pelo medo. “As pessoas vão ter medo de estar por exemplo num avião durante oito horas e depois irem num autocarro. Isto durante dias e dias. O dano maior vai ser psicológico. As pessoas reagirem a todo este trauma vai ser complicado. Como é que vamos colocar as pessoas a viajar, colocar as pessoas a descontraírem e a viajarem de um lado para o outro, sempre com esta preocupação? É muito complicado, vai demorar.”