Alexander Lukashenko, no poder há 26 anos, é acusado “perseguição política” e de ignorar os direitos fundamentais. As presidenciais de 9 de agosto na Bielorrússia deram-lhe uma vitória que é contestada pela oposição e não é reconhecida pela UE.
Apesar dos protestos nas ruas, que prosseguem há vários meses, não há sinais de cedência e a repressão policial mantém-se com a detenção de milhares de oposicionistas. Muitos outros tiveram de fugir do país, incluindo uma das laureadas com o Prémio Sakharov, Veranika Tsepkala, que a Renascença entrevistou.
Vive no exílio na Letónia juntamente com o marido, um dos ex-candidatos da oposição bielorrussa.
Veranika está em Bruxelas para receber o Prémio Sakharov 2020 para a Liberdade de Pensamento, juntamente com outras representantes da oposição democrática bielorrussa, devido ao papel que desempenham na contestação pacífica ao regime.
Nesta entrevista aproveita para deixar deixa um apelo a Portugal - que vai assumir em breve a presidência semestral do Conselho da UE -, e aos portugueses. Apela ao reforço das sanções dos 27 contra o regime. Denuncia as violações dos direitos humanos no país e pede o fim da repressão, liberdade para todos os presos políticos e eleições livres. Destaca as manifestações pacíficas e o papel de liderança das mulheres bielorrussas na oposição.
Qual é a situação política neste momento na Bielorrússia? As manifestações contra o regime continuam?
Desde o primeiro dia após as eleições de 9 de agosto, quase todos os dias tivemos manifestações, protestos pacíficos. As pessoas saem à rua para protestar pacificamente. E já passaram quase quatro meses durante os quais as pessoas saem à rua só para protestar contra as eleições fraudulentas.
Por causa da forma destes protestos, o mundo inteiro, toda a comunidade internacional está a olhar para nós. Nenhum carro foi queimado, nenhum vidro partido durante esta campanha. Vejam como as pessoas são incríveis: temos marchas de mulheres solidárias, marchas de médicos, de estudantes, de reformados, de pessoas com deficiências.
As pessoas são tão criativas. Cada dia acordam, criam e fazem coisas impensáveis antes. E, como digo, tudo isto é pacífico, as pessoas não têm armas. Tudo o que queremos é ter eleições livres e democráticas. A liberdade para todos os detidos políticos.
Mencionou o papel das mulheres. Neste processo as mulheres têm um papel de liderança.
Exatamente, porque não temos escolha. Lukashenko construiu um regime em que nem um só líder da oposição está autorizado a ficar no país. Se alguém é da oposição ou está na prisão ou no exílio como o meu marido. O meu marido Valery Tsapkala foi um dos candidatos presidenciais e agora enfrenta acusações criminais. Foi por isso que teve de sair do país e está no exílio.
Lukashenko construiu um regime em que os partidos políticos da oposição não são permitidos, em que os líderes políticos da oposição não estão autorizados no país. Por isso, nós as mulheres bielorrussas não temos escolha. Por causa dos nossos homens, criou-se uma "árvore". Eu decidi apoiar Sviatlana Tsikhanouskaya [principal candidata da oposição] a partir da sede do meu marido Valery Tsapkala. Maryia Kalesnikava [ativista política] decidiu apoiar Sviatlana a partir da sede de Viktar Babaryka [candidato da oposição]. Foi assim que a "árvore" se desenvolveu. Nenhum de nós tem um passado político. Isso talvez nos tenha ajudado. Somos gente comum, bielorrussos comuns que não estiveram na política antes.
Quais são as vossas reivindicações?
Pedimos que parem com a violência contra pessoas pacíficas. Após a Segunda Guerra Mundial, a Bielorrússia teve o recorde de 32 mil pessoas presas. Agora temos 150 pessoas detidas e o número aumenta. Há questões relacionadas com os direitos humanos porque as pessoas na prisão são espancadas, torturadas, violadas. Temos muitas questões relacionadas com a violação dos direitos humanos das mulheres. Muitas questões relacionadas com os direitos humanos. Isto é o primeiro.
Em segundo, queremos que todos os detidos políticos sejam libertados. E nesse caso podemos sentar-nos à mesa e começar a negociar. Começar negociações sobre como transferir poderes do anterior presidente para o presidente seguinte. E em terceiro lugar queremos eleições presidenciais livres e justas. Queremos garantir que nenhum bielorrusso questione o próximo presidente. Queremos que as eleições sejam democráticas e livres.
E neste processo têm sentido apoio suficiente da União Europeia e dos governos europeus?
Nós percebemos que a União Europeia são 27 governos. Percebemos que é uma grande organização e que demora tempo entre o momento em que se toma uma decisão até à sua implementação. Vocês fazem muitas coisas pela Bielorrússia atualmente, sobretudo nos países vizinhos. Nós somos vizinhos de três países [da UE] - Polónia, Lituânia e Letónia. Estes países têm "corredores humanitários" para cidadãos bielorrussos porque os bielorrussos ainda têm um regime de vistos [de entrada na UE].
Agradecemos os corredores humanitários. Agradecemos a lista de sanções mas na nossa opinião a lista tem que ser alargada. Porque todos os envolvidos nas violações dos direitos humanos, todos os que estão relacionados com as eleições fraudulentas devem estar nessa lista. Pedimos que as empresas do Estado estejam na lista de sanções. Mas precisamos de critérios claros para ter essas empresas na lista de sanções porque Lukashenko é o tipo de pessoa que vai culpar os líderes da oposição pela deterioração da economia.
Também precisamos de financiamento para determinadas categorias da nossa sociedade. Para estudantes, mulheres, idosos. A economia bielorrussa não está em forma e no futuro vamos precisar de ajuda para restaurar a nossa economia.
Se pudesse enviar uma mensagem aos portugueses sobre a situação na Bielorrússia, o que lhes diria?
Sabemos que Portugal vai presidir à União Europeia. Sabemos que Portugal está bastante longe da Bielorrússia. Por favor estejam atentos à Bielorrússia. Não queremos que a comunidade internacional se esqueça da Bielorrússia. Queremos que saibam o que se passa em termos de violações dos direitos humanos. Gostaríamos que uma delegação portuguesa fosse à Polónia, Letónia e Lituânia, perto da Bielorrússia, para ver todos os problemas, ver como o problema é massivo e quantas pessoas fogem da Bielorrússia.
Precisamos de nos fazer ouvir. Precisamos que a União Europeia saiba o que se passa na Bielorrússia. Precisamos da vossa ajuda e assistência. Precisamos que acompanhem os acontecimentos. Precisamos de vocês ao nosso lado.