A Agência Europeia de Produtos Químicos (ECHA) prepara uma proposta para proibir que microplásticos sejam adicionados a produtos vendidos na União Europeia, mas está a ceder à indústria, acusam organizações não governamentais do ambiente.
A proposta da ECHA começou a ser feita em 2018 e a lei deve entrar em vigor em 2022. Hoje, no dia em que termina a última consulta pública, as organizações denunciam, num documento, as cedências do organismo da União Europeia à indústria do setor.
O secretariado da ECHA “ignorou os avisos dos seus próprios peritos” e “enfraqueceu grandemente” a proposta de proibição de microplásticos, dizem as organizações, agrupadas no Gabinete Europeu do Ambiente (EEB, na sigla original), uma entidade que junta mais de 140 organizações ambientalistas de 30 países europeus.
A análise do EEB a todo o processo, a que a Lusa teve acesso, mostra como as posições publicadas pelas indústrias foram “copiadas” para a proposta legal, pelo que se forem aprovadas a lei que a União Europeia (UE) vai aprovar será tão “distorcida” que vai criar mais problemas em vez de melhorar a situação, diz a organização.
E a situação é aquilo a que o EEB chama uma “vasta e crescente nuvem invisível de partículas de plástico” que está a poluir “irreversivelmente a terra, o mar e o ar”, e que “os próprios cientistas da UE dizem ser uma situação fora de controlo e um risco generalizado dentro de um século”.
Foi tendo isso em conta que a ECHA propôs uma proibição generalizada de microplásticos adicionados a produtos. Mas depois, afirma o EEB, entraram em ação as indústrias química, dos plásticos, dos pesticidas e dos cosméticos. E agora a proposta já exclui setores da proibição, aumentou prazos de adaptação, levando a que a poluição “só seja reduzida para metade em 2028”, e distorceu mesmo a definição de microplásticos.
A proposta atual, continua o EEB, incentiva os fabricantes a deixarem de produzir microplásticos e produzirem nanoplásticos, mais pequenos e que podem ser mais prejudiciais para a saúde humana e animal.
O EEB explica que a ECHA apresentou uma proposta para a restrição de microplásticos no ano passado (que desde então está a ser alterada para “acomodar os pedidos da indústria”), que foi avaliada por um comité de avaliação de riscos e por outro de análise socioeconómica, formados por peritos independentes propostos pelos Estados-membros, e que estava em consulta pública até hoje.
A ECHA pode atualizar continuamente a proposta e o documento final deve estar pronto até ao fim do ano, quando será apresentado à Comissão Europeia, que também o pode alterar antes de o enviar ao Parlamento Europeu.
A ficar como está atualmente, alerta o EEB, uma lei destinada a resolver um problema “pode torná-lo ainda pior”, o que constituiria um “fracasso da política ambiental”.
E dá exemplos de como foram alteradas propostas originais, mostrando o documento original, as exigências de alteração das indústrias, e as alterações feitas pela ECHA no seguimento dessas exigências.
É o caso da definição de nanoplásticos e microplásticos, com a ECHA a alterar o tamanho das partículas definidas como microplásticos para um número 100 vezes maior do que a proposta original. Aumentar o limite inferior, diz o EEB, permite à indústria continuar a utilizar as mesmas partículas ou mudá-las para nanopartículas, o que “ainda é pior”.
Aliás, os peritos independentes alertaram para essa situação, considerando que aumentar o limite inferior do tamanho dos microplásticos pode levar a uma substituição destes por partículas de tamanho inferior, “comprometendo potencialmente a eficácia da restrição proposta”.
Outras cedências à indústria aconteceram, segundo a informação disponibilizada pelo EEB, no caso dos campos desportivos sintéticos, que contém toneladas de grânulos de borracha provenientes de pneus velhos.
No documento inicial a ECHA admitia desde a proibição imediata da venda desses grânulos a proibição mais tarde ou não proibição. Agora selecionou provisoriamente a não proibição, ao contrário dos peritos.
E o mesmo, ainda de acordo com a mesma fonte, na área das informações obrigatórias sobre os produtos, com as empresas a nem serem obrigadas a comunicar o tipo exato e quantidade de polímeros que usam.
E a terem, as empresas, ainda períodos alargados de adaptação, bem mais alargados do que na proposta original, segundo os documentos agora divulgados.
Determinados produtos que tinham cinco anos para se adaptar têm agora na nova proposta oito anos, seguindo as exigências da indústria dos cosméticos.
O microplástico, especialmente o polietileno e o poliuretano, muitas vezes com produtos químicos tóxicos adicionados, não se consegue ver mas está em “todo o lado”, alerta o EEB.
E tem defensores poderosos, dizem os ambientalistas que só o Conselho Europeu da Indústria Química (CEFIC na sigla original), a principal associação comercial europeia da indústria química, relata um volume de negócios dos associados de 565 mil milhões de euros por ano.