Há pessoas na Igreja que, apesar do desastre em curso, são incapazes de dar a mão à palmatória, são incapazes de fazer aquilo que define um católico: pedir perdão e recomeçar. Não há nada mais bonito no catolicismo do que a ideia de "recomeçar". Parece porém que muitas pessoas com responsabilidades não querem recomeçar. Uns, como o bispo do Porto, continuam a desvalorizar a situação. Outros, como o padre Portocarrero de Almada, cronista do Observador, continuam a tentar relativizar, dizendo que também há pedofilia noutras instituições e noutros sectores da sociedade. Lamento, mas isto é desconversar.
Claro que a Igreja não tem o monopólio destes pecados, claro que por todo o lado há pedofilia e abuso de menores (pedofilia e uma relação sexual com um menor de 16/17 anos não são a mesma coisa; um tema paralelo que importa discutir numa instituição marcada pelo celibato obrigatório). Só que a Igreja católica é a Igreja católica, não é a secção de natação do Sporting, que teve um abusador clássico de rapazes, tal como reportou esta semana o Expresso (sim, a imprensa fala de casos noutras instituições).
A Igreja católica é o fiel depositário do Evangelho e, como tal, é colocada num nível de exigência moral acima das outras instituições. Além disso, o que está em causa não é a existência de casos de pedofilia, mas o seu encobrimento pela hierarquia – é esse o grande pecado, o pecado institucional do clericalismo sempre opaco. Quando são apanhados em atos de pedofilia, o pai, o tio, o vizinho, o treinador ou o professor são presos ou expulsos, não são desviados por superiores hierárquicos para outra família, escola ou do clube. Ao invés, um padre pedófilo era desviado de forma sistemática e intencional para outra paróquia, mantendo assim a possibilidade de continuar a praticar esse crime. É isto que está em causa, a ocultação legal do crime e a sua perpetuação através do mero desvio do padre para outra paróquia.
A igreja não é um estado à parte com regras à parte, está dentro de cada país e de cada comunidade onde existem leis gerais que se aplicam a todos, inclusive padres. O padre não pode ser um cidadão à parte debaixo de uma lei à parte, sobretudo neste tipo de crime. Um assassino é um assassino, um abusador é um abusador, use ou não cabeção. Ter de explicar isto em 2022 parece incrível, mas é a triste verdade. Enquanto a igreja continuar a ser um clube de homens celibatários fechados na bolha do clericalismo, vamos continuar nisto, neste permanente massacre a que a Igreja é sujeita. Os fariseus que recusam qualquer mudança dizem que a Igreja não tem de se adaptar aos tempos modernos. Pois não. Mas tem de se adaptar ao Evangelho.