Pacheco de Amorim diz que salário dos políticos "pode e deve ser reposto"
10-12-2024 - 07:00
 • Tomás Anjinho Chagas

Dirigente e deputado do Chega contraria posição oficial do partido e considera que o fim do corte de cinco por cento no salário dos políticos deve acontecer depois de todos os funcionários públicos terem essa reposição. Sobre o protesto fala em "mal-entendido" que levou à retirada dos cartazes quando os bombeiros já tinham subido o escadote.

Diogo Pacheco de Amorim, deputado e dirigente do Chega, contraria a posição oficial do partido em relação ao fim do corte de 5% no salário dos políticos.

Em entrevista à Renascença, o também vice-presidente da Assembleia da República considera que o salário "quando tudo for reposto, também aos políticos [o corte] pode e deve ser reposto". Apesar de não explicar quais, Pacheco de Amorim afirma que há classes que ainda não tiveram direito a essa reposição.

A posição de Pacheco de Amorim não coincide com a que foi expressa pelo partido no dia em que a proposta foi aprovada pelo PSD, PS e CDS, onde o Chega considerava "incompreensível e até escandaloso" o fim destes cortes, e justificava que a reposição não deve ser feita até os portugueses "terem salários e pensões dignas".

Nesta entrevista, à margem das jornadas parlamentares do Chega, em Coimbra, o dirigente do partido considera ainda que houve um "mal-entendido" no dia em que foram penduradas tarjas nas janelas da Assembleia da República, que só foram retiradas quando os bombeiros sapadores já estavam no local e a subir o escadote.

Sobre autárquicas, o também 'vice' do Parlamento acredita que é realista sonhar com 20% dos votos e desafia os autarcas do PS de Loures e Alpiarça - que foram criticados pelo próprio partido pelas posições que assumiram - a juntar-se ao Chega: "A porta está aberta".


Pode ouvir a entrevista aqui ou lê-la aqui em baixo


Esta segunda-feira assinalou-se o dia de combate à corrupção, a Ministra da Justiça admitiu à Renascença que pode ser criada uma entidade autónoma para fazer uma fiscalização mais especializada às autarquias. É um bom passo ou não serve para o combate à corrupção em Portugal?

Eu acho que não resolve grande coisa. A questão de base, na minha opinião, na corrupção é a dimensão do perímetro do Estado. O Estado está em demasiados sítios, em demasiadas áreas, e depois é como aquele ditado popular, é criar dificuldades para vender as facilidades. Enquanto o Estado tiver este exageradíssimo perímetro que tem, a corrupção dificilmente será diminuída. Pode ir a um caso, pode ir a outro caso, pode, por mais boa vontade que tenha, com esta dimensão do Estado, a corrupção seja muito difícil de ser significativamente diminuída.

E no imediato, o que é que o Chega propõe?

O Chega propõe o que tem desde o princípio da sua atividade parlamentar, é agravar as penalidades nos casos de corrupção, é a possibilidade de ir aos bens arrecadados pela corrupção e poder deitar-lhes a mão, para impedir que se possam ser usados depois em processos de defesa, que nunca mais acabam usando todos os expedientes permitidos pelo processo penal e civil, para alimentar processos intermináveis.

Mas também não existe o risco de se cometer uma enorme injustiça se a pessoa acabar por ser elevada?

Há sempre riscos, temos de pôr num prato da balança os prós e no outro os contras. Estes processos quando começam têm sempre uma razão. Pode cometer-se uma injustiça mas isso pode-se sempre. Se depois for ilibado, o que foi retirado é resposto. Até lá, enquanto não há uma decisão definitiva, os bens ficam de lado para impedir que sejam usados para recursos infinitos e indefinidos.

Tarjas no Parlamento: "houve mal-entendido"

As últimas semanas ficam marcadas pelo protesto do Chega na Assembleia da República, com as tarjas penduradas na fachada do edifício. Passadas quase duas semanas, admite que pode ter havido algum excesso? Houve pessoas que interpretaram, por exemplo, como uma falta de respeito aos bombeiros pela forma como só foram retiradas as tarjas quando os bombeiros chegaram perto das janelas...

É muito difícil aqui encontrar o ponto certo. Tinha sido dito pelo Presidente do partido que as faixas seriam retiradas no fim do plenário, eu compreendo perfeitamente que o Presidente da Assembleia da República tenha tomado a decisão que tomou, provavelmente não sabia dessa decisão de André Ventura. Portanto, houve aqui, basicamente, uma deficiência de comunicação. O presidente do partido estava no plenário e foi avisado, mal soube que os bombeiros estavam lá pediu para serem retiradas.

Mas não podia ter sido feito antes de os bombeiros subirem a escada? Há imagens de os bombeiros a subir as escadas, que foram interpretadas como uma humilhação...

Só se soube que os bombeiros lá estavam já muito tarde. Não sabíamos que os bombeiros estavam ao caminho, quando soubemos o dr. André Ventura saiu do plenário, foi ver e os bombeiros já estavam a chegar lá acima. Se ele tivesse sido avisado antes, aquilo já teria sido retirado, como é evidente. Não íamos esperar que os bombeiros subissem, corressem riscos, foi um mal-entendido e uma má comunicação.

Em relação à causa deste protesto, o fim do corte do salário dos políticos, porque é que os políticos devem ser discriminados em relação aos outros funcionários públicos?

Os políticos não devem ser discriminados em relação aos funcionários públicos.

Mas isto é o fim de uma discriminação...

O que o presidente do partido e a direção do partido entenderam é que só deveríamos aceitar essa reposição quando todas as reposições tivessem já sido feitas a nível nacional e em todas as áreas, coisa que não aconteceu. Estávamos dispostos a assumir essa reposição se já todas as reposições tivessem sido feitas.

Quem é que falta?

Não sei dizer, isto foi um estudo que foi feito pelo partido e apresentado ao presidente, mas o que me foi dito e eu compreendo perfeitamente. Dentro dos órgãos de soberania, os deputados, até não são os mais bem-pagos. A questão não é essa, e 5% parece ridículo, mas a ideia é que quando tudo for reposto, nós aceitamos a reposição.

Não está em causa o facto de os políticos receberem demasiado dinheiro?

A questão não é receberem demasiado está numa reposição que ainda não teria sido feita em todos aqueles que tiveram cortes na altura em que esses cortes foram feitos.

No futuro aceitam essa proposta?

Não posso falar em nome da direção do partido, nem em nome do grupo parlamentar, mas a partir desse momento, sim, acho que também aos políticos pode e deve ser reposto. Aliás, estamos a falar de uma ninharia, é mais uma questão simbólica.


Autárquicas: Chega sonha com os 20% e Ventura não deve ser candidato

Estamos a menos de um ano das eleições autárquicas, o Chega já tem algum objetivo definido para essas eleições?

O Chega tem de ganhar o máximo número de lugares nas freguesias, nas câmaras, em todo lado.

Ainda não têm isso contabilizado, em números?

Ainda não temos contabilizado, estamos numa fase inicial de apreciação do assunto. O objetivo é o que tínhamos há 4 anos, enraizar-nos tanto quanto possível em todo o território nacional. Ganhar lugares, desde as mais pequenas juntas de freguesia até as câmaras maiores, como a Câmara de Lisboa.

O Chega nas legislativas conseguiu quase 20% dos votos, nas europeias conseguiu 9%. Acha que foi um acidente de percurso e que o partido vai conseguir um resultado semelhante ao resultado das legislativas nas próximas autárquicas?

Sim, vai conseguir, salvaguardando a diferença entre umas autárquicas e as legislativas. Aquela quebra que nós tivemos nas europeias, já está, segundo as sondagens, já está reabsorvida, há sondagens que nos dão 20%. A lógica das autárquicas é diferente das outras eleições, mas julgo que teremos um bom resultado.

São também as eleições mais participadas, por norma, no sistema eleitoral português. Estabelecer esses 20% como meta é realista?

Numas zonas do país teremos mais, noutras teremos menos, em média, acho que teremos entre os 16% e os 20%.

E em relação a Lisboa, a maior autarquia do país, já tem um candidato escolhido para essa batalha eleitoral?

Já estão alguns pensados, há algumas hipóteses em cima da mesa, mas ainda é cedo para optar por uma ou por outra.

Faria sentido ser André Ventura a levar esse embate eleitoral?

Não, não faz sentido. O André Ventura não pode ser candidato a tudo quanto aparece em Portugal. Para as europeias teríamos tido seguramente melhor resultado se o candidato fosse André Ventura, mas ele não pode andar a desgastar-se em todas as eleições que há no país, nomeadamente nas autárquicas.

E para Lisboa, disse que já tem alguns nomes, são deputados do Chega, são dirigentes do partido ou são personalidades de fora do Chega?

Não vou especificar, mas há os dois casos.

Nas várias câmaras do país, há atuais autarcas do PS que podem vir a integrar as listas do Chega em 2025?

Poderá haver do PS e PSD, julgo que sim. O processo ainda não está muito adiantado,mas é de admitir que sim. Aliás veja o caso das autarquias do PS que perceberam o que se passa, porque têm a noção do que se passa no terreno, e o próprio partido depois cai em cima deles por eles terem a noção da realidade.

Está a referir-se a Loures e Alpiarça?

Sim, Alpiarça, Loures e haverá muito mais casos, seguramente estão calados porque não querem entrar em conflito com o partido. Eles sabem perfeitamente que o Chega é um partido que reconhece a dura realidade, e portanto entende o que eles estão a dizer. Se o PS não o faz e não quer entender, eu acho que eles poderão e terão que optar, se forem bons autarcas, competentes, têm sempre, venham do partido que vierem, têm sempre lugar no Chega. Não falo pelo Chega, falo por mim, a minha opinião é esta.

Presidenciais? "É muito cedo"

Quanto às eleições presidenciais, parece que o Almirante Gouveia e Melo vai mesmo candidatar-se. O Chega deve apoiar o militar?

O Chega acha que é ainda muito cedo para estar a pensar nas eleições presidenciais, primeiro temos as autárquicas e consideramos que é muito prematuro. Há cerca de 10 milhões de candidatos a candidato, portanto é preciso deixar que o tabuleiro fique mais claro, ver quais são as peças que estão em cima do tabuleiro e depois tomaremos uma decisão. O dr. André Ventura tomará a decisão final que é a ele que compete tomar.

Faz mais sentido ter um candidato próprio ou apoiar alguém nestas eleições?

As duas coisas fazem sentido, tudo depende do panorama. Neste momento surgem protocandidatos, aparecem sondagens, saem sondagens. Não vale a pena sequer estar neste momento a perder tempo a pensar como é que vai ser.

Em relação a Henrique Gouveia e Melo, é uma virtude, em si, ser um militar?

Não é uma virtude nem um defeito. Ser militar é uma condição, é como ser médico, é uma profissão como outra qualquer. Não conta a favor, nem conta contra. O que conta é a pessoa que está debaixo da farda.

Que ainda não se conhece muito bem...

Ainda não se conhece muito bem, ficamos à espera de conhecer, saber o que é que ele vai dizendo.

E daí talvez um eventual apoio?

O Dr. André Ventura falou disso mas muito por alto. Não existe nenhum compromisso, é uma ideia, pode ser apoiado como muitos outros candidatos que apareçam podem ser apoiados. Do que se sabe, ele não tem nada que se possa dizer 'que horror, não pode ser apoiado', mas vamos esperar para ver.