A elevada carga de doença em Portugal é em “grande medida evitável” e está desigualmente distribuída, sendo necessário “maior investimento público” para melhorar a saúde e o apoio da população, defende um relatório sobre o “Estado da nação”.
Para os autores do artigo “O grande desafio do SNS: cuidados de saúde integrados de proximidade para uma população envelhecida”, publicado no relatório do ISCTE “Estado da nação e as políticas públicas”, Portugal precisa de se adaptar “ao contexto sociodemográfico e epidemiológico”.
Um contexto “de envelhecimento da população, com uma carga de doença considerável, em grande medida evitável e desigualmente distribuída (por nível educacional, de rendimento e de ocupação)”, afirmam Ana Sofia Ferreira, economista da saúde e gestora hospitalar, Manuela Silva, psiquiatra, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, e Julian Perelman, da Escola Nacional de Saúde Pública.
No seu entender, Portugal tem de consagrar “maior investimento público ao desenho de estratégias mais eficazes para melhorar a saúde e o apoio aos seus cidadãos”.
Por um lado, é necessário atuar sobre “os determinantes sociais e ambientais de saúde passíveis de serem modificados para promover a saúde, prevenir a doença e reduzir as desigualdades em saúde”.
Por outro lado, é fundamental a reorganização do sistema de saúde como “uma rede de serviços que prestem cuidados de saúde integrados de longo prazo, assente na comunidade, com especial ênfase na gestão de doenças crónicas, em especial as relacionadas com o envelhecimento e a saúde mental, disponibilizando cuidados domiciliários e de proximidade e assegurando melhor acessibilidade, adequação com qualidade e mais equidade”.
Os investigadores afirmam que a transição epidemiológica, com a passagem de um padrão de doenças predominantemente transmissíveis para outro de doenças crónicas de longa duração, acompanha uma tendência que é global, relacionada com a melhoria das condições de vida, a cobertura universal de cuidados de saúde e o envelhecimento da população, e coloca novos desafios aos sistemas de saúde.
“Ainda que, à data em que escrevemos este texto, vivamos uma pandemia viral que parece questionar esta transição, o estádio atual do desenvolvimento científico permite esperar que, num futuro próximo, uma vacina e/ou tratamentos estejam disponíveis e as doenças crónicas continuem a liderar a explicação da morbilidade e mortalidade”, afirmam.
Além disso, “a letalidade do vírus parece estar associada à presença de doenças crónicas, pelo que o seu combate não pode ser dissociado deste contexto”.
As doenças crónicas são responsáveis pela maior parte das mortes, da incapacidade e da utilização de cuidados de saúde em Portugal, afirmam, lembrando que as famílias portuguesas suportam cerca de um terço do financiamento total da despesa com saúde, em contraste com apenas 27% na média da OCDE
Cerca de 21% dos portugueses têm mais de 65 anos e apenas 14% menos de 15, em resultado do aumento da esperança de vida, do declínio da natalidade e do saldo migratório negativo, mas a esperança de vida em 2017 era de 81,5 anos, acima da média da OCDE (80,7).
Os investigadores notam que “a desigualdade por sexo e por nível socioeconómico persiste, com uma diferença de seis anos entre homens e mulheres e entre pessoas com nível de escolaridade mais alto face ao mais baixo”.
“Portugal é um dos países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico] com menor número de anos de vida saudável depois dos 65 anos”, uma situação que “merece reflexão quanto à prevenção de fatores de risco e traz desafios à adequação do SNS às necessidades dos mais idosos”, enfatizam.
O parlamento tem agendado para sexta-feira o debate do Estado da Nação.