A vindima deste ano prepara-se para deixar desiludidos os produtores de vinho em Portugal, depois de um 2018 que teve chuvas longas e calor intenso.
O presidente da Associação Portuguesa de Enologia (APE), António Ventura, que é enólogo para várias adegas nas regiões vitivinícolas de Lisboa, Alentejo e Tejo, prevê uma vindima que, apesar de manter a qualidade, vai produzir muito pouco. Poucas uvas, pouco vinho e pouco dinheiro a entrar nos cofres dos produtores portugueses.
“Eu diria que a colheita será qualitativa, mas com redução de produção. Mais numas regiões que noutras, mas a verdade é que quase todas as regiões, sem exceção, têm alguma redução na sua produção”, diz o enólogo.
Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) e do Instituto do Vinho e da Vinha (IVV), entre janeiro e junho de 2018, a vinicultura até estava a dar mais dinheiro do que no período homólogo em 2017, mas o clima estragou o panorama.
Até ao mês de março, Portugal viveu um período de seca extrema. Em Viseu, transportou-se água por comboio para contrariar as condições extremas. Mas março e abril trouxeram a chuva que, segundo aponta o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, “terminou com a situação de seca meteorológica”.
Depois, voltaram as complicações. Em junho, caiu granizo em algumas regiões. Segundo António Ventura, o granizo, apesar de provocar prejuízo, “nalguns casos bastante graves”, acabou por não afetar muito as vinhas nacionais. “O granizo fez prejuízo, mas sempre coisas esporádicas, muito localizadas”, assegura.
O problema veio mais tarde. Agosto trouxe a Portugal alguns dos registos de temperaturas mais altos de sempre. Foi o segundo mês mais quente nos últimos 15 anos e o valor médio da máxima do ar foi o mais alto desde 1931. A máxima durante o mês foi, em média, de 32 graus Celsius e as mínimas chegaram aos 17 graus. O centro de Portugal, nomeadamente Alvega, Santarém, Alcácer do Sal e Coruche, registou temperaturas acima dos 46 graus.
“Houve em quase todas as regiões o chamado fenómeno de ‘escaldão’, em que as temperaturas extremas que foram atingidas acabaram por afetar realmente a quantidade”, diz o presidente da APE. Apesar de avançar que “já há vinhos completamente fermentados e prontos” na região do Tejo, que inicia a vindima mais cedo, o enólogo já está à espera de um ano “fraco”. “A qualidade parece não ter sido afetada. Estamos muito contentes com a qualidade que temos. Já da quantidade não podemos dizer o mesmo”, acrescenta.
Isto afetará principalmente as exportações dos produtores vitivinícolas portugueses, já que é através do vinho que vendem no estrangeiro que recebem muita da sua receita.
Ventura é enólogo para várias adegas da região do Centro e algumas em Trás-os-Montes e Alto Douro e, segundo constata, “a grande maioria dos produtores em Portugal está hoje muito voltado e focado para os mercados externos, nem poderia ser de outra forma”.
Um ciclo vicioso de crises que se repete
Em 2017, Portugal exportou para o mundo inteiro quase três milhões de hectolitros (ou 30 milhões de litros), o que equivaleu a quase 800 milhões de euros. Como apenas compramos ao estrangeiro 135 milhões de euros em vinho, o saldo foi muito positivo. Desde 2010 que o valor ganho em exportações tem vindo sempre a crescer, tirando em 2016
O ano anterior foi excecional para a vinha portuguesa, pelo que as temperaturas de 2018 vão acabar por deitar por terra muito do trabalho feito. “Prevê-se que haja uma diminuição da produção deste ano, em relação à de 2017, e obviamente que as nossas exportações irão seguramente ser afetadas por isso. Sem qualquer dúvida”, lamenta Ventura.
Nos últimos anos, Portugal viu uma flutuação constante entre anos de produção bons e anos fracos para a vitivinicultura. Se 2010 foi um dos melhores anos de produção de vinho na última década, com mais de 7,1 milhões de hectolitros, o ano seguinte foi dos piores: apenas 5,6 milhões de hectolitros de vinho português produzidos.
A tendência repetiu-se entre 2015 e 2016, ano em que a produção nacional caiu mais de um milhão de hectolitros. Esta queda coincidiu, precisamente, com uma diminuição de 1.6% nas exportações de vinho.
2018 prepara-se para entrar na moda e ser o ano de vindima fraco que se seguirá ao excelente 2017.
“É muito raro haver dois anos com uma boa colheita. Por norma, a uma boa colheita segue-se uma colheita mais fraca em termos quantitativos. É uma regra que quase sempre se verifica”, confirma o presidente da APE.
O peso das alterações climáticas
As grandes culpadas para estas variações na produção de uvas e vinho, ano sim, ano não, são as alterações climáticas. O aquecimento global e as secas mais aprofundadas e longas afetam de especial forma o setor agrícola, já que vive do bom tempo e das boas temperaturas para ter boas produções.
António Ventura lamenta as constantes alterações climáticas, mas diz que não é tempo de baixar os braços, e é preciso “adaptar” ao que nos espera para as próximas dezenas de anos. “O clima é uma das maiores condicionantes e, de facto, todos nós sabemos que nos últimos anos têm havido alguns fenómenos climáticos que não se verificavam com tanta frequência. Sobretudo estas ondas de calor. Portanto, vamos ter de conviver com estas alterações e saber viver com elas”, explica o presidente da APE.
O fenómeno das alterações climáticas não afeta o vinho em si, esclarece. Quanto a isso, os produtores podem estar mais descansados, por agora. O problema passa mesmo por adaptar as uvas às novas temperaturas e encontrar o equilíbrio entre expô-las ao sol, mas sem as deixar apanhar um “escaldão”.
Mais vale prevenir que remediar
Então como se evita que as uvas sequem com o calor? O ano passado, com a vindima a começar em agosto no Douro – algo que muitos produtores na região nunca tinham feito -, debateu-se a questão da rega numa zona que não o permite. O IVDP apenas autoriza que se regue “em casos excecionais”, seguindo a lei para a Região Demarcada do Douro.
António Ventura assinala a rega dos campos como um processo essencial e que, no futuro, terá de se estender a mais locais. “Regiões que hoje tradicionalmente não necessitam de regar, irão passar a ter essa necessidade. Hoje rega-se essencialmente no Alentejo, é a região que mais rega porque é a mais seca, mas eu diria que nos próximos dez, quinze anos, vamos passar a regar em muitas outras regiões”.
Outra prática de evitar o fenómeno de “escaldão” nas uvas é a de criar mais área vegetal em torno das uvas e “esconde-las” mais do sol, para que estas não se “queimem”. Ora, isto vai contra a prática recomendada pelos enólogos da desfolha, que implica expor os cachos para que estes amadureçam melhor.
No entanto, perante as alterações atuais, Ventura nota que a desfolha acaba por ser prejudicial para os produtores e, na sua própria vinha, poderia ter sido catastrófica. “Nas minhas vinhas estava para fazer uma desfolha, e a dois ou três dias não houve a possibilidade de a fazer, porque não conseguimos no tempo útil fazê-la. Temos algum prejuízo, mas se tivéssemos feito essa desfolha, o prejuízo provavelmente teria duplicado”.
O que aconteceu às vinhas de António não foram caso único. O mesmo conta que “este ano, aqueles [cachos de uvas] que conseguiram sobreviver foram aqueles que estavam em vinhas mais frondosas e que tinham uma área folear bastante maior”, evitando o sol forte do mês de agosto.
Já o granizo que se verificou em junho e que estragou vinhas na zona do Douro e do Alentejo é, diz António, “quase impossível de evitar”. Em Portugal, não há meios para proteger as uvas da ameaça do granizo, por muito esporádico que possa ser, e qualquer investimento nesse sentido é caro. “Seria necessário termos as vinhas protegidas com uma malha muito apertada para evitar isso. Nalgumas regiões de França, essa técnica já é usada, apesar de ser muito cara”.
A França é o segundo país que produz mais vinho no mundo, pelo que a técnica e o investimento talvez se justifiquem mais. Segundo dados da Organização Mundial do Vinha e do Vinho (OIV), em 2016 os franceses produziram quase 42 milhões de hectolitros, mais de seis vezes a quantidade de vinho que Portugal produziu.
Apesar dos estragos que o granizo provocou, nomeadamente no mês de junho, António Ventura não está preocupado. É algo demasiado espontâneo para prever e, mesmo quando cai, os agricultores podem safar-se dos estragos. “Este ano no Alentejo tive um caso muito curioso. De dois produtores que estão praticamente lado a lado, cujas herdades são quase contíguas, um teve prejuízos acentuados com o granizo e o outro não teve um único bago de uvas danificado. Estamos a falar de coisas muito próximas uma da outra”, conta Ventura.