Ghouta Oriental não pode esperar mais por ajuda. “Tem que ser hoje”
01-03-2018 - 12:21
 • André Rodrigues , Filipe d'Avillez

Crescente Vermelho da Síria diz que a situação no enclave rebelde às portas de Damasco é insustentável. Há quatro meses que não entra ajuda do exterior.

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“Tem que ser hoje”. É com este apelo dramático que a porta-voz do Crescente Vermelho da Síria, Ingy Sedky, ilustra a situação humanitária que se degrada a cada dia em Ghouta Oriental.

Em entrevista à Renascença, Ingy Sedky diz que há gente que morre todos os dias, "por não ter acesso a medicamentos e cuidados médicos".

Falta tudo no enclave rebelde cercado pelo exército de Damasco, explica. "A última vez que a Cruz Vermelha conseguiu levar ajuda humanitária a Ghouta Oriental foi em novembro do ano passado", recorda a porta-voz. Ou seja, há quatro meses.

"Desde essa altura, o cerco à região agravou-se, nunca mais pudemos regressar e a situação humanitária está a degradar-se rapidamente", alerta.

Nos últimos dias, multiplicaram-se os relatos de massacres e de destruição de infraestruturas de saúde essenciais. "Sabemos que há pessoas a morrer, infelizmente. Não temos um número exato, simplesmente porque estamos impedidos de ir ao terreno".

Ingy Sedky reclama "garantias de segurança por parte dos combatentes no terreno. Os médicos já não são mais capazes de lidar com os feridos. Não há medicamentos. Não há instrumentos médicos. Falta tudo. A situação está a ficar mesmo muito complicada".

Putin e a trégua irrealista

Esta semana foi anunciado um cessar-fogo, imposto por ordem de Vladimir Putin. O Presidente da Rússia é dos mais leais aliados do regime de Bashar al-Assad. A trégua devia ser de algumas horas por dia e permitir a abertura de um corredor humanitário para que civis pudessem abandonar Ghouta. Fica aquém daquilo que foi aprovado no Conselho de Segurança das Nações Unidas, que pedia um cessar-fogo total durante 30 dias e ao longo dos primeiros dias desde que entrou em vigor tem sido quebrado numerosas vezes.

Ingy Sedky diz não ter qualquer confiança na trégua humanitária imposta pela Rússia, sem o acordo prévio das partes em conflito no terreno. A responsável lamenta que o cessar-fogo nunca tenha sido cumprido desde que foi anunciado. "Além dos bombardeamentos em Ghouta Oriental, houve também granadas de morteiro a cair na cidade de Damasco".

A porta-voz da Cruz Vermelha fala de uma "trégua humanitária que nunca aconteceu, pela simples razão que foi anunciada unilateralmente pelos políticos sem o acordo dos militares e dos rebeldes em conflito no terreno".

“Tudo isto é muito irrealista, porque não se anuncia um cessar-fogo sem o acordo de todas as partes envolvidas no conflito", conclui Ingy Sedky.

Do lado de fora de Ghouta encontra-se o exército Sírio. Ao longo do último ano, e com o apoio da Força Aérea russa e de milícias aliadas, o exército conseguiu reconquistar muito terreno às diferentes forças rebeldes que se opõem ao regime, incluindo ao Estado Islâmico. Essas vitórias permitiram libertar homens para agora tentar libertar Ghouta, um enclave rebelde às portas de Damasco.

No enclave encontram-se pelo menos três grupos rebeldes diferentes, em menor ou maior grau todos de tendência fundamentalista islâmica, sendo que algumas são mesmo aliadas da al-Qaeda. Cercados há anos, os rebeldes continuam a disparar morteiros contra bairros residenciais da capital, tendo feito dezenas de mortos nas últimas semanas.

Quem mais sofre com esta situação são os civis, sobretudo os que se encontram em Ghouta e que são usados como escudos humanos pelos rebeldes. Calcula-se que tenham morrido mais de 500 pessoas só nos últimos dias, enquanto o exército sírio intensifica os seus ataques, procurando obrigar os rebeldes a render-se ou a aceitar um acordo para abandonar o território, tal como fizeram em Alepo Oriental, que foi libertada pelo regime em dezembro de 2016.

Preocupada com a escalada de violência na Síria, a Amnistia Internacional (AI) está a promover uma petição pelo fim imediato dos bombardeamentos contra o enclave rebelde. A AI classifica de inaceitável o comportamento do governo de Damasco e acusa Moscovo de apoiar o regime de Bashar al-Assad "no bombardeamento dos seus próprios civis".