Michael Levy fez 41 anos esta segunda-feira, longe da família, em Portugal. Parecia-lhe absurdo comemorar o aniversário enquanto o irmão, Or Levy, continua refém do Hamas, em Gaza. Por isso, decidiu fazer a única coisa a que consegue dedicar os dias desde 7 de outubro: reunir-se com diplomatas e políticos para contar a história de Or e apelar a que façam pressão pela sua libertação.
Uma chamada de Almog, o sobrinho de dois anos que perdeu a mãe nos ataques do Hamas e cujo pai continua refém, desorganizou-lhe os planos. “Ele quis ligar-me para cantar os parabéns. Foi um dos momentos mais felizes que tive nos últimos 74 dias”, conta, em entrevista à Renascença, em Lisboa.
Neste périplo pelo mundo - que o levou a Nova Iorque, a reunir com o Papa em Roma e à Macedónia, só no último mês -, Michael tem sempre consigo um urso de peluche do sobrinho. “Levo-o para todo o lado para me lembrar de que há sempre algo mais importante, por mais difícil que possa ser para mim. Olho para ele e lembro-me de que tenho de garantir que o Or regressa.”
É o que tenta fazer também em Portugal, onde se reuniu, por estes dias, com representantes dos vários partidos políticos e do Governo.
A família Levy tem antepassados originários de Portugal. O irmão estava na fase final do processo para conseguir cidadania portuguesa, através da chamada Lei dos Sefarditas, e Michael tem esperança de que isso ajude a “fazer com que o governo português aumente a pressão sobre o Qatar e o Hamas para ajudar a libertar Or e os restantes reféns.”
A última mensagem: “Mãe, não queres saber o que se passa aqui”
Or Levy tem 33 anos e a mulher, Eynav, tinha 32. Chegaram ambos ao recinto do Festival Supernova, no sul de Israel, na madrugada de 7 de outubro, depois de deixarem Almog com os avós maternos. “Tinham feito uma pausa da sua rotina de casal jovem com um filho de dois anos”, explica Michael.
“Chegaram ao festival às 6h20, cerca de 10 minutos antes de o inferno começar” e avisaram imediatamente a família de que teriam de regressar a casa.
"Alguns minutos depois, enviaram nova mensagem a dizer que estavam num abrigo de bomba na estrada, porque havia mísseis. De lá de dentro, o Or ligou à minha mãe completamente aterrorizado. Ela percebeu na voz dele, perguntou o que se passava e ele só disse ‘mãe, não queres saber o que se passa aqui’.”
Foi o último contacto que tiveram com Or. Sabem que passou muito pouco tempo até o abrigo começar a ser atacado. E sabem isso porque Michael mergulhou em dezenas de vídeos do ataque à procura de pistas do irmão. "Vi os terroristas a chegarem ao abrigo, a atirarem granadas e a dispararem lá para dentro, matando a Eynav e 17 outras pessoas, raptando Or e outros três”, conta.
Desde então, o filho do casal tem alternado entre a casa dos avós maternos e paternos, como num tempo suspenso com o qual ninguém sabe lidar. “Almog chora o tempo todo, chama pelo pai e pela mãe, quer ir para casa”, detalha Michael.
“Como é que se diz a um rapaz de dois anos que a mãe não vai voltar, que o pai foi raptado? Poderá ele entender?”
Toda a família congelou as suas dinâmicas habituais, assegura. “Os meus pais estão devastados, a minha mãe chora o tempo todo e o meu pai tornou-se uma pessoa que eu não reconheço. Tornou-se um homem frágil, que não consegue sequer falar em voz alta.”
O pai tem 72 anos e a mãe 67. Concentram todas as energias a cuidar de Almog, com a ajuda de um outro irmão de Michael.
Michael geria um departamento numa empresa internacional de tecnologia de ponta e não voltou a trabalhar desde 7 de outubro. "Deixei tudo para trás, mal durmo. Nos últimos 74 dias não dormi mais de três horas por dia, mal vejo as minhas filhas e a minha família.”
Grande parte da família Levy está a ter apoio psicológico, incluindo Almog e as três filhas de Michael - uma rapariga de nove anos e duas gémeas de seis. Um dos momentos mais traumáticos para o gestor foi contar às suas crianças o que tinha acontecido aos tios. Conta que tem tentado encapsulá-las de todo o drama que a família vive, mas sem sucesso.
“Ouvi-as conversar entre elas e com amigos e falam de coisas sobre as quais nenhuma criança no mundo deveria falar - de morte, corpos, funerais, de como o Hamas matou pessoas”, lamenta.
A tal ponto que o próprio contempla já a hipótese de um dia se mudar com a família para Portugal. Tem amigos portugueses, com os quais já tinha trabalhado, e conhece o país. “Gosto de tudo, da mentalidade, da comida, do tempo”, afirma. Mas o maior apelo é poder dar outro contexto de crescimento às filhas.
“Vivemos perto de Telavive, no centro de Israel. Não é perto de nenhuma fronteira ou zona de guerra. A minha filha tem apenas nove anos e é a sexta vez que passa por um período de guerra. Isto não é normal, de todo. Eu já estou condenado, vivi assim toda a minha vida. Quero garantir que as minhas filhas têm uma vida melhor, que não tenham de viver com a sensação de que todos as querem matar."
Mas essa será uma hipótese para estudar no futuro. "Antes, tenho esta missão, que é trazer o meu irmão de volta", aponta.
Quando, em novembro, mais de 100 reféns foram sendo libertados pelo Hamas, durante o cessar-fogo de uma semana, Michael diz que acompanhou cada momento como se da sua família se tratasse. “Conheço muitas das famílias, tornaram-se a minha família também. Fez-me feliz e mantenho a esperança de que da próxima vez ele esteja entre os libertados.”
Na passada semana, aconteceu o que muitas famílias de reféns temiam desde o início da operação militar em Gaza: as forças israelitas admitiram que mataram três reféns por engano, no decorrer de uma ofensiva na cidade de Gaza. Foram “erradamente identificados como ameaças” pelas Forças de Defesa de Israel, lia-se num comunicado divulgado na passada sexta-feira. Em consequência, “as tropas dispararam na sua direção e eles foram mortos.”
Michael não quer comentar o episódio em concreto. Limita-se a dizer genericamente que "todos os dias que passam são mais difíceis, independentemente do que aconteça em Gaza”, e que tem feito um esforço para se abstrair.
“Só o facto de ele estar lá, detido por monstros, sabe Deus onde e em que circunstâncias, torna tudo mais difícil. Tento não pensar demasiado e não me focar no que está a acontecer com ele, caso contrário não seria capaz de acordar todas as manhãs e fazer o que faço. Tento manter-me focado no objetivo de o trazer e o resto é ruído de fundo”, assegura.
O irmão de Or esquiva-se também a comentar decisões políticas ou militares, recordando apenas que o pedido incessante das famílias não mudou desde o início do conflito: que os reféns regressem de imediato. "Não sou político, não sei o que o exército precisa de fazer ou não, esse é o trabalho deles. É responsabilidade do primeiro-ministro trazer o Or e todos os outros de volta. A minha responsabilidade é lutar por isso”, sintetiza.