​“Alegria e melancolia” na última temporada de Tiago Rodrigues no D. Maria II
02-09-2021 - 20:00
 • Maria João Costa

O diretor artístico irá assumir a direção do Festival de Avignon, em França, mas deixa programada a sua sexta e última temporada no Teatro Nacional D. Maria II. A abertura é com a estreia de Gus Van Sant no teatro.

A sexta e última temporada do Teatro Nacional D. Maria II (TNDM II), desenhada por Tiago Rodrigues, abre a 23 de setembro com a estreia do realizador norte-americano Gus Van Sant no teatro, com uma peça sobre Andy Warhol.

Mas as salas Estúdio e Garrett vão acolher nos próximos meses uma “temporada marcada, sobretudo, pela criação de artísticas portugueses”, diz em entrevista à Renascença o diretor artístico que está de saída para a direção do Festival de Teatro de Avignon.

Na hora da despedida do Teatro Nacional D. Maria II, Tiago Rodrigues fala de um misto de “alegria e melancolia”. Sai com a certeza de que o teatro fica bem entregue a Pedro Penim, com quem está a trabalhar na transição. No cartaz que deixa preparado destacam-se clássicos como “O Pranto de Maria Parta” de Gil Vicente, que terá encenação de Miguel Fragata, ou “Lusíadas – Como nunca os ouviu” de António Fonseca, bem como novas criações como Juventude Inquieta” de Joana Craveiro.

Sendo esta a última temporada programada por si, que destaques quer deixar para incentivar o público a ir ao Teatro Nacional D. Maria II?

É a minha sexta e última temporada no TNDM II, como diretor artístico desta casa que tem sido a mais bela aventura artística da minha vida. Diz-me a experiência que é muito difícil resumir temporadas tão diversas, tão ricas e preenchidas como aquelas que temos desenvolvido nos últimos anos. O meu hábito é concentrar-me no início da temporada, esperando que quem se sinta seduzido para visitar o teatro no arranque da temporada depois se familiarize com os espetáculos que se seguem e siga os próximos episódios que são sempre as temporadas.

Começam a 23 de setembro com a estreia de um espetáculo internacional com uma grande estrela do cinema?

Arrancamos com dois espetáculos, um na sala Garrett e outro na sala Estúdio, muito emblemáticos do que tem sido o trabalho de cooperação internacional, de apoio à internacionalização de artistas portugueses, mas também de relação com muitos parceiros artísticos e internacionais que marcou estes últimos anos.

Na sala Garrett estreamos com uma criação de Gus Van Sant, famosíssimo realizador norte-americano que se lança pela primeira vez na sua vida, no teatro. Vamos apresentar “Andy”, um espetáculo escrito, tanto o texto, como a música, por Gus Van Sant que encena o espetáculo, com uma equipa artística de intérpretes e colaboradores integralmente portuguesa. É muito interessante isso neste projeto, que depois vai percorrer a Europa e o mundo, depois da estreia mundial no D. Maria. Conta com uma série de jovens atores portugueses e também com a colaboração do Legendary Tigerman nas orquestrações e de José Capela na encenação.


É um espetáculo sobre Andy Warhol?

Fala do início do percurso artístico de Andy Warhol. É um artista a falar de um artista. E parece-me muito promissor para todos os artistas portugueses que estão envolvidos no espetáculo. É um grande risco, claro, porque é um projeto muito ambicioso. Envolveu a equipa do TNDM II de uma forma muito profunda, mas que nos parece que completamente meritório para o TNDM II afirmar-se assim, como uma casa de criação e de apresentação, em estreia de grandes espetáculos de referência internacional.

Mas esta temporada tem também uma grande aposta na criação portuguesa?

A temporada é sobretudo marcada pela criação de artistas portugueses. Logo de seguida na sala Garrett temos Joana Craveiro, talvez uma das maiores artistas de teatro do nosso tempo que dirige a companhia Teatro do Vestido, a criar o espetáculo “Juventude Inquieta” a partir do romance “Cidade das Flores”, de Augusto Abelaira. É um projeto marcado, por um lado, por aquilo que é o olhar muito especial e inventivo para a história recente do nosso país, mas também pela novidade de ter um espetáculo de grande sala, pela primeira vez, de Joana Craveiro na sala Garrett. É um exemplo de nova escrita, ancorada naquilo que é o património literário português.

Os grandes clássicos portugueses também estarão presentes?

Falando em património, há dois projetos que nos são muito queridos. O “Pranto de Maria Parda”, com encenação de Miguel Fragata. É o texto seminal de Gil Vicente, que faz um retrato de um ano negro, de 1521, incorporado por essa personagem mítica que é Maria Parda, que será interpretada por Cirila Bossuet e que, de alguma forma, faz o paralelo com o ano negro de 2021, este ano difícil e maldito. Usa Gil Vicente para falar do nosso tempo. É um espetáculo que vai ser apresentado no TNDM II na sala Estúdio, mas que vai percorrer o país e vai ser apresentado em várias localidades.

Também vai correr o país, como o espetáculo que assinala os 450 anos de Os Lusíadas de Camões?

“Os Lusíadas Como Nunca os Ouviu”, de António Fonseca, vai estrear em Montemor-o-Novo. É curioso, porque é uma criação do TNDM II que estreia fora de casa com o Espaço do Tempo e que depois vai correr o país, Mértola, Moncorvo, Sever do Vouga e só depois virá a Lisboa em março, na altura em que se comemoram os 450 anos da publicação de “Os Lusíadas”. Estes são exemplos a contrastar com a criação internacional. São projetos muito enraizados naquilo que é o património e a história do teatro e literaturas portuguesas.


Um exemplo de um espetáculo que estreou fora e que vai chegar em dezembro a Lisboa é “O Cerejal”, de Anton Tchékhov, com a sua encenação.

Sim, vamos ter na sala Garrett do TNDM II, durante nove récitas, o espetáculo “O Cerejal” que estreamos em junho passado no Festival d’Avignon, num grande espaço mítico ao ar livre para duas mil pessoas.

Agora, o espetáculo iniciará uma digressão europeia, mas também com algumas datas na Ásia e noutras paragens mais exóticas. A digressão europeia começa em Lisboa. É uma oportunidade para repensar o espetáculo e de o adaptar a uma sala fechada e a uma plateia mais pequena. Será a oportunidade de ver um elenco excecional, encabeçado por essa atriz enorme que é Isabelle Huppert, onde há vários portugueses, entre eles a atriz Isabel Abreu e os músicos Manuela Azevedo e Hélder Gonçalves, dos Clã, que estão ao vivo em palco a interpretar a música e dão “uma perninha” como atores. No caso da Manuela Azevedo é mais do que uma “perninha”. Ela é uma excecional atriz e interpreta uma das personagens da peça. Este é mais um caso de um espetáculo encenado por um português, por mim, mas que juntou artistas portugueses e internacionais, numa vontade de enriquecer o teatro português e teatros de outras paragens.

Com que sentimento é que entrega esta temporada ao novo diretor Pedro Penim e como se sente na hora da despedida do TNDM II?

É uma mistura inevitável de alegria e melancolia. Como disse no início, a minha passagem pelo TNDM II seria uma passagem efémera. É muito importante que estas presenças de artistas em cargos de decisão sejam precisamente isso: efémeras, efetivas e transformadoras, mas efémeras.

As amizades que se constroem, a camaradagem que se forja ao fazer-se teatro, inevitavelmente obriga a alguma tristeza e melancolia no momento da despedida. Mesmo que seja por motivos de embarcar numa aventura desejada como é, no futuro, a direção do Festival de Avignon.

Como vê a futura direção de Pedro Penim?

Penso que a casa fica muito bem entregue nas mãos de Pedro Penim, com quem já tenho conversado bastante sobre o futuro do TNDM II e no qual deposito uma enorme confiança.

Estamos a preparar desde já uma passagem de pasta tranquila, calorosa e, sobretudo, que garanta a estabilidade deste Teatro Nacional e a possibilidade desta casa continuar a oferecer um serviço público de excelência às pessoas.

Portanto, é também com a expetativa de ver o que aí vem, e a alegria de saber que estou a partilhar com o público a partir de agora aquilo que vai ser uma temporada na qual quero estar ainda muito presente, mesmo que já seja como espetador. Não posso negar alguma emoção no momento da despedida de uma casa que me ofereceu tanto, e à qual tentei oferecer tudo o que esteve ao meu alcance.