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À primeira vista, parecem autênticos “negócios da China” para quem anda à procura de casa. Apartamentos com bom aspecto, bem mobilados, no centro da cidade e a baixo preço, relativamente à média do mercado. São verdadeiros “achados” para quem procura uma solução económica, principalmente em cidades onde os valores das rendas são bem superiores à capacidade económica das famílias.
Estes anúncios, que, constatou a Renascença, abundam nas plataformas de arrendamento de imóveis. São meros "iscos" com um único objectivo: burlar os utilizadores.
Os esquemas são cada vez mais complexos e os métodos mais sofisticados. Em declarações à Renascença, Carlos Pragana, subcomissário da Polícia de Segurança Pública (PSP), conta que "existem suspeitos que actuam através de servidores internacionais, porque hoje é muito fácil contactarmos uma pessoa noutro país", o que dificulta ainda mais as investigações.
Crime "online" aumenta
O representante da PSP diz que a utilização cada vez maior da internet para resolver os problemas do dia-a-dia faz com o crime "online" siga a mesma tendência. "Tem havido uma tendência gradual para os crimes acontecerem com recurso à internet", explica.
O Relatório de Segurança Interna 2015, que reúne os dados criminais das forças e serviços de segurança, confirma-o. O número de participações do crime de burla informática e nas comunicações aumentou 73,7% desde o ano passado. São mais 3.322 registos do que em 2014.
Apesar de não existirem números específicos sobre o crime de burla no arrendamento de imóveis com recurso a tecnologias informáticas, o relatório refere que esta é uma das "infracções mais comunicadas" à PJ e que teve "um aumento relevante".
Se olharmos para os números das burlas em geral, em que se enquadram também as burlas no arrendamento de imóveis, verificamos um aumento significativo no número de participações. Entre 2014 e 2015, o número de participações deste tipo de crime quase duplicou (em 2014 registaram-se 12.582 participações de crimes de burla e em 2015 iniciaram-se 24.832 inquéritos).
Burlões usam Airbnb para ganhar credibilidade
Através da plataforma trovit.pt, a Renascença encontrou mais de uma dezena de anúncios fraudulentos referentes a casas para arrendar um pouco por todo o país. Uma rápida pesquisa por imagens no Google permitiu perceber que todas estas casas, supostamente localizadas em Lisboa, Porto, Braga, Viseu, entre várias outras cidades, tinham “irmãs gémeas” na Austrália, na Polónia, em hotéis em Espanha, Itália e até na Roménia.
Para perceber como funcionam estes esquemas, a Renascença trocou emails com o suposto dono de um dos apartamentos, que pedia apenas 350 euros por um T2 de luxo mesmo em frente à estação metro de Alvalade, Lisboa.
Depois do primeiro contacto, através da plataforma de pesquisa de imóveis, chega um e-mail à nossa caixa de correio electrónico. Na maior parte das vezes a mensagem está num português macarrónico, saído directamente do “Google Tradutor”.
O proprietário garante que está no estrangeiro porque teve que emigrar repentinamente ou assegura que comprou a casa para o filho que estava a estudar em Portugal e já não precisa mais dela.
Depois de o fazerem acreditar na "história de cobertura", vem a próxima fase: o dinheiro. Este é o denominador comum a todas as burlas "online", seja com casas, carros ou até electrodomésticos: pedem sempre que o "cliente" faça um pagamento adiantado sem nunca ter visto o produto.
Nesta fase, a criatividade não tem limites para quem cria estes esquemas fraudulentos. Uma tendência recente é utilizar a Airbnb, uma plataforma mundial de arrendamento de alojamentos privados, como “escudo” para o negócio.
Depois de o "cliente" fornecer todos os seus dados, desde o nome à morada e ao número de telefone, recebe na sua caixa de correio electrónica um e-mail, que à primeira vista parece ter sido enviado pela Airbnb. Tem o mesmo design dos e-mails originais da empresa, utiliza códigos e até publicidade semelhante aos utilizados na plataforma sediada na Califórnia. O endereço, apesar de parecer credível, é falso.
Em declarações à Renascença, fonte oficial da Airbnb afirma ter conhecimento de casos em que a marca é usada em fraudes. "Informamos constantemente os nossos anfitriões e hóspedes de que todas as acções devem ser feitas unicamente através da plataforma. A Airbnb nunca pedirá a alguém uma transferência bancária. Nos casos em que temos conhecimento de que a nossa marca está a ser usada para este tipo de fraude, alertamos as autoridades, mas os indivíduos que são afectados devem fazê-lo também", diz a empresa.
"Temos uma política de tolerância zero para más práticas e comportamentos, e estamos a analisar continuamente novas medidas de segurança”, diz fonte oficial da Airbnb.
Impossível "controlar"
A Renascença denunciou a existência destes anúncios à Trovit, que afirmou ter "localizado os utilizadores" que publicaram estes anúncios e estar já a "actuar".
Sobre a forma como responde a casos de anúncios fraudulentos, a empresa, líder em plataformas de classificados na Europa e na América Latina, disse "não poder revelar os procedimentos" devido à sua política de segurança. "Tendo em conta o número incrível de anúncios que divulgamos, nem sempre conseguimos controlar a sua natureza", explica Adriana Molvinger, membro da equipa da Trovit. "Não é a primeira vez que encontramos más práticas nos nossos sites, mas confirmamos que fazemos tudo ao nosso alcance para oferecer aos utilizadores uma experiência com qualidade e sem riscos".