Saudações de Helsínquia, ou Disneyworld ao anoitecer
21-04-2020 - 21:22
 • Jenny Jännäri*

Uma jornalista finlandesa compara o momento em que percebeu que estava no meio de uma pandemia com o dia em que viu cair as Torres Gémeas de Nova Iorque. Ainda assim, dá graças pela sorte que tem e teme por todos aqueles para quem esta crise é o fim do mundo como o conheciam.

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No dia 12 de março vi através do meu portátil a conferência de imprensa da primeira-ministra Sanna Marin. Estávamos oficialmente no meio de uma pandemia. Foram aplicadas imediatamente várias restrições, e ao longo do fim-de-semana o Governo iria discutir a necessidade de declarar oficialmente um estado de emergência.

Senti-me entorpecida. Era a mesma sensação surreal que tinha sentido enquanto jovem jornalista ao ver os aviões a atingir as Torres Gémeas em Nova Iorque, em setembro de 2001 – uma coisa sinistra, a repetir-se em câmara lenta no ecrã da televisão.

O mundo soube nesse instante que nada voltaria a ser igual. Acabou.

A sensação de surrealismo tornou-se ainda mais assoberbante no dia seguinte, quando fui fazer compras com o meu filho adolescente. Estava tudo esgotado. Não havia fruta, nem pão, nem carne e nem um rolo de papel higiénico. Na secção dos congelados havia alguns cheesecakes, uma variedade de pizza e bifes de canguru.

Chegámos a segunda-feira, dia 16, e o Governo finlandês declarou que nos encontrávamos num estado de emergência. Foi também a última vez que trabalhei na redação. A Finlândia tinha 46 casos confirmados de Covid-19, mas ninguém tinha morrido ainda.

À data em que escrevo estas linhas, segunda-feira dia 20 de abril, estou a entrar na sexta semana de teletrabalho e a Finlândia tem 3.868 casos confirmados e morreram 98 pessoas de Covid-19.

Tal como quase todos os alunos, os meus filhos estão a ter aulas em casa. Todos os restaurantes estão fechados, como a maioria das lojas, todos os cinemas, teatros e museus. Não temos uma quarentena total, por isso as pessoas podem ir à rua, e muitos o fazem. Nos fins-de-semana de sol todas as áreas exteriores mais bonitas estão perigosamente cheias.

Comparado com os países mais duramente atingidos, como Itália e Estados Unidos, está tudo bem. Estamos lindamente, a viver na Disneyworld. Mas é Disneyworld depois do anoitecer e ninguém sabe quando é que as luzes se acendem outra vez.

E quando as ligarem, o que é que vamos encontrar? Muitas pequenas empresas estão em dificuldades, os seus negócios desapareceram da noite para o dia. Milhares de pessoas estão em risco de ficar desempregadas. Enfermeiras, médicos, lojistas, condutores de transportes públicos e muitos outros estão a arriscar a saúde, uma vez que não podem trabalhar de casa e sem eles a nossa vida ordenada tornava-se o caos.

O que se está a passar neste período em casas onde as coisas não estão tão bem? Muitos professores manifestam preocupação por alunos que simplesmente desapareceram dos seus radares durante o período de tele-escola. A polícia diz que os casos de violência doméstica aumentaram.

Eu passo os meus dias dentro da minha casa confortável, com calças de fato-de-treino a olhar para um ecrã. Ainda tenho o meu emprego. Cozinho imenso. Faço ioga online. A realidade parece brutalmente deslocada. E ainda tenho o luxo de me sentir aborrecida.

Por isso dou graças a Deus pela minha sorte, e espero que também isto passe.


*Jenny Jännäri é jornalista no “Finnish Business Daily” e vive em Helsinquia.