Hussain Sinjari foi embaixador do Iraque em Portugal até 2015. Natural do Curdistão iraquiano, vive agora em Erbil onde preside à organização Tolerancy International. Em entrevista à Renascença diz que o futuro do Iraque não será condicionado pelo seu passado e deposita grandes esperanças na visita do Papa Francisco ao país.
Qual é a importância desta visita para o Iraque e para o estado iraquiano?
Tal como toda a gente, creio que esta é uma visita da maior importância. O Papa chega ao Iraque depois de a primeira visita papal ter sido cancelada, por muitas e complexas razões [em 2000]. Agora todos os iraquianos, das diferentes religiões e etnias, estão à espera desta visita com grande esperança.
Precisamos das bênçãos do Papa, mas não só. Precisamos também que ele fortaleça as vozes moderadas do Iraque. Aliás, não só no Iraque, mas no Médio Oriente em geral. Esperamos que esta visita encoraje ainda os cristãos mais novos a ficar nas suas terras em vez de emigrarem para a Europa e outros lugares.
Esta é uma visita de esperança e apreciamos o facto de o Papa, com a sua idade, estar a fazer este esforço de vir até ao Iraque nestes tempos difíceis.
Houve muitos avisos para o Papa não fazer esta visita, por razões de segurança e também por causa da pandemia…
E provavelmente por outras razões também. Muitas pessoas acreditam que será o passado a decidir o nosso futuro, e esta visita mostra que o nosso futuro não deve ficar soterrado pelo passado e pelos conflitos do passado. Isto é o mais importante. Não devemos deixar o nosso passado decidir o nosso futuro e enterrá-lo nas arreias do Médio Oriente.
A coexistência entre as religiões e entre as pessoas de diferentes quadros religiosos e étnicos no Iraque, e no Médio Oriente, é muito importante para se poder construir um futuro onde caibam todos. Pessoalmente, como fundador e presidente da Tolerancy International, tenho grandes esperanças de que esta visita dê frutos, bons frutos, e que nesta Primavera sejam semeadas as sementes, nos solos do Médio Oriente, de irmandade, de fraternidade, igualdade e direitos humanos para indivíduos e comunidades.
Tem alguma dúvida sobre a capacidade do Governo de manter o Papa seguro durante esta viagem?
Não! Toda a gente está muito preocupada com isso, incluindo os dois governos, o central de Bagdad e o regional, em Erbil, no Curdistão. Eu próprio já vi as forças de segurança nas ruas e toda a gente está a trabalhar para garantir que o Papa possa regressar são e salvo ao Vaticano, de boa saúde.
Um dos pontos altos desta visita será o encontro entre Francisco e o ayatollah Ali al-Sistani. Qual é a importância deste líder religioso?
Para os xiitas ele é muito importante, é o supremo líder e grande ayatollah dos xiitas, no Iraque mas não só, também de muitos no estrangeiro. Mas o ayatollah Sistani é também muito importante para outros iraquianos porque até agora ele tem dado provas de ser um promotor da coexistência entre diferentes minorias e pessoas de diferentes religiões e etnias no Iraque, e de soluções pacíficas sempre que existe um conflito ou um problema, para além de ser uma voz da moderação.
O encontro entre estes dois grandes líderes religiosos é importante para estabelecer a paz entre os povos e a compreensão e a tolerância. É um obreiro da tolerância, que é a coisa de que mais precisamos no Médio Oriente.
Há poucos anos houve um conflito entre Bagdad e Erbil. Já foi sanado?
Os problemas entre Bagdad e Erbil ainda não foram completamente resolvidos. Ainda temos problemas sérios entre o Governo Regional do Curdistão e o Governo de Bagdad. As questões do petróleo e do gás, os orçamentos e a questão dos funcionários públicos são todos muito importantes para a qualidade de vida das pessoas e ainda não foram resolvidos. Ainda há problemas graves.
Contudo, existe agora uma melhor coordenação militar entre as forças curdas e as forças federais, de Bagdad. Toda a compreensão ajuda e esperemos que esta visita do Papa também ajude a encontrar terreno comum entre Bagdad e o Governo regional.