O ex-inspetor da Polícia Judiciária Militar (PJM) Vasco Brazão, arguido no processo Tancos, disse esta quinta-feira em julgamento que teve instruções do diretor da PJM para não incluir pormenores sobre a descoberta do material furtado de Tancos no relatório do piquete.
No segundo dia de interrogatório no julgamento do roubo de armas da base militar de Tancos, que decorre em Santarém, o major Vasco Brazão reiterou não ter agora dúvidas de que a PJM devia ter partilhado informações com a PJ civil e com o Ministério Público quando as armas foram recuperadas, mas afirmou que o diretor da PJM, o arguido Luis Vieira, lhe ordenou que não fossem colocadas informações pormenorizadas sobre o achamento do material militar no relatório do piquete.
"O diretor disse-me para não fazer nada, nem colocar informações no relatório do piquete porque a PJ ainda não sabia e que seria o meu superior, o coronel Estalagem, a comunicar com a PJ", afirmou Vasco Brazão.
"Não tenho dúvidas nenhumas que deveríamos ter dado a informação ao Ministério Público logo no dia 20 de outubro (de 2017) mas foi o diretor-geral que disse para não se fazer nada e que depois as coisas seriam concertadas com a PJ", acrescentou.
Confrontado com alegadas ameaças que disse ter recebido na fase de inquérito, Vasco Brazão disse entender "a fúria" do diretor da unidade de combate ao terrorismo da PJ por não ter sido informado dos desenvolvimentos da investigação.
"Se estivesse no lugar de Luis Neves também tinha ficado furioso, eles estavam em cima do Paulino e nós é que recuperámos o material", respondeu.
Questionado sobre a falsa chamada anónima feita por um militar da PJM na noite da recuperação na Chamusca do material militar furtado de Tancos, que segundo o militar foi ideia do coronel Estalagem, Vasco Brazão explicou que foi uma manobra para proteger a identidade do informador, o autor confesso do furto, João Paulino.
"A PJM queria continuar a trabalhar o João Paulino. Tínhamos de proteger a sua identidade para ser utilizado como fonte de informação. Não o queríamos queimar", frisou.
Esta justificação pareceu não convencer os juízes, que questionaram porque é que João Paulino não passou a suspeito, ao que Vasco Brazão respondeu: "quando há um informador é prática de todas as polícias proteger a sua identidade".
O juiz presidente do coletivo insistiu sobre o motivo da falsa chamada anónima, quando a PJM sabia que o material tinha sido encontrado na Chamusca através de um informador e disse que esta só faria sentido se houvesse um acordo prévio de impunidade.
"Os senhores vão mentir aos procuradores [do MP] e o senhor encobriu essa mentira", disse o juiz presidente.
O major, mais uma vez, ripostou dizendo ser prática corrente entre as polícias e que jamais faria um acordo "com alguém que "enxovalhou o exército".
A questão dos documentos que foram dados a conhecer ao então ministro da Defesa e agora arguido Azeredo Lopes foi outro assunto abordado, com Vasco Brazão a indicar que o memorando entregue era um mero documento de apoio de Luis Vieira, que não era para entregar ao governante.
"O diretor [da PJM] queria informar o ministro de que não houve qualquer chamada anónima e que se tratava de um crime de furto de material de guerra e não terrorismo porque o material tinha sido entregue, mas não queria dar pormenores e elaborou-se o dito memorando como documento de apoio", sustentou.
No telefonema foi feito para Azeredo Lopes, em 20 de outubro, "a primeira coisa que o ministro disse foi que tinha de se explicar a questão da chamada anónima".
O longo interrogatório de Vasco Brazão gerou alguns momentos de tensão no tribunal, com o juiz a dizer-lhe que estava a apresentar uma "versão fantasiada do que fez" e a insistir na questão da chamada anónima e do alegado acordo com o informador, suscitando a intervenção do advogado Ricardo Sá Fernandes que chamou a atenção que o seu cliente já tinha respondido inúmeras vezes à questão.
"Insisto se quiser porque sou eu que estou a dirigir a instância", avisou o juiz Nelson Barra.
O ex-investigador e porta-voz da PJM está acusado de Associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação ou contrafação de documentos, denegação de justiça e prevaricação e de favorecimento pessoal praticado por funcionário.
O processo de Tancos tem 23 arguidos, dos quais dez respondem por associação criminosa, tráfico e mediação de armas e terrorismo, pelo alegado envolvimento no furto do armamento e os restantes 13, entre eles Azeredo Lopes, dois elementos da PJM - Luis Vieira e Vasco Brazão - e vários militares da GNR, sobre a manobra de encenação/encobrimento na recuperação do material ocorrida na região da Chamusca, numa operação que envolveu a PJM, em colaboração com elementos da GNR de Loulé.