A Confederação Empresarial de Portugal (CIP) diz que “não há escrutínio suficiente” às baixas autodeclaradas pelos trabalhadores.
É a resposta aos dados que apontam para um aumento muito significativo da utilização deste mecanismo no mês de janeiro.
De acordo com os números apresentados pelo Diário de Notícias desta quarta-feira, no mês de janeiro, só em 15 dias, deram entrada mais de 60 mil pedidos de doença autodeclarada na plataforma SNS24.
“Estamos a avaliar um critério médico a partir de uma avaliação pessoal. Não vejo que haja aqui escrutínio suficiente para se aferir a razoabilidade da baixa por razões de saúde”, defende o presidente da CIP, Armindo Monteiro.
Desde 1 de maio de 2023, altura em que esta ferramenta foi disponibilizada aos trabalhadores, foram ativados 354 mil pedidos de Auto Declaração de Doença (ADD).
No entanto, os dados dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) revelam uma maior concentração do uso deste mecanismo às segundas-feiras e em dias próximos de feriados.
“Isto leva a sugerir que há aqui algum critério que vai para além do critério de saúde”, reforça o presidente da CIP, que lembra que a subida significativa das baixas autodeclaradas prejudica o funcionamento das empresas que “precisam de planear o seu trabalho e a planificação não se compadece com ausências não previstas”.
“O nosso tecido empresarial é constituído por empresas de muito pequena dimensão. Numa empresa com um, dois ou três trabalhadores, a ausência de um deles, às vezes, implica fechar a própria empresa”, lamenta o responsável.
A culpa foi da gripe, admitem os médicos
Perante estes argumentos, a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) afasta eventuais situações de aproveitamento por parte dos utentes para faltarem ao trabalho, por via das ADD.
“Não nos parece que possa haver essa relação, é importante manter esta capacidade das pessoas fazerem a sua auto declaração sem necessitar de recorrer a um profissional de saúde, porque, em termos clínicos, não há essa necessidade”, defende o médico António Luz Pereira.
Em entrevista à Renascença, o vice-presidente da APMGF revela que, durante o mês de janeiro, houve “um aumento das baixas, até superior àquilo que aconteceu na altura do Natal e do Ano Novo, que está muito coincidente com o aumento das infeções respiratórias e com as recomendações dos profissionais de saúde e mesmo da tutela de tentarem fazer os autocuidados e só recorrerem aos serviços de urgência e aos centros de saúde se houvesse realmente essa essa necessidade”.
Escrutínio? "Seria preciso uma máquina fiscalizadora bastante pesada"
Quanto à necessidade de fiscalizar os pedidos de ADD, o presidente da Associação dos Médicos de Saúde Pública diz que tal poderá ser impossível.
Em declarações à Renascença, Gustavo Tato-Borges admite como provável a existência de casos pontuais de utilização abusiva deste mecanismo.
No entanto, o elevado número de declarações de autobaixa, na ordem das centenas de milhar, torna praticamente inviável a fiscalização deste tipo de situações, sem que tal implique uma perda da agilidade do sistema.
"Seria preciso uma máquina fiscalizadora bastante pesada para, naquele espaço de três dias, promover uma visita domiciliária ou entrar em contato com a pessoa presencialmente", reconhece Gustavo Tato-Borges.
Apesar de admitir que "o Governo poderá pensar em alguma forma de fazer uma fiscalização, com a apresentação de um registo de sintomas, ou de um resultado laboratorial", o médico de Saúde Pública defende que "tudo isso vai complicar um sistema que se pretendia leve e, acima de tudo, ágil para evitar idas aos médicos de família para emitir estas baixas de três dias".