Portugal não está preparado para dar respostas adequadas às vítimas de abusos sexuais, afirma o presidente do Colégio da Especialidade de Psiquiatria da Ordem dos Médicos
Em declarações à Renascença, António Reis Marques considera que o problema é maior do que se pensa.
“É um fenómeno extremamente importante, muito maior do que nós pensamos”, afirma. Segundo o psiquiatra, “é tempo e é altura de se criarem competências específicas para o tratamento e acompanhamento destas pessoas”.
Esta quinta-feira houve uma reunião do Colégio da Especialidade de Psiquiatria. António Reis Marques aproveitou a oportunidade para falar do assunto com o diretor do Programa Nacional para a Saúde Mental.
“O professor Miguel Xavier tem de ponderar a criação de consultas específicas para estas vítimas, sejam jovens ou adultos. É urgente!”, diz o médico. “São eventos altamente traumáticos que podem nortear e influenciar toda a vida das vítimas”, sublinha.
O antigo diretor do Centro de Responsabilidade Integrada de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra diz que basta boa vontade: “Há condições para criarmos e darmos competências às pessoas que queiram especializar-se neste tipo de atendimento e podemos criar meia dúzia de serviços, espalhados pelo país, com qualidade e atendimento específico - uma via verde para o atendimento destes doentes”.
Daniel Sampaio, da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica já tinha defendido, em entrevista à Renascença e ao Público, que a Igreja devia fazer protocolos com serviços de psiquiatria para criar uma espécie de via verde, para que as vítimas de abusos sexuais possam ser vistas rapidamente por um psiquiatra.
António Reis Marques concorda, mas diz que “antes o Serviço Nacional de Saúde tem de ter esses centros especializados”.
De acordo com o médico, têm de existir em número suficiente e acessíveis a todos os utentes: “Neste momento temos dois ou três, e são nas grandes cidades. Em Lisboa, no Centro e no Porto há, mas não são suficientes, não estão suficientemente divulgados e estão entregues a pequenas equipas”.
António Reis Marques defende que a solução é “aumentar o número de técnicos vocacionados, especializados para esta temática”.
Aliás, o presidente do Colégio de Psiquiatria não tem dúvida que a divulgação do assunto, o facto de se falar de abusos sexuais, levou mais gente a procurar ajuda e a denunciar os casos.
“Há cada vez mais”, diz, “ao falar-se desta situação que tinha estado escondida socialmente, começam a aparecer mais”. Mas o médico admite que o fenómeno não é de agora: ”na minha consulta de psiquiatria aparece muita gente que sofreu abuso sexual na infância e na adolescência e não é por ser eu. Os meus colegas também têm”, conclui.
Se foi vítima de abuso ou conhece quem possa ter sido, não está sozinho e há vários organismos de apoio às vítimas a que pode recorrer:
- Serviço de Escuta dos Jesuítas, um “espaço seguro destinado a acolher, escutar e apoiar pessoas que possam ter sido vítimas de abusos sexuais nas instituições da Companhia de Jesus.
Telefone: 217 543 085 (2ª a 6ª, das 9h30 às 18h) | E-mail: escutar@jesuitas.pt | Morada: Estrada da Torre, 26, 1750-296 Lisboa
- Rede Care, projeto da APAV, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, que “apoia crianças e jovens vítimas de violência sexual de forma especializada, bem como as suas famílias e amigos/as”.
Com presença em Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Setúbal, Santarém, Algarve, Alentejo, Madeira e Açores.
Telefone: 22 550 29 57 | Linha gratuita de Apoio à Vítima: 116 006 | E-mail: care@apav.pt
- Comissões Diocesanas para a Protecção de Menores. São 21 e foram criadas pela Conferência Episcopal Portuguesa.
São constituídas por especialistas de várias áreas, recolhem denúncias e dão “orientações no campo da prevenção de abusos”.
Podem ser contactadas por telefone, correio ou email.
Para apoiar organizações católicas que trabalham com crianças:
- Projeto Cuidar, do CEPCEP, Centro de Estudos da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica
Se pretende partilhar o seu caso com a Renascença, pode contactar-nos de forma sigilosa, através do email: partilha@rr.pt