"Não sei a quem a procuradora-geral se referia. A mim não me deve ser". A procuradora-geral adjunta, Maria José Fernandes, reage assim às declarações da procuradora-geral da República, Lucília Gago, sobre críticas internas e externas ao Ministério Público (MP).
Que têm sido muitas as críticas externas ao mandato da responsável pela Procuradoria-Geral da República (PGR), é publico. Sobretudo depois da “operação Influencer” e da megaoperação da Madeira. Já no plano interno (do Ministério Público), apenas se conhecem os reparos de uma procuradora-geral adjunta. Críticas dirigidas por Maria José Fernandes a alguns procuradores, num artigo de opinião publicado em novembro, que irá valer-lhe um processo disciplinar.
Entrevistada pela Renascença, Maria José Fernandes sublinha que nunca atacou o Ministério Público, mas sim "alguns procuradores e o seu comportamento, procedimento e maneira de atuar".
Ficou surpreendida com a indicação de Lucília Gago de que não estaria disponível, “de modo algum”, para um novo mandato, sublinhando, até, que tem tempo e condições para se jubilar?
Não fiquei [surpreendida] porque internamente sabemos, mais ou menos, o tempo de serviço de cada um... e que ela tinha condições para se jubilar.
Mas perante as críticas todas que tem havido também não seria propriamente previsível que fosse reconduzida.
Não faço ideia, quer dizer, eu, relativamente aos mandatos dos procuradores-gerais, entendo que deve ser só um. Creio que quando se fixou o prazo de seis anos, a intenção do legislador era que fosse um único mandato, que corresponde a duas comissões de serviço. Pode haver entendimento diverso, mas o meu entendimento pessoal é que é um mandato. E, provavelmente, a Sra. procuradora-geral também entenderá isso, e já não terá vontade de continuar porque é um cargo muito desgastante.
Que avaliação é que faz deste mandato de Lucília Gago?
Não posso fazer uma avaliação de um mandato de uma pessoa que é minha superiora hierárquica. Posso ter a minha ideia, mas não vou dizê-la publicamente.
Pergunto-lhe isto por duas razões: pelas críticas que fez à atuação do Ministério Público, naquele artigo que motivou um processo disciplinar. Por outro lado, porque a procuradora-geral da República reiterou, esta sexta-feira, que é uma evidência a existência de ataques e de pressões internas e externas. Sente-se visada, de alguma forma, nesta declaração relativamente clara às pressões internas.
Bom. Não sei a quem a quem é que a Sra. procuradora-geral se referia. A mim não me deve ser, porque eu não ataquei o Ministério Público. Nunca ataquei o Ministério Público. Critiquei alguns procuradores e o comportamento, o procedimento, e a maneira de atuar de alguns procuradores que, de resto, nem nomeei.
E não estava a referir-se também a Lucília Gago?
Não. Não estava a referir-me a ela. Aliás, a tónica e o ponto fulcral do meu artigo referiam-se ao aspeto das relações hierárquicas, e a hierarquia de topo é a Sra. procuradora-geral. Foi a essa vertente do funcionamento do Ministério Público a que eu me referi concretamente, naquele artigo, e que eu queria focar. E pronto, foi entendido que eu estava a criticar. E estava. De certo modo estava a criticar alguns colegas, não o Ministério Público. O Ministério Público é uma instituição que eu não critico, é uma instituição que eu respeito imenso e na qual me integro.
A propósito desse processo disciplinar, de que é alvo, já conhece a acusação?
Não. Creio que ainda não há nada, porque eu não fui notificada. Não sei de nada.
Noutro plano, a procuradora-geral da República disse que não é tempo de debater ainda uma reforma na justiça em Portugal. Concorda com Lucília Gago?
Bom, não sei se a Sra. procuradora-geral não se estaria a referir a este tempo em concreto de campanha eleitoral. Talvez, no entendimento dela, não seja o momento próprio. Mas parece-me que o tempo de debater a justiça é sempre. Não pode existir um calendário. Não se pode estar a pensar: “Só depois, só assim ou assado”, porque essa discussão anda a fazer-se há anos.
Ou seja, está a dizer-me que podia avançar de imediato ou, quando muito, depois das eleições?
Depois das eleições, sim. Venha o Governo que vier, terá que abordar o problema da justiça, aquilo que funciona mal na justiça.
É urgente avançar para esse debate, para essa reforma, do seu ponto de vista?
É. Acho que sim. Eu não falaria em reforma. Falaria em ajustamentos, porque “reforma” pressupõe que se mude tudo e não é preciso mudar tudo. É preciso fazer alguns ajustamentos.
Consegue identificar um perfil adequado para um próximo procurador-geral da República?
Bom, eu não queria estabelecer um perfil. Tenho a minha ideia, é óbvio, mas não queria estar a divulgá-lo publicamente.
Mas a escolha deveria ser feita de uma forma mais transparente?
Isso sim. Concordo que pode melhorar-se o procedimento de escolha do próximo procurador-geral. Nomeadamente, fazendo uma pré-seleção de mais do que um candidato. E levar a que as pessoas escolhidas apresentassem, elas próprias, a sua ideia para o Ministério Público, uma espécie de linhas gerais daquilo que seria a sua atuação naquele cargo. Parece-me que isso poderia contribuir para a transparência. E, depois, desses três candidatos, provavelmente poderia sair aquele que se entendesse o melhor, o mais adequado, o mais capaz para levar a “bom porto”. Porque é um cargo muito, muito difícil.
Para que não houvesse propriamente surpresas desagradáveis...
Para que tudo corresse bem. Pronto, é isso, tão simples quanto isso.