O secretário de Estado das Florestas, João Catarino, refuta as acusações dos autarcas de que a Carta de Perigosidade Rural é um atentado aos direitos das populações.
Em entrevista à Renascença, João Catarino explica que metodologia aprovada pela Comissão Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais estabelece que cabe às comissões sub-regionais definir quais são as condicionantes para que continue a existir atividade económica, circulação, até a construção fora dos perímetros urbanos.
Os autarcas dizem que a Carta de Perigosidade Rural é um atentado aos direitos das populações. Como responde a esta crítica?
Não é nada disso que o Governo pretende. A Carta de Perigosidade funciona para o risco de incêndio como funciona a Carta Sísmica para o risco sísmico. A região de Lisboa é das regiões do país que mais risco sísmico tem e não é por isso que é proibido construir Lisboa, até em altura. Por isso, o que há é um projeto de estabilidade diferente para Lisboa do que para o resto do país, onde o risco de sismo é mais baixo. É precisamente isso que o Governo pretende que seja conformado nas regiões, nas comissões sub-regionais que funcionam nas comunidades intermunicipais, onde estão todos os autarcas, para além da AGIF, ANEPC, ICNF. E aí, em função da perigosidade, essa cartografia vai definir quais são as condicionantes para que continue a existir atividade económica, circulação, até a construção fora dos perímetros urbanos. É no âmbito dessas condições sub-regionais que funcionam nas CIMs que isso será definido. Foi isso que foi aprovado na Comissão Nacional do Sistema Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais. E é agora esse trabalho que pode ser feito até 31 de dezembro de 2014, que é quando termina o período, até à transição entre o antigo decreto-lei 124 de 2006 e o novo 82 de 2021. Por isso, este é um trabalho que o Governo quer que seja feito nas regiões, nas comissões sub-regionais, com os autarcas à mesa. É para isso é que foi feita esta alteração.
A Carta de Perigosidade Rural não está, então, fechada?
A Carta de Perigosidade foi produzida por várias faculdades da Universidade Técnica de Lisboa e com acompanhamento do ICNF. Na Carta de Perigosidade não há muito a fazer. O que nós podemos e que devemos fazer é: como é que nós, constatando aquela perigosidade que existe naqueles territórios, como é que nós podemos manter a atividade económica e as pessoas lá, porque é isso que nós pretendemos, é isso que o Governo pretende, da mesma forma que os autarcas. Agora temos que ter consciência de que há ali um risco, naqueles dias de temperaturas acima de 40 ou 45 graus, de humidades relativas baixas e de vento, eventualmente; todos nós sabemos que a probabilidade de uma ignição naqueles territórios dar origem a um grande incêndio é elevadíssima. Mas isso sabem os autarcas, sabe Governo e, por isso, é que é preciso, nesses casos concretos, termos medidas específicas para aqueles territórios. Mas essas medidas serão definidas pelos autarcas, nessas comissões sub-regionais, também com as outras entidades onde está a proteção civil, o ICNF, onde estarão, obviamente, também todos os autarcas. É esse trabalho de conformação ao território que será feito agora nessas comissões sub-regionais.
Estarão os autarcas a exagerar, quando dizem que nos dias de risco muito elevado de incêndio, as pessoas ficam impedidas de sair de casa?
Esta é uma matéria muito técnica, não é fácil, e depois, a forma como a Carta de Perigosidade foi apresentada é natural que tenha gerado este alarme. E agora, por isso, que eu e o meu colega das Autarquias Locais fizemos reuniões em todas as CCDRs, com todos os presidentes de CIM, onde fomos precisamente explicar isto e mostrar a metodologia que foi aprovada por unanimidade, onde estava a Associação Nacional de Municípios Portugueses e a ANAFRE também nessas reuniões. E foi precisamente com essa intenção de explicar, mas eu percebo que é uma matéria muito técnica. Mas o que o Governo tem vindo a dizer, e que eu tenho andado a dizer nessas reuniões, é precisamente que essa conformação e o limite ou das condicionantes que vão ser impostas nesses territórios de risco máximo, serão aqueles que resultarem das reuniões das comissões sub-regionais, onde os autarcas vão estar e que, obviamente, vão ser ouvidos.
Uma outra queixa dos autarcas é que esta Carta é um passar de culpas para os próprios presidentes de Câmara.
Não é isso que se pretende, obviamente. Mas é uma responsabilidade partilhada. Temos que assumir isso e os autarcas têm que assumir, porque os autarcas querem ser ouvidos em relação às condicionantes para o seu território, com toda a legitimidade, mas no momento em que nós estamos a construir essas condicionantes com os autarcas, a responsabilidade, obviamente, é partilhada por todos os agentes que fizeram essa delimitação, essa conformação. Não vale a pena termos ilusões. Mas eu acho que os autarcas nunca se furtaram a responsabilidades, mas, aqui, elas são efetivamente das comissões sub-regionais. Não são só do ICNF, da ANEPC ou da AGIF, são das entidades que estão nessas comissões e que definirão, com o bom senso, todas as condicionantes que entendem que devem ser tidas em conta naqueles dias e naquelas regiões que têm uma prioridade mais alta, de acordo com o que a carta indica.
Há autarcas a pedir a suspensão imediata da Carta de Perigosidade e a exigirem uma nova versão do documento.
Esta conformação pode ir até 31 de dezembro de 2024, que é o período transitório entre estes dois diplomas. Até lá, os autarcas ou as comissões sub-regionais, ou seja, as CIMs que não vierem a criar esta cartografia das áreas prioritárias de prevenção e segurança, funcionarão com os Planos Municipais de Defesa da Floresta que estão em agora vigor. Ou seja, no limite, podem ir; é essa a proposta que, a princípio, Governo vai aprovar, até 31 de dezembro de 2024. Mas eu acho que isto é um trabalho que deve ser feito com calma, com muito bom senso e temos agora algum tempo para o fazer e eu acho que vamos, com certeza, encontrar uma solução de equilíbrio, tendo consciência de que o risco efetivo existe. Não vamos proibir as pessoas de viverem naqueles territórios, terem atividade naqueles territórios - de forma alguma! - vamos é ver quais são as condições que temos que criar para que as pessoas possam, em segurança, usufruir dos territórios e fazer a sua atividade económica e viver, obviamente, lá também.
Em síntese, importante é prevenir que aconteçam grandes incêndios no nosso país.
Sem dúvida. E termos consciência de que naqueles dias de elevadíssima perigosidade, uma ignição naqueles territórios, as probabilidades de dar um enorme incêndio são imensas. Mas, como disse, e repito, isto sabe o Governo e sabem os autarcas e estou certo de que, aliás, desde a construção deste decreto-Lei 82 de 2021, esta conformação sempre foi assumida que seria feita nas comissões sub-regionais, ou seja, ao nível das CIMs. É isso que se pretende, mas a metodologia que tínhamos encontrado não era a ideal. Esta é a metodologia que foi aprovada por consenso de todas as partes e, por isso, é que eu acho que agora, acima de tudo, se o Governo souber explicar o ICNF, a AGIR, e a ANEPC aos autarcas, o que está em causa e como é que esta conformação da Carta de Perigosidade, no fundo, declina para o território em concreto, eles perceberão que, acima de tudo, o exercício que teremos que fazer em conjunto; mas será sempre aquilo que os autarcas entenderem para o seu território, conscientes como estão, e como nós estamos, de que há ali um risco que não vale escondê-lo.
Podemos afirmar que a carta não está contra os autarcas, não está contra os territórios, mas quer, em conjunto, defender todo o território nacional?
Eu não seria capaz de sintetizar melhor.