Começou por ser uma greve dos trabalhadores, obrigou o Governo a responder com uma requisição civil e nem o Estado de Emergência, agora decretado, travou o braço de ferro entre sindicato e administrações.
A situação ganhou esta sexta-feira contornos graves, porque está em causa o abastecimento das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, que dependem do transporte marítimo, segundo o Ministério das Infraestruturas.
Ouvido pela Renascença, o próprio presidente do SEAL – Sindicato dos Estivadores e Atividade Logística, António Mariano, reconhece que, "se se prolongar durante mais tempo esta situação, é evidente que vai haver dificuldades e eventualmente até perda de algumas cargas mais perecíveis que estejam a bordo ou à espera para entrar para os navios, dificuldades no abastecimento às ilhas, atrasos já vai haver certamente".
Em causa estão sobretudo produtos alimentares, "muitos deles refrigerados, produtos de consumo rápido", adianta o presidente do SEAL. Mas do Porto de Lisboa saem também produtos médicos para as regiões autónomas, avisa a Sotagus, um dos operadores.
Os problemas no Porto de Lisboa não são recentes, mas esta situação em concreto começou no dia 19 de fevereiro, quando o SEAL arrancou com uma greve às horas extraordinárias.
Entretanto, entre 3 e 19 de março, "alargou o âmbito da greve a todo o horário de trabalho" e, recentemente, anunciou um "novo prolongamento da greve até 13 de abril". Medidas que obrigaram o Governo a decretar a requisição civil na terça-feira, porque entendeu que os serviços mínimos não estavam a ser cumpridos, o que não era admissível na atual "crise sanitária sem precedentes" que o país atravessa por causa da pandemia de Covid-19.
Esperava-se que o problema ficasse resolvido desta forma. No entanto, o sindicato acusa agora a AETPL, empresa de trabalho portuário, de impedir o regresso de 150 estivadores com os quais tem vínculo laboral. Segundo António Mariano, "nenhum está a trabalhar neste momento", uma situação que se arrasta desde terça-feira. Estes trabalhadores representam metade dos estivadores do Porto de Lisboa. Estão disponíveis para trabalhar mas não conseguem.
As empresas alegaram insolvência e avançaram com um despedimento coletivo, mas os trabalhadores já apresentaram um plano de reestruturação, que mantém todos os postos de trabalho. O Sindicato fala em despedimento ilegal. "Estão despedidos na perspetiva deles, porque não estão, não têm nenhuma notificação para despedimento, e portanto, tudo isto é uma situação irregular. Há aqui um lockout, o porto de Lisboa está parado numa altura destas."
O SEAL continua a fazer escalas com os trabalhadores da AETPL, mas as empresas impedem o acesso destes estivadores ao porto.
O presidente do sindicato lembra que há uma portaria publicada, atualizada já na sequência da declaração de Estado de Emergência, que fala em requisição civil e que continua válida, segundo a qual "relativamente ao dia 21 de março e seguintes, devem as administrações das empresas abrangidas pela presente portaria comunicar à estrutura sindical que declarou a greve ou a quem a represente para o efeito, com a antecedência mínima de 48 horas, os actos incluídos nos serviços mínimos e que nós teremos que despachar". Mas as empresas "continuam sem fazer pedidos para o dia seguinte".
Versão diferente é apresentada pela Sotagus, que ainda esta quinta-feira aguardava por 29 estivadores para trabalhar mas só cinco apareceram, "o que não permite sequer uma equipa mínima para os navios", disse fonte à Renascença. Por isso, este operador acusa o SEAL de incumprir o Estado de Emergência e comprometer o abastecimento às regiões autónomas da Madeira e dos Açores.
O Sindicato fala em lockout criminoso, garante que o Porto de Lisboa não consegue funcionar sem estes 150 trabalhadores e sublinha que há estivadores a operarem há 24 horas e que os barcos estão parados.