O Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento é entregue em Estrasburgo, esta quarta-feira, à Oposição Democrática da Venezuela. À Renascença, o arcebispo-emérito de Lubango, em Angola – vencedor do mesmo prémio em 2001 – diz que foi uma boa escolha, pois vai dar visibilidade a um problema que se arrasta.
D. Zacarias Kamwenho recorda que, no seu caso, a distinção resultou em algumas alterações silenciosas na forma como o governo angolano, no tempo de José Eduardo dos Santos, passou a encarar a liberdade de imprensa e os próprios direitos humanos.
Quanto a Angola, agora liderada por João Lourenço, D. Zacarias Kamwenho encoraja as reformas do novo Presidente e diz acreditar que "algo melhor está e vai surgir".
Que comentário lhe merece a atribuição do Prémio Sakharov à Oposição Democrática da Venezuela?
Olho para isto como um despertar da consciência mundial para o problema da Venezuela. A União Europeia, quando atribui esse prémio, tem sempre a finalidade de despertar o mundo para os problemas que ocorrem num determinado país.
É uma boa escolha?
É uma boa escolha, sim, porque na América Latina o problema da Venezuela é uma questão que se arrasta sobretudo quanto aos direitos humanos.
Este despertar de consciências em que é que se pode traduzir?
Pode contribuir para que o sistema implantado também saiba que o mundo está a condenar os atropelos à liberdade e aos direitos humanos. Oxalá que o mundo, de facto, desperte… porque não basta lamentar o que não está certo.
Muitas vezes a comunidade internacional tem medo de se intrometer directamente nos assuntos internos de outros países. Acha que poderia fazer mais um pouco neste capitulo?
Bom quanto a isso já não tenho palavras porque a nível mundial temos tanto a ONU, como outras instituições internacionais, incluindo a União Europeia, a pressionar. É uma pressão que pode ajudar, agora fazer mais do que isso já não vejo...
Também foi Prémio Sakharov, numa altura em que José Eduardo dos Santos era o Presidente de Angola. Mudou algo com a atribuição desse prémio?
Creio que o próprio reconhecimento do prémio por José Eduardo dos Santos e ao dizer que me felicitava alterou alguma coisa. Não podemos dizer que foi inútil, não.
O que é que se alterou?
Alguma visão sobre a liberdade de imprensa e sobre os próprios direitos humanos. Creio que esse reconhecimento foi algo que trabalhou silenciosamente e que teve algum peso.
Hoje, Angola tem um novo Presidente que está a surpreender o mundo, nomeadamente com o afastamento dos filhos de José Eduardo dos Santos de alguns cargos importantes. Acredita que está a ocorrer uma verdadeira mudança de políticas que possa conduzir a uma maior liberdade e a um regime mais aberto?
De facto, por tudo o que nós vivemos no dia-a-dia, vemos que há mudanças substanciais. O próprio "Bureau Político" do MPLA está a procurar renovar-se. Deve ser para corresponder àquilo que o seu candidato prometeu durante a campanha.
Mas não ficou um pouco admirado, sendo que o novo Presidente vem da linha de Eduardo dos Santos? Era conhecido como muito próximo...
Bom, também sabemos que João Lourenço tem uma travessia política em que se viu que não concordava com muitas coisas. Ora, quando o partido aceita isso é porque reconhece que há coisas a corrigir. O novo líder ainda não chegou aos cem dias de mandato, mas aquilo que já tivemos ocasião de viver e de ouvir também nos leva a acreditar que algo de melhor está a surgir.
O que é que espera dos próximos cem dias de João Lourenço?
Que continue com as reformas a que se propõe e que o seu partido não estorve este caminho para a renovação e um trabalho que se destina a todos os angolanos. É nesta linha que nós encorajamos João Lourenço a prosseguir o trabalho a que se propôs.