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Era presença habitual em Portugal, onde não só costumava vir à Feira do Livro de Lisboa (onde fazia longas filas de autógrafos), como estava em quase todas as 21 edições do Festival Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim.
Era, de resto, um dos responsáveis pela criação deste festival que tinha ajudado a lançar, à semelhança de outro que ele próprio realizava em Espanha.
Em entrevista à Renascença, em fevereiro, na última edição do Correntes d’Escritas, antes de ser internado nas Astúrias, devido à infeção com o novo coronavírus, enaltecia o festival onde se cruzava com leitores e amigos escritores.
“Por um lado, é o contacto com o público, com a gente e os leitores. Adoro quando as pessoas se aproximam com os meus livros para os autografar. Mas também é bonito o encontro com outros escritores de outros países. É a única oportunidade que temos de nos encontrar, é aqui! Nesse sentido, a projeção cultural das Correntes vai muito para lá de ser simplesmente um festival”, considerou.
Filho de um militante do Partido Comunista e de uma enfermeira, Luis Sepúlveda tinha, aos 15 anos, ingressado na Juventude Comunista do Chile, da qual foi expulso em 1968.
Militou no Exército de Libertação Nacional do Partido Socialista. Esteve ao lado de Salvador Allende e terá mesmo integrado a guarda pessoal do Presidente chileno. Na sequência do golpe de Pinochet, em 1973, esteve preso três anos. Depois viveu exilado. Percorreu a América Latina, Angola, Moçambique. Foi jornalista e era licenciado em Ciências da Comunicação.
Sepúlveda era também um ativista. Integrou a Greenpeace. Sempre se envolveu na defesa de causas ambientais.
Em 2016, em Portugal, recebeu o Prémio Eduardo Lourenço – que distingue personalidades ou instituições com intervenção relevante no âmbito da cooperação e da cultura ibérica. Na altura, recorda a sua editora em Portugal, a Porto Editora, disse que era uma honra que definiu como “uma emoção muito especial”.
A biblioteca que Luis Sepúlveda deixa aos leitores
A escrita de Sepúlveda soma mais de 30 livros. Muitos deles com pouco mais de 100 páginas. Dizia que começou a escrever por influência de uma professora de História.
Estreou-se na escrita aos 20 anos, mas só outros 20 anos depois, em 1989, chegou o sucesso com o livro “O Velho Que Lia Romances de Amor” – traduzido para português pelo poeta Pedro Tamen e publicado em 1993, então pelas Edições Asa.
Hoje, a sua obra que está quase toda traduzida e publicada em Portugal, agora pela Porto Editora, com vários títulos e edições especiais ilustradas.
Um dos seus maiores sucessos saiu em 1996: a fábula “História de Uma Gaivota e do Gato Que a Ensinou a Voar”. Este livro, cuja leitura é também recomendada aos mais novos pelo Plano Nacional de Leitura, junta-se a outro conjunto de fábulas que foi escrevendo ao longo da sua vida e onde, em algumas, passa uma mensagem de preocupação ecológica.
Em entrevista à Renascença em 2017, confessava que gostava de escrever contos e de contar a histórias dos perdedores.
“O que mais gosto é de escrever contos, aí a imaginação voa para qualquer lugar. Mas quando me dedico ao romance sinto que é importante o esforço para conservar a memória. Não a memória dos grandes feitos da História, para isso estão cá os historiadores e a História oficial; a literatura preocupa-se com contar a história dos pequenos, geralmente dos perdedores, dos derrotados, que são os mais interessantes. Deixo que a minha literatura tenha espaço para isso”, afirmou.
Romance na vida real
Sepúlveda vivia em Gijon, Espanha, com a mulher, Carmen Yáñez, também ela poeta. A história dos dois tem contornos quase literários. Conheceram-se no Chile e casaram em 1971. Tiveram um filho, mas separam-se ao fim de poucos anos. Sepúlveda, que viveu na Alemanha, voltou a casar-se e a ter três filhos. Mas veio a reencontrar Carmen Yáñez, 20 anos depois, na Alemanha, e voltaram a juntar-se. Até hoje.
Sobre o seu processo de escrita, em 2017 Sepúlveda contava à Renascença: “Sou muito disciplinado. Trabalho todos os dias. No verão, gosto de me levantar cedo e, às 8h30, já estou sentado a trabalhar e trabalho até ao meio dia. Depois, o resto do dia é para mim, para ler e ouvir música. No inverno mudo, trabalho mais pela tarde e noite, em busca da tranquilidade”.
“Cada um complica a sua vida como quer, eu complico a minha de uma maneira especial: faço muita pesquisa sobre o que vou escrever. Quando termino, faço 20 correções. Os meus editores odeiam-me por isso, porque demoro muito a entregar os livros, mas só os entrego quando estou muito seguro”, admitiu.
Luis Sepúlveda morreu nesta quinta-feira aos 70 anos, infetado com Covid-19. Esteve em Portugal uma semana antes de ter sido diagnosticado. Já em Espanha, foi internado, nas Astúrias.
A 10 de março, o estado de saúde do escritor continuava a "inspirar cuidados e preocupação".