TAP comprada com dinheiro da empresa em 2015. IGF suspeita de crime
03-09-2024 - 00:12
 • Renascença com Lusa

Inspeção-Geral das Finanças recomenda envio do relatório ao Ministério Público. Documento aponta que Governo de Passos Coelho sabia da operação utilizada para a privatização, realizada quando Maria Luís Albuquerque era ministra das Finanças.

A auditoria da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) às contas da TAP confirma uma suspeita já existente: o negócio da privatização de 2015, quando a empresa foi comprada por David Neeleman e Humberto Pedrosa, foi financiado com um empréstimo de 226 milhões de dólares da Airbus em que a contrapartida era a compra de 53 aviões à fabricante de aeronaves, e a companhia aérea dava a garantia ao crédito. A IGF diz que a racionalidade económica da participação no negócio de manutenção no Brasil não foi demonstrada e que se perspetivam "perdas muito significativas", e sugere o envio da auditoria ao Ministério Público.

No documento, a que a Lusa teve acesso e que foi avançado na noite desta segunda-feira pela "SIC", a IGF afirma que a Atlantic Gateway, consórcio de David Neeleman e Humberto Pedrosa, adquiriu 61% do capital da TAP, SGPS, "comprometendo-se a proceder à sua capitalização através de prestações suplementares de capital, das quais 226,75 milhões de dólares americanos foram efetuadas através da sócia DGN Corporation (DGN) com fundos obtidos da Airbus".

O montante "coincide com o valor da penalização (226,75 MUSD) assumida pela TAP, SA, em caso de incumprimento dos acordos de aquisição das 53 aeronaves (A320 e A330), o que evidencia uma possível relação de causalidade entre a aquisição das ações e a capitalização da TAP, SGPS e os contratos celebrados entre a TAP, SA e a Airbus".

De acordo com o jornal "Público", a IGF afirma que a operação era do conhecimento da Parpública, que junta as participações empresariais do Estado, e dos titulares das Finanças e das Infraestruturas do então Governo liderado por Pedro Passos Coelho. Na altura da assinatura final dos documentos da privatização, a 12 de novembro de 2015, Maria Luís Albuquerque era ministra das Finanças e Miguel Pinto Luz era secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações - tendo sucedido a Sérgio Monteiro, que negociou a privatização.

Negócio sob suspeita desde 2023

As suspeitas sobre o negócio da privatização em 2015 são públicas pelo menos desde fevereiro de 2023. Nessa altura, o jornal "Eco" noticiou que o dinheiro entregue pela Airbus à Atlantic Gateway (de Neeleman e Humberto Pedrosa) teria sido usado para a injeção de capital que garantiu a privatização.

Antes, em 2022, o então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, anunciou uma auditoria encomendada pela TAP à compra dos aviões por suspeita de ter pago mais do que as concorrentes pelo mesmo tipo de aeronaves devido a comissões ilegais para terceiros.

A auditoria foi pedida em outubro de 2023 pelo Ministério das Finanças, então liderado por Fernando Medina, depois da conclusão da comissão parlamentar de inquérito à gestão a TAP.

A IGF sugere o envio do relatório ao Ministério Público, sobretudo tendo em conta as conclusões relacionadas com o processo de privatização da TAP e sua relação com os contratos de aquisição de 53 aviões à Airbus em 2015, bem como com as remunerações dos membros do Conselho de Administração.

Sobre essas remunerações, conclui a IGF que os "dados disponíveis" levam à conclusão de "que o pagamento das remunerações aos administradores em causa [Humberto Pedrosa, David Pedrosa e David Neeleman] foi efetuado através de um contrato de prestação de serviços simulado (pois aparentemente o fim não era o mesmo para o qual fora celebrado), apresentando-se apenas como instrumental para o efeito pretendido".

Segundo o relatório, este procedimento "afigura-se irregular no pagamento/recebimento das remunerações aos membros do Conselho de administração, que, assim, eximiram-se às responsabilidades quanto à tributação em sede de IRS e contribuições para a Segurança Social".

Investimento da VEM Brasil sem "racionalidade"

O relatório aponta ainda que o investimento na VEM Brasil, a empresa de manutenção da Varig (companhia aérea que faliu em 2006), não teve "racionalidade económica".

"Não se encontra demonstrada a racionalidade económica da decisão da administração da TAP, SGPS, de participar no negócio da VEM/TAP ME [Manutenção e Engenharia] Brasil e, posteriormente, de não aceitar uma proposta da GEOCAPITAL, de 23/01/2007, de renegociar a parceria no sentido, designadamente, de partilhar riscos e encargos, tendo, ao invés, optado pelo reforço da sua posição na VEM, sem orientações das tutelas ou da acionista Parpública nesse sentido, ficando acionista única da Reaching Force e detentora de 90% do capital da VEM", lê-se no documento.

"Perspetivam-se perdas muito significativas com aquele negócio pela não recuperabilidade dos valores envolvidos, que, até 2023, ascendiam a 906 milhões de euros", segundo o relatório.

A atividade da TAP ME Brasil foi encerrada no início de 2022, por decisão do Conselho de Administração da TAP. Contudo, ainda não está "formalmente em liquidação", circunstância que, "associada à difícil situação económica e financeira daquela empresa e ao seu elevado passivo, antecipam a incobrabilidade pela TAP dos valores em dívida".