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Prognósticos só no fim do jogo. Raramente o célebre paradoxo se ajustará tanto à realidade como no caso das eleições intercalares americanas que têm lugar esta terça-feira.
Se na quarta-feira de manhã o leitor atento acordar e ouvir que os democratas venceram folgadamente as eleições não ficará certamente surpreendido. Mas se ouvir que foram os republicanos a vencer também não deverá ficar surpreendido.
Como é possível, perguntar-se-á. Como é possível que as previsões oscilem entre uma vitória folgada do Partido Democrático e uma eventual derrota? Desta vez talvez não possamos culpar as sondagens porque são elas que nos alertam para os dois cenários possíveis.
Este é o primeiro teste eleitoral a Donald Trump. Com metade do mandato cumprido, o Presidente não está em jogo esta terça-feira, mas a polarização que criou na sociedade americana e a forma como se empenhou na campanha republicana fazem destas eleições para o Congresso um referendo à sua presidência.
Ninguém está indiferente à forma como Trump tem gerido os destinos do país. Se do lado republicano há um entusiasmo considerável com o Presidente, do lado democrata o descontentamento é tal que a mobilização para as eleições e o financiamento das campanhas excedeu todas as expectativas.
Desde o verão que se fala de uma “onda azul” (a cor dos democratas) que estaria em movimento para esmagar os republicanos nas urnas, mas este perigo fez com que os conservadores se mobilizassem também e estejam hoje a disputar muitos círculos eleitorais taco-a-taco com os seus rivais liberais.
Mais do que a batalha pelo Senado, é a luta pelo controlo do Câmara de Representantes que pode alterar a situação política. No Senado estão em jogo 35 lugares (cerca de um terço), mas 26 deles pertencem a democratas e só nove a republicanos.
39 duelos eleitorais com resultados decisivos
Alguns dos senadores democratas que vão a votos nesta terça-feira estão com dificuldades em segurar o lugar porque pertencem a estados onde Trump ganhou as eleições com grande folga há dois anos.
São geralmente estados conservadores no interior do país, onde a vitória de Trump galvanizou as hostes republicanas e é provável que as urnas o reflitam. Daí que as previsões em relação ao Senado apontem para a manutenção da maioria tangencial republicana (hoje de 51 contra 49). Até eventualmente com algum reforço, basta que as coisas corram mal a um ou dois senadores democratas, o que as sondagens preveem.
Já na Câmara de Representantes — cuja totalidade dos 435 lugares vai a votos — a vitória pode muito bem sorrir aos democratas por números expressivos. Para reconquistarem a maioria precisam de vencer em 23 círculos eleitorais que hoje estão nas mãos republicanas e as sondagens apontam para ganhos bem maiores do que estes.
Segundo os especialistas, há 39 duelos eleitorais cujos resultados serão decisivos e nestes só em seis estão em risco lugares de democratas. Na esmagadora maioria destes 39 círculos, são democratas quem lidera as intenções de voto e por isso se as sondagens se confirmarem poder-se-á falar de uma “onda azul”.
No entanto, e aqui surge o dilema destas eleições, em quase todos estes círculos a vantagem democrática é escassa. Em boa parte dos casos está mesmo dentro da margem de erro, o que introduz na equação geral um fator de enorme incerteza.
Daí que possamos acordar na quarta-feira com a notícia de que os democratas infligiram uma pesada derrota a Trump e ao seu partido, ou com a notícia de que os republicanos resistiram bem à ofensiva democrata e mantêm a maioria não só no Senado como na Câmara de Representantes. Ou neste caso a perderam por uma diferença mínima. O que, para efeitos de leitura política imediata, seria confortável para Trump.
Tudo parece jogar-se na mobilização do eleitorado. Tradicionalmente em eleições intercalares há menos afluência às urnas do que em presidenciais, mas desta vez os democratas tentaram contrariar a tradição. Indignados com a forma como Trump tem gerido o país, procuraram convencer em cada circulo eleitoral os mais qualificados a concorrer e isso resultou numa mobilização para a atividade política de milhares de pessoas que anteriormente se limitavam a votar ou nem isso.
Há, por exemplo, nestas eleições um número recorde de mulheres a concorrer a cargos políticos, assim como membros de minorias raciais — negros, latinos, asiáticos. Ou membros da comunidade LGBT. Todos grupos sociais que se foram sentindo insultados, humilhados, ultrajados, pelo discurso e ação de Trump.
E este não foi o único recorde batido. Também a angariação de fundos para as campanhas atingiu números inéditos. Em muitos círculos, os democratas ultrapassaram os republicanos em financiamento, um sinal da sua determinação em mudar a situação do país.
Todos estes sinais do campo liberal fizeram soar os alarmes entre os conservadores. Trump traçou por isso uma estratégia assente em três fatores.
Colocar-se no centro da disputa, fazendo das eleições um referendo a si próprio e às suas políticas, o que o levou a desdobrar-se em dezenas de comícios nas últimas semanas, sobretudo nos estados onde venceu as presidenciais e onde as sondagens apontavam para o alheamento dos seus eleitores.
Panorama no Congresso vai mudar?
Apostar nos bons resultados da economia para auto-elogiar a sua governação. Em outubro, criaram-se 250 mil empregos no país, a taxa de desemprego atual é de 3,7%, virtualmente inexistente. O crescimento anda pelos 3%, os salários começam a subir lentamente e a bolsa continua em boa forma.
Agitar os temas que lhe deram votos há dois anos, especialmente a imigração. Denominou a caravana de refugiados centro-americanos que caminha em direção aos EUA através do México como “invasores”, mobilizou o Exército, a Guarda Nacional e o pessoal das agências ligadas à imigração para a fronteira várias semanas antes dos refugiados ali chegarem, criando um cenário apocalíptico que rende votos junto do seu eleitorado tradicional.
Os sinais de mobilização dos incondicionais de Trump começaram a surgir e a exprimir-se nas sondagens. Mas os estudos de opinião também dizem que muito do eleitorado conservador com nível de educação superior que lhe deu o voto em 2016 o estará a abandonar agora.
Os subúrbios das grandes cidades onde vivem os mais abastados parecem agora empenhados em derrotá-lo. É em muitos destes círculos que os democratas surgem à frente num terreno habitualmente republicano. Mas por números pouco expressivos em muitos casos.
Bastará para mudar o panorama no Congresso americano? É o que saberemos na quarta-feira de manhã, já prevenidos para qualquer desfecho “imprevisível”. Por ora, há apenas uma certeza: o voto antecipado já bateu todos os recordes. Nunca tantos milhões de americanos tinham ido às urnas antes do dia eleitoral, o que denota uma mobilização e um empenho político inéditos.