O somatório de horas letivas para as quais ainda não foram contratados os necessários professores atingia, há poucos dias e entre os dez agrupamentos de escolas com maior número de horários por atribuir, uma cifra próxima dos 293 horários completos. No top ten dos agrupamentos com dificuldades prolongadas de contratação docente estão 9 da área metropolitana de Lisboa. Entre outros motivos, a mais populosa região do país não consegue atrair profissionais de outras paragens pois a relação entre o baixo vencimento auferido e o elevado preço dos alojamentos torna a possibilidade de concorrer para perto da capital uma aventura económica insustentável.
As dificuldades em contratar professores para o ensino básico e secundário, que também atinge dramaticamente as escolas privadas, já tinham sido amplamente clarificadas por um estudo realizado pela Nova SBE, a pedido do Ministério da Educação, e que concluiu que nos próximos dez anos farão falta 34.000 docentes para satisfazer as necessidades de “recursos humanos” nas escolas públicas. Trata-se de uma população envelhecida, com cerca de cinquenta anos de média de idades que, lentamente, tem abandonado a profissão, muita da qual tem vivido quase toda a sua vida profissional numa situação de angustiosa precaridade.
Notícia mais antiga, quase sempre referida quando analisados os candidatos colocados no ensino superior, é a escassez de aspirantes à profissão docente. Nalguns casos – áreas de especialização profissional e/ou zonas do país – tal desinteresse não só deixa turmas por abrir como tem reduzido assustadoramente a média de acesso, colocando questões relevantes sobre a qualidade de formação dos poucos candidatos admitidos, cuja falta de motivação científica inicial reclama das Escolas Superiores de Educação e das Universidades um milagre, experiência para a qual não têm dotes nem vocação.
Para compreender a raiz deste problema relevante para o crescimento económico, a competitividade, a mobilidade social e a coesão e qualidade da nossa democracia, é preciso ter em conta como, paulatinamente, as orientações políticas o têm provocado e alimentado, limitando e distorcendo as condições do exercício profissional docente.
De facto, desde a publicação da Lei de Bases, as políticas públicas de educação evoluíram de uma lógica de democratização da sociedade para políticas de quase mercado. A montagem de um controlo político sobre os profissionais proporcionada pela crónica baixa confiança da opinião pública, típica da generalização do bem educativo, e o desejo de alinhar a educação com expetativas, valores e preferências de uma classe social que “venceu na vida” por obra da “economia do conhecimento”, alterou a gestão das escolas, nas quais se confrontam desigualmente as famílias que reivindicam egocentricamente a resolução das suas necessidades educativas sem sentirem a necessidade de gerar empatia com os professores nem de cooperarem com estes, e as “outras”, das margens da sociedade, sem saber educativo nem político. Assim, uma nova gestão da produção da educação, que transformou os apreciados professores em “recursos humanos”, gerou uma administração do consumo da educação em favor dessas novas classes médias “clientes”, pouco interessadas na equidade escolar e na democratização do ensino. Por outro lado, um novo perfil de dirigentes extinguiu a colegialidade necessária às respostas complexas que o exercício desta nobre profissão exige, e a visão de mercado, concorrência e competição, com o seu julgamento de “reputação da escola”, reduziu a pedagogia aos indicadores de performance.
O controlo à posteriori, fundado nos modelos de eficácia e de qualidade, sem oferecer soluções, sanciona os atores profissionais, através de um regime de performatividade e de rendição de contas, substituindo a cultura do julgamento profissional por uma cultura de auditoria, ad nauseam. Ainda assim, está por provar que culpabilizámos e sacrificámos os docentes para conseguir melhores resultados de aprendizagem ou uma mais elevada performance do sistema: a escolha de políticas de conteúdo, a hierarquização das disciplinas, o vocacionalismo precoce, a preferência pelo “conhecimento básico”, a competitividade, o individualismo, a meritocracia e os ditames de um mercado de trabalho imaginário, com os seus rankings, managers e a omnipresente avaliação criterial, ainda não mostraram vantagem na aprendizagem e na formação das pessoas. Também não parece ter valor económico.
Mas este processo de desprofissionalização e reconstrução profissional mercantilizada, perverso e contraditório na aparente ausência de controlo, na autonomia e na flexibilização, foi de facto enquadrado em publicitação de resultados e «inspeção» pela comunicação social, conduzindo ao «estado das coisas» organizacional e sistémico que atualmente se observa nas escolas e na profissão docente, tão carente de novos candidatos qualificados. Estes, precisamente por serem qualificados, não desejam submeter-se a este tipo de trituração pessoal e profissional, e talvez imigrem para países que melhor os reconheçam e respeitem mais. De resto, naturalmente, ou por motivos de cultura política, o Ministério da Educação já nos veio descansar, pois indicou, há três semanas, a criação de uma Task Force para resolver o problema. Sabemos que, à data e com o conhecimento disponível, vamos todos ser vacinados. Se é a favor da Escola, ou não, é que ainda desconhecemos