O diretor do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) e coordenador da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR) critica os autarcas que “às vezes, parece que têm medo de dizer que os novos munícipes que chegam devem ser tratados como munícipes de pleno direito”.
“Os decisores políticos locais são os primeiros responsáveis pela criação de políticas de inclusão”, diz André Costa Jorge, em entrevista à Renascença e à Agência Ecclesia.
Quando passa um ano da invasão russa da Ucrânia, Costa Jorge sublinha as dificuldades dos refugiados em encontrarem habitação: "De uma maneira geral, a resposta publica não existe, ou nem sempre é adaptada às necessidades de acolhimento urgente."
O responsável da PAR e do JRS afirma que, no caso da Ucrânia, “não existiu um programa de acolhimento” e que o “esforço assentou, sobretudo, na disponibilidade das autarquias e da sociedade civil”.
“Só muito recentemente a Secretaria-Geral do MAI abriu um aviso para o acolhimento e integração”, sublinha.
Numa altura em que o Governo admite tomar posse administrativa de habitações para o mercado de arrendamento, André Costa Jorge apela ao Estado que “disponibilize equipamentos que tem para que possam constituir-se estruturas de acolhimento de emergência”.
O diretor da JRS revela que vai ser lançada a 1 de março a terceira edição do "Livro Branco das Migrações", no qual se deixam "recomendações aos decisores políticos”, incluindo propostas que “vão no sentido de se alterar alguns aspetos do quadro legislativo”.
André Costa Jorge entende que a Nova Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo (APMA) e que vai substituir o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) não deve iniciar funções sem antes ouvir as associações, porque “ouvir quem está no terreno é um ato de sabedoria e de humildade”.
Um ano depois da invasão da Ucrânia, que balanço é possível fazer das políticas de acolhimento de refugiados no nosso país?
Parece-nos que, do ponto de vista global, reconhecemos que aconteceram coisas muito positivas, uma delas a nível nacional, que tem a ver com a mobilização da sociedade, e, a nível da resposta do Estado, a criação de uma espécie de via rápida para a integração destas pessoas.
Um exemplo disto foi a iniciativa de uma série de entidades públicas e privadas que concederam vagas especiais para os estudantes para o Ensino Superior oriundos da Ucrânia.
A nível europeu - e Portugal também acompanhou esta medida - foi a liberdade de circulação e fixação na União Europeia, que não aconteceu, por exemplo, com os sírios. Isso é muito importante, percebermos que houve uma política europeia de acolhimento, hospitalidade. Este é um sinal positivo, mesmo tendo em conta, por contraponto, tudo aquilo que não tem sido feito, o que não foi feito, por exemplo, na crise de 2015, em que a Europa impediu que as pessoas pudessem chegar de forma legal e segura. Impediu na prática… Na verdade, as pessoas chegaram à Grécia, como todos os vimos, de barco, correndo risco de vida. Muitos morreram no processo, atravessando o mar.
No caso dos cidadãos da Ucrânia - digo cidadãos oriundos da Ucrânia, não apenas ucranianos - todos presenciamos algumas dificuldades que aconteceram nas fronteiras da Ucrânia, com não-ucranianos barrados ou impedidos, numa primeira etapa, de sair da Ucrânia.
Essa dicotomia de tratamento persiste?
Não nos têm chegado relatos nesse sentido. Foi reportado na altura, nos primeiros meses, na maior vaga de saídas da Ucrânia. Foi reportado em vários órgãos de Comunicação Social que cidadãos não-ucranianos - estudantes universitários, trabalhadores migrantes que se encontravam na Ucrânia - estavam a ser impedidos de sair. Não temos relatos atuais de que isso esteja a acontecer, mas admito que seja uma dificuldade para os cidadãos não-ucranianos ou não objetivamente reconhecidos como cidadãos da Ucrânia…
Será difícil perceber quantos é que, efetivamente, permanecem no país ao fim de um ano de guerra...
Exatamente. Os dados de Portugal, todos sabemos, têm sido divulgados. O SEF e o Governo publicaram-nos: aproximam-se das 58 mil proteções temporárias. Lisboa, Cascais, Porto, Sintra e Albufeira, porque também já existe uma comunidade ucraniana no Algarve, são os concelhos que receberam mais população.
Nesses concelhos, falando mais popularmente, as casas são caras. A habitação continua a ser um dos principais problemas para a integração destes refugiados?
É um dos aspetos mais difíceis neste processo. O acesso à habitação é uma questão qu está em grande debate na sociedade portuguesa, porque há uma crise de âmbito nacional, não afeta apenas os migrantes, os estrangeiros: afeta a sociedade portuguesa de maneira geral, afeta os jovens, afeta os idosos…
Torna o tema mais sensível, imagino…
É um tema transversal à sociedade portuguesa. Sabemos que todas as pessoas estrangeiras, migrantes, minorias, são, digamos, mais afetadas pela crise do mercado de habitação ou do acesso à habitação.
Há também proprietários renitentes a alugar as casas a pessoas nessa situação?
Sim. Por exemplo, criou-se o programa "Porta de Entrada", que, na nossa perspetiva, não responde à urgência. Na maioria das vezes, não temos respostas: ou são demasiado lentas ou não acompanham as necessidades habitacionais urgentes destas pessoas. São pessoas que não têm sítio onde estar.
Comparando com a resposta da sociedade civil portuguesa, esta foi, nalguns aspetos, muito disponível para o acolhimento. Centenas, diria mesmo milhares de famílias portuguesas disponibilizaram-se para acolhimento. Muitas destas iniciativas não foram muito pensadas, muito organizadas ou estruturadas, mas eram cheias de boa intenção, cheias de coração. Conseguimos aproveitar algumas destas iniciativas no âmbito do trabalho que fazemos, quer no Serviço Jesuíta aos Refugiados, quer ao nível da Plataforma de Apoio aos Refugiados, e recorremos à disponibilidade das famílias acolhedoras, numa primeira etapa. Também criamos, através destes grupos de voluntários espalhados por todo o país, a que nós chamamos comunidades de hospitalidade, uma rede de senhorios amigos, pessoas com quem já tínhamos uma relação, no âmbito do acolhimento de cidadãos do Afeganistão. Algumas destas pessoas acabaram também por manter o arrendamento e alargar a sua disponibilidade para o acesso à habitação a pessoas vindas da Ucrânia.
De uma maneira geral, a resposta pública é lenta, veio tarde e nem sempre adaptada às necessidades de acolhimento de urgência. É isso?
Não querendo salientar aspetos negativos - volto a dizer que correu muita coisa bem do ponto de vista da disponibilidade, quer da sociedade civil quer da resposta da União Europeia e do Governo português - uma das coisas que percebemos é que não existiu, propriamente, um programa de acolhimento, como aconteceu com outros programas que estabeleciam um itinerário de acolhimento de urgência ou de emergência. Isso permitiria que as organizações tivessem um quadro de funcionamento, pudessem fazer um acompanhamento técnico especializado. É necessária, também, a dimensão profissional nestas matérias.
Só muito recentemente a Secretaria-Geral do MAI abriu um aviso para o acolhimento e integração. Passaram quase oito meses até abrir um aviso que já permite financiar algumas medidas de acolhimento. Até aí, o esforço de acolhimento assentou, sobretudo, na disponibilidade de algumas autarquias e na sociedade civil.
Temos uma experiência concreta: felizmente, conseguimos, graças ao generoso apoio e dos muitos donativos que as pessoas nos fizeram chegar, que o Seminário de Cristo-Rei, em Vila Nova de Gaia, com o apoio dos Redentoristas, se transformasse numa estrutura de acolhimento. O seminário não estava propriamente a ser utilizado como tal e acolhe neste momento cerca de 100 pessoas oriundas da Ucrânia.
Prédios do Estado que estão devolutos poderiam servir também para esse efeito?
Isso é verdade. Há muitos anos que fazemos o apelo para que o Estado disponibilize equipamentos que tem - estruturas grandes, estruturas com grande capacidade - para se constituir estruturas de acolhimento de emergência.
Porque também percebemos - a experiência diz-nos - que, antes de colocar as pessoas em habitação autónoma, muitas vezes é necessário perceber bem qual é o perfil das pessoas, qual é a situação, até do ponto de vista da saúde mental, se têm condições de sustentabilidade…
Têm de ter alguma serenidade antes de dar esse passo…
Exatamente. As estruturas de acolhimento de emergência são sempre necessárias para responder a situações de emergência, quando as pessoas apenas trazem a roupa do corpo, vêm desestruturadas. Nalguns casos, transportam nelas próprias uma história de separação traumática, as famílias vieram incompletas, os maridos ficaram a combater, as mulheres vieram com filhos….
Isso nos caso em que em que não morreu ninguém…
Exatamente. A experiência da perda - já percebemos isto desde o tempo em que acompanhamos os primeiros refugiados, seja do Sudão, da Síria, da Eritreia e do Iraque, mais recentemente do Afeganistão e agora da Ucrânia - tem dimensões que são comuns a todas as pessoas que deixam tudo para trás.
Este foi um aspeto que, de alguma forma, não foi tido em conta ou não foi tão considerado no início deste ano. Houve uma grande disponibilidade para que as pessoas conseguissem - e isso está certo - os chamados "números mágicos" que permitem o acesso à integração, nomeadamente o acesso ao número de identificação da Segurança Social, número de identificação fiscal e o acesso à saúde. Esses três números permitem que as pessoas rapidamente possam autonomizar-se. No entanto, focou-se muito essa perspetiva de as pessoas poderem ter rapidamenta acesso ao mercado de trabalho, mas a experiência também nos diz que as pessoas refugiadas nem sempre estão disponíveis para aceder de imediato ao mercado de trabalho.
Por exemplo, as pessoas com crianças a cargo, e tivemos muitas mulheres com filhos a cargo, não estão propriamente disponíveis para deixar os filhos e nem há estruturas de acolhimento capazes.
Depois de uma experiência tão traumática…
As pessoas têm de ter um tempo para respirar um pouco, para se estruturar. E esse acompanhamento tem de ser feito no terreno, quase diria caso a caso.
Confirma que a maioria dos refugiados ucranianos que Portugal acolheu já partiu para outras paragens?
Não sei. Mas a mobilidade, os chamados movimentos secundários - perdoem-me esta designação técnica - não são uma novidade no acolhimento de pessoas refugiadas e deslocadas à força.
No nosso caso, as pessoas ucranianas que tinham cá familiares conseguem mais rapidamente fixar-se. As outras pessoas têm de tomar decisões e, enfim, tendo em conta o seu desenquadramento com o país de acolhimento, muitas vezes não é aqui que querem permanecer. Isso é normal, é natural que as pessoas, sendo adultas e autónomas, possam pensar em ir para outro para outro país.
Em relação aos cidadãos ucranianos, acresce um outro fator, que tem a ver com o facto de esta guerra ter conhecido também várias fases, várias etapas. Numa primeira etapa, pensava-se que a guerra estava perdida, que a invasão russa iria ser rápida. Aliás, pensavam os próprios russos que iria ser rápida e que o colapso do Governo ucraniano também seria rápido. Portanto, as pessoas queriam sair o mais depressa possível. Depois, à medida que se foi percebendo que o exército ucraniano e o Governo ofereciam resistência, que algumas zonas do país não estavam a ser assim tão afetadas, algumas pessoas pensaram em regressar. É normal que regressem ao país de origem.
Além disso, é bom lembrar que Portugal está no extremo oposto à Ucrânia. Entre Portugal e a Ucrânia há uma série de outros países e, dada a mobilidade que as pessoas têm, podem circular no espaço europeu e optar por melhor, noutro país. Muitas destas pessoas acabaram por decidir regressar, senão à Ucrânia, a países mais próximos da Ucrânia, como a Polónia, a Alemanha ou até países que ficam a meio caminho como a França e por aí fora.
Apesar de tudo, acho interessante que tenham permanecido tantas pessoas em Portugal, porque não é fácil. Sabemos o custo da habitação, sabemos que a aprendizagem da língua portuguesa é difícil... Portanto, o desafio da integração é muito exigente para quem chega. E, volto a dizer isto: as pessoas, as famílias estavam incompletas, é normal que algumas queiram estar o mais próximo possível dos seus familiares.
Já falou do esforço da sociedade no acolhimento de refugiados da Ucrânia e gostaria de colocar em contraponto o por vezes não tão efusivo acolhimento de refugiados de outras paragens. As políticas de imigração em Portugal estão sob grande discussão pública, com várias tomadas de posição diferentes dos partidos e isso estará a ter efeitos na sociedade, com novos episódios de intolerância. Perante agressões a imigrantes ou atos de xenofobia e racismo, é necessária uma condenação mais veemente por parte das autoridades?
Parece-me importante sublinhar a posição do senhor Presidente da República nesta matéria. Ele, que é o mais alto magistrado do país, foi muito esclarecedor. Os atos de agressão a cidadãos migrantes, seja porque razões for, são altamente condenáveis. Quer dizer, não podem acontecer e, sobretudo, não podem ser desculpados, não é? Não pode haver uma espécie de silêncio sobre esse tipo de gestos: sejam agressões físicas, sejam de exclusão ou de xenofobia. É preciso que todos percebamos de uma vez por todas que as palavras também matam, também podem fomentar sentimentos xenófobos.
Encontra em alguns discursos políticos matéria para se falar de xenofobia e discriminação?
Sim, há sempre. O meu receio é que a temática das migrações seja polarizada em posições conflituais. Claro que temos que ter, na minha perspetiva, ideias claras sobre a questão das migrações. E as ideias claras, na minha perspetiva, têm a ver, em primeiro lugar, com o facto de que Portugal é um país aberto, um país de migrantes, e é bom recordar que recordar que há mais de cinco milhões de portugueses lá fora. E em cada 10 de Junho, celebramos as comunidades portuguesas no mundo. Portugal é um país aberto ao mundo, tem uma tradição universalista.
Em segundo lugar, Portugal tem uma tradição de hospitalidade que deve honrar. Acolhe bem é um país reconhecido internacionalmente pelas suas políticas de acolhimento. É dos países mais bem classificados em termos de políticas de acolhimento e de integração de migrantes.
Em terceiro lugar, creio que não devemos estar descansados: devemos continuar sempre a reiterar estas dimensões.
Mas não é preocupante termos os dois principais partidos com ideias diferentes sobre a política de imigração?
Eu não consigo perceber que haja uma diferença muito clara das ideias. O que pode haver é algumas discussões, algumas disputas mais sobre como fazer. Talvez seja mais por aí e não propriamente porque existam posições pró e contra as migrações ou o acolhimento de migrantes.
As sociedades europeias em geral e Portugal em particular enfrentam um problema demográfico, um problema de envelhecimento, um problema de necessidade de mão-de-obra, mas, ao mesmo tempo, não têm tido capacidade de criar uma respostas eficazes de acolhimento. Voltamos a falar esta matérias como o acesso à habitação, o acesso à saúde, o acesso a direitos fundamentais em que as pessoas possam participar. Todas estas dimensões são desafiantes para as sociedades que acolhem e nós temos que criar condições para um acolhimento condigno.
Aquilo que temos a fazer é um bom balanço entre as necessidades de acolhimento para agora e para o futuro. As necessidades de criar condições para que as pessoas que chegam tenham condições condignas. É preciso criar mecanismos e políticas que permitam que as pessoas não fiquem, como vimos, em explorações agrícolas, em situação de exploração de mão-de-obra ou em condições de vida completamente inaceitáveis, migrantes em situação de sem-abrigo.
Estas situações criam na sociedade portuguesa um sentimento de que as pessoas representam uma ameaça, porque estão em situação de pobreza. Quando vemos a situação de sobrelotação em algumas habitações, temos que nos lembrar do que aconteceu ao longo dos anos quando recebemos população, por exemplo, de Cabo Verde. O que havia nas grandes cidades eram bairros de barracas.
Essa situação já não é possível em Portugal...
É muito difícil haver novas construções, como essas.
Mas essas eram muito visíveis...
Eram visíveis, estavam lá...
E agora são invisíveis…
Agora, as condições de habitação são mais difíceis. As pessoas ocupam espaços em regime de cama quente e sobrelotação. Aparentemente, ficam invisíveis porque não são barracas, não ficam na periferia da cidade, estão dentro das cidades ou nas localidades, em explorações, agrícolas, etc. Numa política municipal que apoie o acolhimento e integração, a pergunta que fica é: temos tido políticas de habitação de acolhimento? Há pouco tempo, estive com um presidente de Câmara no Alentejo...
E qual foi a resposta?
Vou-lhe dar este exemplo: nós [JRS] fomos das primeiras instituições a ter um centro local de apoio à integração de migrantes, um CLAI. Já existe há 20 anos.
Eu estive há pouco tempo com um presidente de Câmara, no Alentejo. A reunião foi ao final da tarde e eu percebi, pelos seus traços físicos, que havia uma série de pessoas oriundas da Índia, do Paquistão, do Nepal, do Bangladesh, a acabar o seu dia do trabalho. Perguntei ao autarca se ele tinha na localidade um centro local de apoio à integração de imigrantes, que repito já existem há 20 anos. Ele disse-me que não.
Portanto, a pergunta é: de que é que as autarquias estão à espera para criar mecanismos de apoio à integração destas pessoas? Não podemos continuar a fingir que elas são só mão-de-obra, porque não são. As pessoas não podem ser olhadas apenas numa única dimensão ou numa dimensão economicista que desagrega outras dimensões que são fundamentais.
Se nós queremos ter uma sociedade coesa, quando dizemos que Portugal precisa de migrantes, então também temos que pensar noutras dimensões, temos de pensar em instrumentos que permitam que quem acolhe também o possa fazer de forma integrativa. Quando acolhemos alguém em nossa casa, não podemos esperar que a casa e o regime da casa fiquem exatamente igual ao que estavam, não é?
Assim, compreende-se como se pode ver, por exemplo, a situação noticiada nos últimos dias de imigrantes a viverem debaixo de um viaduto, perto da estação de Campanhã, no Porto. São trabalhadores, na sua maioria...
Sim, nós aí temos que perguntar aos responsáveis. Os decisores políticos locais são os primeiros responsáveis pela criação de políticas e de medidas que apoiem a inclusão. Não podem, na minha perspetiva, ignorar a existência de outros cidadãos nos seus concelhos.
A perspetiva não pode ser a de que essas pessoas não votam. Não votam ainda! O que temos que fazer é que essas pessoas também passem a votar, uma vez que residem naqueles municípios. O desafio do acolhimento é um dever para a sociedade civil, em primeiro lugar para os vizinhos, para a rede, para a comunidade concreta, para as comunidades concretas que acolhe, pois não podemos viver de costas viradas ou com suspeição sobre as pessoas que recebemos. Diz respeito às políticas municipais e diz respeito às políticas nacionais e europeias, numa lógica e numa perspetiva em que as coisas se articulam umas nas outras
Nós entendemos que a União Europeia deve ter uma política mais proativa de proteção das pessoas migrantes. Depois, a nível nacional, deve haver políticas que promovam o acolhimento, promovam a integração das pessoas e o acesso das pessoas ao mercado de trabalho, o acesso à língua, o acesso à saúde, enfim ,às dimensões fundamentais. Depois, ao nível municipal, tem que haver políticas que favoreçam também a integração e a participação das pessoas na sociedade local, nas missões locais onde estão, não só ao nível do trabalho. Se as pessoas participam da atividade económica das empresas dos municípios, então os municípios também as têm de as considerar como os seus concidadãos.
Na minha perspetiva, tem faltado esta visão mais ousada, mais universalista. Já percebi que alguns autarcas têm medo de dizer declaradamente que os novos cidadãos que chegam devem ser tratados como munícipes de pleno direito também.
Portugal vai atribuir automaticamente autorização de residência de um ano a imigrantes lusófonos e pretende legalizar 150 mil imigrantes dos PALOP até março. A portaria do Governo ainda não foi publicada, mas, a ser assim, não poderemos falar de discriminação, depois de termos falado de emigrantes de tantos locais do mundo?
Eu diria que esta medida é uma medida positiva, mas tardia. Tardia porque o processo da regularização foi anunciado em 2020. Já podia ter sido executado, não é?
Mas é positiva porque revela uma preocupação E temos que olhar também para o momento em que está a acontecer. Ou seja, acontece quando ocorre a extinção do SEF.
A demora está ligada às dificuldades do SEF?
Exatamente. Há uma preocupação na qualidade da passagem dos processos do SEF para a nova entidade que vai surgir, a nova agência chamada Agência para as Migrações e Asilo ( APMA). As medidas de regularização que o Governo tomou parecem-me corretas. No entanto, entendemos que deve haver também uma abrangência para a regularização não apenas das pessoas da CPLP, mas a todos os estrangeiros em situação irregular e que têm processos pendentes.
Eu percebo que haja, politicamente, maior conforto na dimensão da CPLP. É a população com quem Portugal tem uma ligação histórica e estamos relativamente habituados - vamos dizer assim - a termos estas pessoas oriundas de países africanos e também do Brasil. Mas eu creio que não devemos excluir outras pessoas. Há muitas pessoas, sobretudo oriundas da Ásia do Sul edo Norte de África, com alguma dificuldade no acesso a plenos direitos. As medidas de regulação devem ser mais alargadas e proteger as pessoas todas.
A nova Agência Portuguesa para as Migrações deve ouvir as associações no terreno antes de iniciar funções?
Sim. Diria - até para responder também com uma provocação - que alguns políticos dizem que não têm que receber lições sobre migrações. Eu devo dizer que ouvir quem está no terreno e trabalha todos os dias com essa realidade é um ato de sabedoria, é um ato de humildade, porque nós podemos aportar às decisões políticos essa experiência que trazemos do terreno.
Aliás, para facilitar a vida os políticos, vamos lançar no próximo dia 1 a terceira edição do Livro Branco das Migrações, que é o resultado do nosso trabalho diário no acolhimento de pessoas migrantes, os chamados migrantes económicos, nos vários centros que temos: no Centro de Acolhimento Pedro Arrupe, nos centros de atendimento, no acesso ao emprego, na capacitação que fazemos, mas também nos vários centros de acolhimento de pessoas refugiadas. No fundo, procura fazer uma radiografia da situação dos migrantes em Portugal, sobre aquilo que os impede de ter uma vivência de pleno direito na cidade portuguesa, o que é que está a obstaculizar que as pessoas possam viver de forma mais plena e como cidadãos de pleno direito em Portugal. E fazemos recomendações aos decisões políticos que, nalguns casos, vão no sentido de se alterar quer alguns aspetos do quadro legislativo.
A sugestão é de que leiam o llvro?
O livro está disponível. Podem aceder também a ele no nosso "site". As pessoas que entendam as recomendações como recomendações para que se possa melhorar a vida de todos. Em primeiro lugar, dos portugueses, beneficiando também as pessoas migrantes que estão a residir em Portugal.