A execução dos projetos do PRR continuam a receber muitos reparos por parte da Comissão Nacional de Acompanhamento destes investimentos. No relatório que esta segunda-feira é conhecido, e a que a Renascença teve acesso, pode verificar-se que dois em cada três investimentos não está a correr como foi planeado.
A apreciação global revela que, dos 86 investimentos/medidas/submedidas analisados, são apreciados com “Alinhados com o Planeamento” (31,4%), “Necessário Acompanhamento” (45,3%), “Preocupante” (19,8%) e “Crítico” (3,5%).
Dito de outra forma, o estado atual de dois em cada dez projetos é “preocupante” ou “crítico”. Este é o terceiro relatório de acompanhamento aos progressos de implementação do PRR.
Até 2026, e com a reprogramação feita recentemente, deverão ser injetados na economia portuguesa mais de 22 mil milhões de euros até 2026.
Há ainda um outro dado que pode ajudar a perceber o evoluir do PRR, dos 86 investimentos analisados, quase 25%, num total de 21 áreas tiveram uma avaliação pior este ano do que em 2022. Apenas seis, ou seja 7%, conseguiu melhor de um ano para outro a apreciação do CNA.
Os dados agora revelados dão a entender que o PRR direcionado para as empresas não está a correr como era esperado. Das 14 medias direcionadas para as empresas ou para a sua capitalização, apenas duas estão alinhadas com o que era esperado neste momento. Todas as outras são descritas como tendo necessidade e acompanhamento ou em “estado crítico”.
Habitação em situação crítica
Olhando para habitação, área crítica para o país, e na qual o Governo criou muitas expetativas de que o PRR pudesse dar um empurrão para ajudar a resolver o problema, a situação continua muito difícil.
A Comissão continua a catalogar o estado destes projetos como preocupantes, na maioria. No programa de acesso à habitação, o relatório alerta para a subida de preços das obras e a necessidade de ser célere nas alternativas para responder às diferenças.
“Face a algumas situações relatadas por autarquias, na sequência das reuniões e visitas da CNA ao terreno, recomenda-se a avaliação da possibilidade de flexibilizar a utilização da verba dos seus contratos, para permitir acomodar diferenças de custos das várias empreitadas sob a sua gestão, através da transferência interna de verbas (p.ex. obras em centros históricos por contrapartida de obras menos dispendiosas)”, lê-se no documento.
Há ainda alertas para a degradação de imóveis das câmaras. A mesma entidade recomenda que se comecem a avaliar as estratégias de sustentabilidade e continuidade de manutenção dos imóveis no futuro, que sendo uma necessidade evidente atual, “se podem transformar numa subsidiação contínua deste parque público”.
E deixa um recado: “Caso não exista capacidade, por parte de alguns municípios, de manter estas casas em condições de habitabilidade, em poucos anos poderemos voltar ao mesmo posicionamento de habitação indigna.”
Noutro vetor, o da “Bolsa Nacional de Alojamento Urgente Temporário”, a CNA considera que seria positivo o alargamento do número de casas e maior abrangência das pessoas que possam utilizar os alojamentos desta bolsa urgente e temporária, sendo também de avaliar a possibilidade de abrangência a profissionais deslocados temporariamente no território (p.ex. médicos, enfermeiros ou professores do ensino básico ou secundário) ou ainda trabalhadores sazonais.
Por fim, os programas de rendas acessíveis, a CNA também considera a situação atual destes veículos como preocupante.
As recomendações da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR
1- Maior celeridade na avaliação das candidaturas, garantido o
cumprimento dos prazos definidos nos Avisos;
2- Publicação, nos sites dos Beneficiários Intermediários, das atas de avaliação das candidaturas, com discriminação das pontuações nos critérios de avaliação, e listagem, quer dos projetos aprovados quer dos restantes, de forma a garantir total transparência em todo o processo;
3- Operacionalização do mecanismo de reposição do IVA, garantido um pagamento atempado aos beneficiários finais;
4- Reavaliar a necessidade de reforço das equipas PRR nos vários organismos (quer intermediários, quer de licenciamento, como é o caso da APA ou DGEG), tendo em atenção que não foi possível à CNA identificar se o contingente inicialmente previsto está contratado e se é suficiente;
5- Melhoria das plataformas informáticas utilizadas nas diferentes fases da gestão do projeto, desde as candidaturas até à submissão dos pedidos de pagamento e reporte da informação, garantindo mais usabilidade na sua utilização. Realça-se ainda a necessidade de interoperabilidade das várias plataformas dos beneficiários intermediários com a SIGA-PRR da EMRP;
6- Garantir celeridade na análise dos pedidos de pagamento por parte dos beneficiários finais. Deve ser equacionada a possibilidade de pagamento contra fatura, no caso em que não é a prática corrente, de forma a garantir maior liquidez aos beneficiários finais.
7- Acelerar os processos de autorizações por parte dos diferentes organismos públicos e promover uma maior cultura de cooperação e cocriação nos vários processos, centrando a atuação na resolução do problema global e não em atuações parcelares;
8- Cumprir o Plano de Avisos, por parte dos Beneficiários intermediários. Destaca-se a publicação de um plano de Avisos no site da Recuperar Portugal, mas deve ser feito um esforço adicional para que o planeamento seja cumprido;
9- Vários Avisos incluem o contributo de cada um dos investimentos para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o que se saúda. Esta prática deve ser transversal a todos os Avisos. Recomenda-se ainda que na informação publicada sobre a execução do PRR, esta ligação aos ODS seja evidente.
10- Reforçar, através de ações concretas, a promoção da igualdade de género nos investimentos PRR. Estas ações podem passar pela elaboração de guias de sensibilização para os beneficiários diretos, intermediários e finais, ou pela identificação de boas práticas a utilizar nas diferentes fases dos investimentos. Recomenda-se ainda que estas ações sejam articuladas com os diferentes organismos governamentais responsáveis.
11- Necessidade de reflexão por parte das entidades, antes de solicitar documentos de controlo, evitando a lógica de "colecionar" informação, com necessidade de imprimir uma monitorização SMART, evitando também sobrecarregar os escassos RH com análise da documentação solicitada e não estritamente necessária.
12- Definir modelos de acompanhamento que permitam, por um lado, perceber o desenvolvimento dos projetos, mas também antecipar riscos na execução.
13- Melhorar a comunicação das realizações (outputs) e resultados (outcomes) alcançados nos vários investimentos do PRR junto da sociedade civil, diversificando os meios de comunicação utilizados, de forma a poder alcançar os diferentes públicos.
14- Construir uma agenda coerente e global de avaliação de impacto do PRR, integrando os diferentes intervenientes no processo, com particular destaque para o PlanAPP, cujas competências foram alargadas no âmbito da alteração dos modelos de governação do PRR. Esta agenda, deve ter a preocupação de definir as metodologias e os indicadores a utilizar;
15- Desenvolver um dashboard de execução global do PRR, complementar à execução financeira e de cumprimento das metas e marcos, como forma de promover uma comunicação mais abrangente junto da sociedade. Este dashboad deverá conter uma análise dos investimentos a nível territorial (e, sempre que aplicável, por dimensão de empresa não financeira beneficiária), entre outras dimensões que se considerem relevantes.
Embora a CNA diga que a reprogramação em baixa das próximas metas permita aliviar a pressão desta fase, “ainda não está ultrapassada toda a fase de identificação de terrenos ou imóveis, verificação de registos, sua avaliação para efeitos de adequação ao uso de habitação, bem como todas as fases de projetos, concursos públicos e obra”.
Em suma, nenhum dos quatro vetores da habitação estão alinhados com o que estava planeado para esta fase do PRR.
E o hidrogénio?
Os projetos do hidrogénio, englobados no PRR, e que estiveram em foco no processo “Influencer” que levaram a queda do Governo, melhorou na avaliação negativa por parte da CNA.
Passou de ser considerada preocupante para a necessidade e acompanhamento. A preocupação central, relativamente a esta medida, “está nos atrasos que se verificam na entrega dos equipamentos por parte dos tecnólogos, devido a uma elevada procura nos mercados internacionais de sistemas de eletrólise e respetivo equipamento auxiliar.”
“Esta situação pode traduzir-se na dificuldade de cumprimento dos prazos, apesar da meta ter deslizado para 2025”, sublinha.
Já os projetos de descarbonização da economia em que o hidrogénio também se insere, merecem um olhar crítico da Comissão. Apesar de descreverem o número de candidaturas aprovadas, seja dos “Roteiros de Descarbonização”, seja dos “Projetos para a Descarbonização da Indústria” como significativo, e incluem um número relevante de PMEs, fruto do lançamento dos projetos simplificados, o processo de decisão dos projetos de maior dimensão e complexidade “é demorado”. Por isso, esta medida é apreciada como “preocupante”.
Considera-se ainda importante que sejam dadas indicações aos consórcios que promovem os Roteiros de Descarbonização, para que “comuniquem de forma clara e abrangente, as ações que estão a desenvolver, permitindo que mais empresas possam usufruir do conhecimento que vai sendo gerado”.
Depois o relatório reforça a necessidade de publicação das atas, após análise das alegações, “para promover a transparência, tal como efetuado por outras entidades públicas noutras medidas”.
A análise anual do CNA deixa ainda avisos ao Banco Português de Fomento (BPF). A Comissão reconhece todo o trabalho realizado pela administração e equipa do BPF na realização de atividades de divulgação e promoção dos instrumentos diretos, no fortalecimento da estrutura interna de avaliação das candidaturas e no nível da maior transparência na publicação dos resultados da avaliação, bem como no reforço da equipa ao serviço do BPF.
Mas sublinha que os resultados reportados no conjunto dos programas financiados justificam a classificação desta medida como “preocupante”. Ainda só foram pagos 79,7 milhões de euros, 6% do total, “sendo que apenas 15 empresas não financeiras receberam apoio.
Ainda assim, a Comissão valoriza que no ano de 2023, uns números crescentes dos projetos foram aprovados, acompanhado também do montante de pagamentos efetuados aos beneficiários diretos e finais.
“Ao mesmo tempo, foi possível constatar o lançamento de inúmeros procedimentos concursais, passo essencial para a concretização dos diferentes investimentos”, lê-se no documento.