A cerimónia de abertura do ano judicial está marcada para esta terça-feira pelas 15h00, hora a que devem estar a decorrer plenários sindicais convocados pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), em frente aos edifícios onde funcionam os serviços, e uma greve do Sindicato dos Oficiais de Justiça (SOJ), convocada a partir das 13h00 desse dia e até às 24h00, que se prolonga por tempo indeterminado, no mesmo período, todos os dias, até haver resposta do Governo às reivindicações sindicais.
O plenário dos funcionários judiciais e oficiais de justiça promete mesmo parar os tribunais. Enquanto a ministra da Justiça, PGR, bastonária dos advogados, presidente do Supremo e Presidente da República discursarem, lá fora em pleno Terreiro do Paço vão estar ecrãs que vão mostrar funcionários judiciais em protesto à porta de vários tribunais por esse país fora.
António Marçal, do Sindicato dos Funcionários Judiciais, diz que o plenário descentralizado é a forma de fazerem ouvir a sua “voz perante os discursos bonitos que vão ser feitos no salão nobre do Supremo Tribunal de Justiça".
"Vamos ter esse protesto de cada tribunal projetado no Terreiro do Paço, para que, não tendo voz dentro da sala, possa ser visível este nosso desconforto pelo facto de continuarmos a ser os invisíveis no sistema, mas sem nós o sistema não trabalha."
O sindicalista adianta que, em mãos, vai ser entregue um pré-aviso de greve de 15 de fevereiro a 15 de março, uma greve às diligências, pagamentos a advogados e administradores de insolvência.
“Em 2023, ir-se-ão aposentar mais 400 oficiais de Justiça, ou seja, ao défice que já existe e que é conhecido e que a própria ministra da Justiça reconhece que os sucessivos bastonários da Ordem dos Advogados reconhecem, a senhora procurador-geral da República reconhece, o senhor presidente do Supremo Tribunal de Justiça reconhece, vão juntar-se mais 400 e a estes há que também somar o cada vez maior número de oficiais de Justiça que estão a procurar carreira noutras áreas: da Segurança Social, da Polícia Judiciária, das Finanças”, argumenta.
O dirigente sindical mostra-se preocupado com a falta de ação do Ministério da Justiça e diz esperar que “mais do que palavras, mais do que discursos bonitos, haja uma decisão de agir, de fazer”.
“Entendemos que o país pode não ter condições para resolver tudo de uma única vez, mas é chegado o momento de definir um plano que signifique que haja uma admissão de oficiais de justiça que corresponda às respetivas necessidades”, defende.
“Sistematicamente, não há investimento”
Também os juízes consideram que esta cerimónia serve para reforçar diagnósticos há muito feitos. Por isso, Manuel Ramos Soares, da Associação Sindical de Juízes, não espera nada de novo na abertura do ano judicial.
“As aberturas dos anos judiciais parecem um ‘déjà vu’. Os problemas parecem repetir-se, os diagnósticos também, e as mesmas propostas infinitamente repetidas de ano para ano. Isto o que nos leva a pensar é que parece haver um desfasamento entre aquilo que são as perceções das pessoas sobre a justiça e aquilo que depois é o empenhamento político nessa área da governação. Sistematicamente não há investimento. Portanto, eu às vezes fico a pensar será mesmo que existe uma crise da justiça?”, diz
Na visão de Manuel Ramos Soares, há problemas graves que são protelados anos após ano.
“Há um problema gravíssimo de acesso à Justiça. Os cidadãos que têm rendimentos médios, pessoas de classe média e pessoas remediadas, mas com dificuldades para pagar as contas, não conseguem aceder à justiça porque a justiça é muito cara e, portanto, a justiça, na verdade, é um direito fundamental que está acessível às pessoas com possibilidades económicas e às pessoas mais indigentes, digamos assim, porque essas conseguem passar as malhas do apoio judiciário. As pessoas que têm dificuldades não conseguem ter dinheiro para pagar um advogado e para pagar as taxas de Justiça”, denúncia.
A falta de meios é outro dos problemas que ensombra a Justiça.
“Nós continuamos a ter investigações em que existe uma demora excessiva para certas diligências por falta de perícias, por falta de dinheiro, enfim, um problema que está diagnosticado há muito tempo. E como quem atribui os meios são os governos, é o Parlamento é o poder político, o cidadão perante as queixas sistemáticas que o Ministério Público não tem meios para investigar melhor, naturalmente soma dois e dois e diz que são quatro e diz ‘bom então se o poder político que tem competência para atribuir os meios não os atribui então é porque o poder político não está interessado no funcionamento do Ministério Público’”.
“E eu diria que se o poder político quer livrar-se desta critica, se ela for injusta, atribua os meios necessários”, remata.
“Que tipo de investimento pensa o Governo fazer?”
Já o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Adão Carvalho, reforça que os problemas não são se hoje.
“Uma falta de funcionários judiciais, um quadro deficitário de magistrados do Ministério Público, falta de condições de trabalho, designadamente, como já aconteceu este ano, falta de papel, falta de toner, falta de equipamentos informáticos adequados, aquilo que tem a ver com os equipamentos da Justiça”, enumera.
O sindicalista questiona, por isso, o Governo sobre que tipo de investimento é que pensa fazer na Justiça.
“Todos nós sabemos que os tribunais, alguns não cumprem requisitos básicos, desde o acesso a pessoas com mobilidade reduzida, não têm, não estão adaptados para o permitir”, diz, mostrando-se “muito cético e achando que pouco ou nada vai mudar do que a situação que temos atualmente”.
É que segundo Adão Carvalho, “estes problemas não são de 2022, não são problemas decorrentes da pandemia, são problemas que resultaram do desinvestimento durante vários anos no sistema de Justiça”.
“Funcionários e magistrados muito envelhecidos, grande parte dos magistrados já estão numa idade envelhecida, em que não houve investimento, portanto, no recrutamento de novos magistrados”, aponta, realçando ser importante “perceber meia dúzia de medidas que podiam ser já implementadas e que se pudesse percecionar que esta equipa do Ministério da Justiça veio fazer algo diferente do que tem sido a política dos sucessivos governos nesta área”.
A abertura do ano judicial, que se realiza no STJ, em Lisboa, conta com as intervenções do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, da ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, do presidente do STJ, Henrique Araújo, da procuradora-geral da República, Lucília Gago, e da bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro, que se estreia neste dia.