Oficial: Eutanásia aprovada no Parlamento é inconstitucional
15-03-2021 - 17:43
 • Paula Caeiro Varela, Susana Madureira Martins, Eunice Lourenço

Tribunal Constitucional dá razão parcial ao Presidente e reprova diploma aprovado por maioria absoluta dos deputados. Lei é devolvida ao Parlamento para alteração pelos partidos.

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O Tribunal Constitucional (TC) deu razão ao Presidente da República e decidiu pela inconstitucionalidade de vários artigos da lei da eutanásia, aprovada no Parlamento. O assunto, ao que a Renascença sabe, não foi pacifico no TC e até motivou a mudança de relator, mas a inconstitucionalidade acabou por ser votada por uma maioria de sete juízes contra cinco.

De acordo com a decisão divulgada esta segunda-feira, o Tribunal considera que é preciso definir melhor o conceito de “lesão definitiva” incluída na lei como condição para a prática da eutanásia.

Já quanto ao outro conceito que o Presidente tinha pedido para ser verificado por considerar indefinido – o de “sofrimento intolerável” -, os juízes consideram que pode manter-se.

No seu pedido de verificação preventiva da constitucionalidade, o Presidente da República tinha pedido que os juízes avaliassem sobretudo cinco artigos da lei questionando a indefinição de conceitos como a “situação de sofrimento intolerável” e “lesão definitiva extrema de acordo com o consenso científico” usado no decreto aprovado por uma maioria absoluta dos deputados.

Contudo, aqui os juízes não deram razão ao Presidente. “O Tribunal entendeu que o conceito de “sofrimento intolerável”, sendo embora indeterminado, é determinável de acordo com as regras próprias da profissão médica, pelo que não pode considerar-se excessivamente indeterminado e, nessa medida, incompatível com qualquer norma constitucional”, leu o presidente do TC, Pedro Caupers.

“No tocante à segunda dúvida de constitucionalidade referida pelo Senhor Presidente da República no seu pedido de fiscalização preventiva, o Tribunal entendeu que o conceito de” lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico”, pela sua imprecisão, não permite, ainda que considerado o contexto normativo em que se insere, delimitar, com o indispensável rigor, as situações da vida em que pode ser aplicado”, prosseguiu o juiz-presidente, dando nesta parte razão ao requerimento presidencial.

Para Marcelo Rebelo de Sousa , “a total ausência de densificação do que seja lesão definitiva de gravidade extrema, nem de consenso científico” faz com que se possa considerar que o legislador não dá ao médico interveniente no procedimento “um quadro legislativo minimamente seguro que possa guiar a sua atuação”.

No requerimento que enviou ao TC, o Presidente vai ainda mais longe e manifesta o seu entendimento de que a eutanásia só deve ser permitida em caso de doença fatal.

“Sendo o único critério associado à lesão o seu carácter definitivo, e nada se referindo quanto à sua natureza fatal, não se vê como possa estar aqui em causa a antecipação da morte, uma vez que esta pode não ocorrer em consequência da referida lesão, tal como alerta, no seu parecer, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida”, escreve o Presidente, que baseou todo o seu pedido nos argumentos da indefinição e na insegurança jurídica e não na eventual violação do artigo constitucional que garante o direito à vida.

Divisões e correções

Marcelo tinha deixado bem claro que o objeto do seu requerimento não era “a questão de saber se a eutanásia, enquanto conceito, é ou não conforme com a Constituição”, mas sim a concreta regulação da eutanásia. E o Tribunal acaba por, no mesmo acórdão em que dá razão parcial ao Presidente, dizer que o conceito de eutanásia por si não viola a lei fundamental.

“Considerou o Tribunal que o direito a viver não pode transfigurar-se num dever de viver em quaisquer circunstâncias. Na verdade, a conceção de pessoa própria de uma

sociedade democrática, laica e plural dos pontos de vista ético, moral e filosófico, que é aquela que a Constituição da República Portuguesa acolhe, legitima que a tensão entre o dever de proteção da vida e o respeito da autonomia pessoal em situações-limite de sofrimento possa ser resolvida por via de opções político legislativas feitas pelos representantes do povo democraticamente eleitos como a da antecipação da morte medicamente assistida a pedido da própria pessoa”, lê-se no comunicado divulgado esta segunda-feira.

O que a legalização da eutanásia implica é que “as condições em que, no quadro desse sistema, a antecipação da morte medicamente assistida é admissível têm de ser claras, precisas, antecipáveis e controláveis”.

Ou seja, é a concreta regulação que o Tribunal agora aponta como inconstitucional. Depois da divulgação deste acórdão, a lei volta para o Parlamento e os partidos podem voltar a apresentar uma nova versão do diploma para tentar contornar as inconstitucionalidades apontadas no acórdão em função da argumentação invocada pelos juízes.

Os partidos devem também contar com posterior novo envio para o TC. E não devem remeter a “densificação” da lei para posterior regulamentação porque o Presidente já avisou que não aceita esse caminho.

“Sendo o presente Decreto o único instrumento legislativo que pode ser analisado neste momento, e padecendo ele das insuficiências assinaladas, a sua inconstitucionalidade não pode ser sanada com a expectativa de um regime futuro, cujo conteúdo se desconhece, ainda que dele o legislador faça depender a entrada em vigor do regime presente. É sobre este, e apenas sobre ele, que deve recair o juízo de conformidade constitucional”, escreve Marcelo no seu requerimento.

O acórdão do Tribunal Constitucional foi aprovado por uma maioria de sete juízes a favor. Cinco juízes votaram vendidos. A divisão entre os juízes ficou patente na discussão e votação do primeiro memorando – um documento que serve para uma discussão inicial e para aferir a sensibilidade dos juízes. Depois dessa discussão e tendo em conta que o redator do memorando tinha um entendimento pró-constitucionalidade que não era o da maioria dos juízes, procedeu-se à mudança de relator para que o projeto de acórdão já refletisse a posição da maioria. O relator final acabou assim por ser Pedro Machete, que é também vice-presidente do TC.