A velocidade a que circulava a viatura de Eduardo Cabrita que colheu um trabalhador na A6, no dia 18 de junho, “pode ter tido uma contribuição decisiva”, para a ocorrência do atropelamento”, afirma João Dias ao programa de informação da Renascença “Em Nome da Lei”.
O perito em acidentes rodoviários admite que o trabalhador até pode ter visto a viatura. Mas a velocidade a que ela se aproxima, faz a diferença entre a vida e a morte: “se a distância de visibilidade for 200 metros, o trabalhador olha e diz, não vem nenhum veículo e ele tem cinco ou seis segundos para atravessar a faixa de rodagem. Mas se o veículo vier a 200 [quilómetros por hora], ele tem metade do tempo, três segundos depois, o veículo está em cima dele!”.
O perito e professor no Instituto Superior Técnico explica que “a velocidade é um fator preponderante na ocorrência dos acidentes e nas suas consequências” e por isso e é “muito importante apurar a que velocidade seguia a viatura de Eduardo Cabrita porque ela pode ter tido uma contribuição decisiva para a ocorrência do atropelamento mortal”.
João Dias admite, no entanto, que “a velocidade pode não ter sido registada pelo veículo”. O que acontece normalmente, explica “é que esses dados ficam registados quando há uma situação de colisão, ora neste caso pelas fotos que eu vi do carro no local do acidente, os airbags não foram acionados. E, portanto, o atropelamento pode ter sido registado como uma pequena colisão. E nesse caso, o sistema não guarda os dados.”
De qualquer forma, explica o professor do IST, é sempre possível avaliar a velocidade a que seguia Eduardo Cabrita, por outros elementos, que estarão a ser recolhidos pela peritagem que a GNR estará a fazer, no âmbito do inquérito-crime aberto pelo DIAP de Évora”.
O atropelamento mortal causado pela viatura usada pelo MAI deu origem à abertura de três inquéritos: um deles do INEM, de âmbito interno, que visa apurar as circunstâncias em que foi prestado o socorro à vítima, porque, aparentemente, o INEM recebeu uma informação errada sobre o sentido da autoestrada em que se deu o acidente, o que fez atrasar a chegada do socorro. Foi também aberto um processo por acidente de trabalho, no juízo de Trabalho de Évora. E está em curso um inquérito de natureza criminal, dirigido pelo DIAP de Évora e que está sob segredo de Justiça.
Segundo o penalista Tiago Geraldo “havendo uma morte, a investigação criminal estará centrada na existência de um homicídio por negligência”. Mas por esse crime, que implica a violação de um dever de cuidado, que pode ser a velocidade excessiva, apenas deverá responder o motorista.
Eduardo Cabrita poderá, no entanto, ser criminalmente responsabilizado, “se ficar provado que foi o instigador, ou autor moral, de um crime de condução perigosa”. O advogado e assistente na faculdade de Direito de Lisboa considera “altamente inverosímil que o carro onde anda um ministro tenha a velocidade definida apenas pelo motorista, sem que o responsável do governo tenha uma palavra a dizer”.
Quanto à possibilidade de a viatura estar a circular em marcha de emergência, Tiago Geraldo lembra que o veículo” teria sempre de o assinalar, através da utilização de um sinal luminoso, durante o dia, ou alternando os máximos com os médios”.
Além da sinalização, uma viatura ao serviço do Estado para poder circular em marcha de emergência “terá de ter um motivo de interesse público”, acrescenta Luis Gonçalves da Silva. Para este professor da Faculdade de Direito de Lisboa,” estar atrasado para uma reunião nunca pode ser fundamento para circular acima do limite de velocidade permitidos por lei”.
O advogado da família do trabalhador mortalmente atingido pela viatura onde seguia o Ministro da Administração Interna desvaloriza a discussão em torno da marcha de emergência porque “as operações de limpeza que estavam a ocorrer na berma estavam devidamente sinalizadas, ocupavam uma traseira de uma carrinha, e, portanto, o limite de velocidade nem sequer era de 120!” José Joaquim Barros argumenta que “temos de fazer apelo à regra geral. O limite de velocidade teria de ser de forma a permitir a imobilização da viatura perante qualquer obstáculo que surgisse na via.”
Num comunicado emitido no dia a seguir ao acidente, o gabinete do ministro da Administração Interna afirmou que “não havia qualquer sinalização que alertasse os condutores para a existência de trabalhos de limpeza em curso”. Mas essa informação foi prontamente desmentida, entretanto pela concessionária da A6.
De acordo com a Brisa, “os trabalhos de limpeza na berma direita da A6 estavam devidamente sinalizados”.
O advogado da família da vítima diz que não tem ainda qualquer informação sobre a razão que levou o trabalhador mortalmente colhido a atravessar a faixa de rodagem em direção ao eixo central, junto ao qual foi atingido pela viatura do MAI.
José Joaquim Barros lembra que se tratava de alguém por uma grande experiência naquele tipo de trabalhos e que era conhecido entre os colegas por ser exigente no cumprimento das regras de segurança.
O especialista em Direito do Trabalho, Luís Gonçalves da Silva considera que o caso “parece reunir todos os pressupostos do que se considera um acidente de trabalho”. Para que assim não fosse “teria de ficar provado que houve negligência grosseira da parte do trabalhador e que essa foi a causa exclusiva do acidente”. Todos estes dados, que estão a ser averiguados no âmbito do processo aberto no juízo de trabalho de Évora, são determinantes para a atribuição de indemnização à família da vítima.
No apuramento de responsabilidades no âmbito da relação laboral entre o motorista e o Ministro da Administração Interna, o professor da FDL defende que Eduardo Cabrita”, enquanto superior hierárquico, tinha o dever de advertir o seu motorista de que não podia circular em excesso de velocidade”. Mas admite que acusar o MAI de comportamento doloso é altamente discutível”.
O perito em sinistros rodoviários João Dias entende que Eduardo Cabrita,” enquanto responsável máxima pela segurança rodoviária, tem responsabilidades morais e éticas de seguir os limites de velocidade”. E lembra que” Portugal é um dos países com maior taxa de sinistralidade. De acordo com as estatísticas mais recentes, só alguns países de Leste têm mais acidentes na estrada do que nós”.
Por seu turno o penalista Tiago Geraldo lembra que “há um princípio na Constituição que é o do Estado de Direito e que isso significa que o Estado é o primeiro a ter de subordinar-se às regras que cria”.
Neste caso, isso quer dizer que o MAI deveria ter tido um comportamento exemplar, em matéria de transparência sobre o que aconteceu, nomeadamente sobre a velocidade a que a viatura seguia.”
O advogado da ML entende que o caso deve ser esclarecido “mesmo fora do processo para escrutínio de todos”.
Também o advogado da família da vítima critica a falta de transparência com que o MAI lidou com este caso e insurge-se contra o facto de o inquérito-crime ter ficado sujeito a segredo de justiça.”
José Joaquim Barros diz que “o segredo de justiça sempre lhe levantou muitas dúvidas, mas aceita que em determinados casos até se justifica, mas neste caso concreto, como em qualquer acidente de viação, não vejo nenhuma razão para que haja segredo de justiça”.
Sobre a possibilidade veiculada por alguns órgãos de informação, de que a GNR não tenha feito o teste de álcool ao motorista de Eduardo Cabrita, José Joaquim Barros diz que se “foi mesmo assim, estamos perante uma infração gravíssima, até porque havendo uma morte, não basta o mero teste do balão, tem de ser feita a confirmação por colheita de sangue, com outro rigor sobre o teor de alcoolémia”.