Há anos que Marcelo Rebelo de Sousa “vende” Carlos Moedas, em conversas mais ou menos privadas, como um dos protagonistas do futuro da direita e também há anos que o Presidente da República se preocupa com a situação da direita, com a necessidade de alternativa. A candidatura de Moedas à Câmara de Lisboa dá resposta a alguns anseios de Marcelo e de boa parte da direita e alivia a pressão sobre Rui Rio.
“Marcelo precisa de um centro-direita melhor e para um Presidente é evidente que qualquer nome mais forte por parte do PSD o satisfaz”, disse à Renascença uma fonte que acompanhou boa parte do processo de decisão sobre o candidato do PSD a Lisboa.
O nome de Carlos Moedas não foi propriamente uma surpresa, há meses que andava nas trovas lisboetas como possível escolha do PSD para candidato à câmara da capital, ainda que o próprio tenha recusado que tal estivesse nos seus planos. Nada de novo na política: negar até ao dia em que se torna verdade. Até porque, neste caso, podia mesmo não ser. O que surpreendeu foi a ocasião do anúncio, durante um jogo do Benfica e antes de uma comunicação ao país do Presidente por ocasião de mais um período de estado de emergência.
À Renascença, várias fontes garantem que a decisão tem aproximadamente 3 meses. Asseguram que existia vontade por parte de Rui Rio (que chamou a si as escolhas em Lisboa e Porto) de que o ex-comissário europeu pudesse ser o candidato social-democrata, mas tudo se precipitou na semana passada: na reunião da distrital de Lisboa do CDS, terça-feira, ninguém deu nota de que o nome de Carlos Moedas estivesse fechado, pelo que o anúncio de quinta-feira (na sequência da notícia do Nascer do Sol), apanhou de surpresa grande parte do CDS e também do PSD, já que Rui Rio nem sequer terá passado o nome pelo crivo da comissão permanente.
Fonte da direção centrista garante que Francisco Rodrigues dos Santos estava ao corrente, mas há várias fontes a contarem versão diferente, quer no PSD, quer no CDS: na véspera do anúncio, o presidente centrista ainda não tinha recebido informação do PSD sobre esta escolha. No dia seguinte não houve tempo para cumprir com protocolos, nem meter pompa e nem circunstância porque o líder social-democrata já sabia que havia jornais que sabiam. O resultado foi um anúncio quase clandestino para um candidato que foi recebido como uma forte aposta para Lisboa: Carlos Moedas surgia nas imagens remetido para segundo plano, sem dizer palavra, atrás do líder social-democrata.
Portas desafiado, ponderou, mas não ficou
Se é certo que Carlos Moedas, Miguel Poiares Maduro e Ricardo Baptista Leite eram nomes há meses apontados, a Renascença sabe que o CDS poderia de facto ter liderado a coligação, bastava que Paulo Portas tivesse aceitado o desafio que o PSD lhe lançou.
O antigo líder centrista e antigo vice-primeiro-ministro já foi candidato a Lisboa, em 2001, com um resultado de má memória para os centristas. Do cartaz que dizia "eu fico" ninguém na política nacional se esqueceu porque Paulo Portas não ficou como vereador. Agora, porém, rezam as sondagens internas do PSD que, aceitando liderar a coligação PSD/CDS, a história podia ser outra, mostrando um candidato forte que podia roubar a câmara ao socialista Fernando Medina (e complicar bastante a vida ao primeiro-ministro e secretário-geral do PS, António Costa).
Essas sondagens que lhe foram apresentadas motivaram conversas com a liderança do PSD e fizeram balançar o coração político de Paulo Portas, por lhe serem favoráveis. “Era uma eleição competitiva”, disse à Renascença um conhecedor dessas sondagens. Portas, contudo, não tinha vontade de ser presidente da Câmara e escolheu, por agora, reservar-se.
Moedas, Marcelo, Passos e como se joga o futuro do PSD
Arrumada a possibilidade Portas, tornou-se evidente que a única alternativa à altura do desafio seria Carlos Moedas, ex-comissário europeu, que no regresso de Bruxelas ocupou um dos lugares de administrador na Fundação Gulbenkian.
“Teve umas semanas largas para pensar”, contou à Renascença uma das pessoas com quem o agora candidato falou durante esse período de reflexão. E acabou por decidir que sim, que aceitava o desafio porque, conta a mesma fonte, “quer testar se é um político ou um técnico”.
Carlos Moedas entrou pela mão de Pedro Passos Coelho na arena da polícia nacional, foi seu secretário de Estado-adjunto, responsável pelas negociações com a Troika e nomeado pelo mesmo governo para Comissário Europeu. Estranha-se por isso no PSD o facto de Pedro Passos Coelho não ter sido consultado ou – pelo menos – recebido um telefonema de Moedas antes de este escolher avançar para novos voos na política.
Por outro lado, e várias fontes relatam o mesmo, Marcelo Rebelo de Sousa meteu-se no processo. “Como se mete em tudo”, disse à Renascença outra fonte que acompanhou a fase final deste processo.
O Presidente teve conversas e fez telefonemas, mobilizando quem pôde para ajudar a convencer a o ex-comissário europeu a aceitar o desafio de uma candidatura à capital.
Já em 2017, depois das autárquicas que ditaram a demissão de Passos Coelho à liderança do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa falava de Moedas, então comissário europeu, como um dos nomes para o futuro do partido. Em conversas informais, o Presidente defendia que o comissário devia fazer o seu caminho dentro do PSD. E sempre que teve oportunidade elogiou publicamente o papel de Carlos Moedas em Bruxelas.
Na última semana, Marcelo ligou a Carlos Moedas, alegadamente a saber se era verdade que ele seria o cabeça de lista. Segundo contam à Renascença, Rui Rio “fez o possível e o impossível” para que não houvesse fugas. Mas o antigo comissário europeu terá levantado a lebre quando questionou a administração se poderia manter o seu lugar na Gulbenkian caso perdesse as eleições autárquicas. Foi aí que mais gente ficou a saber da possível candidatura.
Foi-lhe dito que não poderia manter o lugar, mas mesmo assim Moedas avançou, ao fim de várias semanas em que esteve a ponderar. Por isso, as fontes que acompanharam de perto o processo, consideram que esse telefonema de Marcelo pode ter sido decisivo. E por isso, o presidente da República apressou-se em telefonemas subsequentes a negar que tenha partido dele qualquer pressão e menos ainda a fuga para a comunicação social.
Carlos Moedas terá confessado que decidiu testar se tem arcaboiço para político ou se é um perfil meramente técnico, mas no PSD as dúvidas dissiparam-se: Moedas quer mais e, com um bom resultado em Lisboa, pode ter mais. Mesmo perdendo, fica bem colocado para uma corrida futura do PSD; se ganhar, então, nem se fala. É verdade que teria provavelmente que esperar, que não iria contra Rio já nas próximas diretas, mas fica com lugar reservado. Pelo caminho, pode ter já "matado o pai", deixando Passos Coelho definitivamente no passado do PSD.
Marcelo, que não tem escondido que quer um centro-direita mais forte (até para combater os extremismos) tem estado "inquieto e irrequieto", diz fonte do PSD, neste processo autárquico, "como sempre". E Passos Coelho, que recuou e decidiu não aparecer num evento há largos meses agendado para março, já fez saber que não gostou do "excesso de simpatia" que Moedas demonstrou para com o governo socialista no final do seu mandato como comissário. Resta saber se gostou de saber pelos jornais que Moedas aceitou o desafio de Rui Rio.