Um atentado aos direitos dos cidadãos. É desta forma que os autarcas classificam a carta de perigosidade para planear a prevenção e o combate aos incêndios florestais.
Em declarações à Renascença, o presidente da Comunidade Intermunicipal de Coimbra e autarca de Montemor-o-Velho, Emílio Torrão, admite que, nos dias de risco muito elevado de incêndio, as pessoas possam ficar impedidas de sair de casa.
“Nos municípios de Arganil, Oliveira do Hospital, estou a citar alguns, e nesses territórios, quando houver risco elevado e muito elevado de incêndio, as pessoas não podem circular, porque estão circundados por medidas de restrição em função da carta que foi emitida. Não consigo descrever a carta que está toda vermelha e, portanto, as pessoas não podem circular, porque, para circular de um lado para outro, têm que passar por floresta”, diz.
"Passar as culpas” para os presidentes de Câmara
Também o presidente da Câmara de Boticas, Fernando Queiroga, diz que a lei 82/10/2022 “pura e simplesmente proíbe e tira as pessoas dos espaços rurais, o que quer dizer que as pessoas não podem trabalhar as terras, não podem levar o gado para o pastoreio normal”.
“E imagine-se, chega-se ao ponto de que as ceifas, por exemplo, só podem ser feitas até às 10h30. Só quem não conhece a realidade é que manda para fora uma lei destas, porque sabemos que as ceifas, por exemplo, só a partir das 11 da manhã”, ilustra.
No limite, sublinha o autarca, a carta de perigosidade limita os direitos dos cidadãos, “isto porque, se numa zona de alto risco de incendio, o IPMA vier dizer que há temperaturas elevadíssimas, as pessoas não podem ir para os seus terrenos, não podem fazer nada, não podem ir para a floresta”.
Por isso, Fernando Queiroga não tem dúvidas que, face a medidas tão restritivas, as pessoas vão deixar os territórios.
O representante da ANMP na comissão de acompanhamento deste dossiê, também entende que a intenção desta nova carta é passar “as culpas” para os presidentes de Câmara.
“Na lei anterior dizia que o proprietário era obrigado a limpar a faixa de gestão de combustível. Nesta lei já diz que o município deve limpar. É humanamente impossível, financeiramente impossível fazer este tipo de coisas”, diz.
“É uma lei completamente absurda, só de gente que não conhece o território e, preocupados com os incêndios que tem havido, passam isto para os municípios, que é para que, se alguma coisa correr mal, o presidente da Câmara é que é o culpado de não ter feito o que devia, isto é, as limpezas que não conseguimos”, atira.
Face à contestação dos municípios que discordam do aumento de zonas de risco de incêndio alto e muito alto nos seus territórios, as comissões sub-regionais de gestão integrada de fogos rurais têm até 31 de março para adaptar as áreas prioritárias de prevenção e segurança à “realidade territorial”.
“Nós estamos preocupadíssimos, naturalmente. Se não há o adiamento, se não há esta alteração deste dispositivo, estamos em risco de as pessoas terem que se fechar em casa”, assinala.
“Não aceitamos esta carta”
Emílio Torrão entende que não chega e pede a suspensão imediata da carta de perigosidade e exige uma nova versão do documento.
“Nós não aceitamos esta carta. Que se faça e que se elabore uma carta, como deve ser”, defende, assinalando que “aquilo que está agora a ser mitigado é que os municípios poderão - os presidentes de Câmara, a Comissão sub-regional poderá - eventualmente libertar algumas áreas ou levantar algumas restrições, mas não está correto”.
“Não me parece que são situações excecionais. Não me parece que resolva o problema. Na base está um problema que é uma carta que ninguém percebe como é que foi elaborada”, insiste.
Uma carta que, no entender do autarca, não está adaptada à realidade dos territórios.
“Por onde ocorreram os incêndios de 2017, está tudo vermelho, portanto, é assim que se resolve o problema - ninguém circula, ninguém sai - e pronto, está tudo bem, não vai haver incêndios”, remata.