O Governo garante que o despacho que pretende dar seguimento à lei sobre autodeterminação de género respeita os direitos de todos e não coloca os direitos de uma minoria acima da maioria dos alunos.
Publicado no dia 16, o despacho segundo o qual as escolas devem permitir aos alunos transgénero escolherem o nome pelo qual são tratados, assim como a casa de banho que preferem usar, gerou polémica, que começou nas redes sociais e já alastrou aos partidos.
O PSD já pediu esclarecimentos ao Governo, enquanto o líder da juventude do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, pediu a suspensão do despacho e lançou uma petição que está a correr na Internet e já reuniu mais de 20 mil assinaturas.
“O essencial deste despacho tem a ver com o nome, o nome que as crianças podem adotar na escola e pelo qual têm o direito a ser tratadas, e, naquilo que tem dado grande celeuma, determina também que seja facultada a estas crianças o acesso a casas de banho e balneário no respeito pelo sua privacidade e intimidade. E diz também que, nas escolas, devem ser encontrados mecanismos e adultos de referência para que, em conjunto com as familiais estes alunos possam ser acompanhados”, disse à Renascença o secretário de Estado da Educação, João Costa.
“O que o despacho não diz é que - e tem estado a ser veiculado este erro propositadamente - qualquer aluno, em qualquer idade, em qualquer momento pode decidir a que casa de banho é que vai”, acrescenta o governante que assina o despacho em conjunto com a secretária de Estado da igualdade, Rosa Monteiro.
Acusações e explicações
Contudo, alguns setores da sociedade entenderam que essa possibilidade de escolha era dada a todos os alunos e promoveram uma petição que pede a suspensão do decreto que considera, aliás, fazer parte de uma estratégia de imposição da ideologia de género do sistema de ensino.
“Uma das medidas mais polémicas deste despacho é que as escolas são obrigadas a deixarem a criança, de qualquer idade, escolher a casa de banho e o balneário de acordo com o seu "género"”, lê-se na petição, que já conseguiu mais de 20 mil assinaturas.
“Há o que diz o despacho e o que diz o sr. secretário de Estado, mas o que conta é o que está lá escrito. O que despacho diz que à criança se deve atribuir o género que ela própria se atribui e a escola é obrigada a tratá-la como ela quer, independentemente de estar ou não num processo de mudança de sexo, ter ou não autorização dos pais ou ter ou não acompanhamento sobre este assunto”, argumenta José Maria Seabra Duque, um dos signatário da petição e dirigente da Federação Portuguesa pela Vida.
“Se essas pessoas têm dúvidas, obviamente é necessário clarificar, mas, sendo um despacho que regulamenta uma lei sobre identidade de género, parece não haver dúvida de que ele se aplica apenas a crianças que estão nesse processo de transição e não a qualquer um”, responde o secretário de Estado.
As críticas são feitas ao conteúdo, mas também à oportunidade. “É um bocadinho vergonhoso que a regulamentação de uma lei que neste momento tem um pedido de fiscalização de constitucionalidade subscrita por mais de um terço dos deputados seja feita por despacho e não por decreto, seja feita a meio das férias e de uma crise energética”, critica Seabra Duque, que acusa João Costa de “sacrificar crianças que já estão em sofrimento para travar essa batalha ideológica”.
Este jurista entende que as crianças não devem ser alvos de bandeiras e de batalhas ideológicas e que “cada caso deve ser tratado em cada escola de acordo com aquilo que for melhor para a criança, com respeito e dignidade de acordo com o seu drama e a sua confusão concreta".
PSD receia aumento da tensão nas escolas
Mais longe vai o líder da juventude do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, que acha que cada aluno só pode ter direito a ser tratado por outro nome ou escolher a casa de banho que quer usar quando atingir a maioridade.
Francisco Rodrigues dos Santos questiona, inclusivamente, a constitucionalidade do despacho, por vários motivos, entre os quais, o facto de vir regulamentar uma lei que tem um pedido de fiscalização sucessiva de constitucionalidade pendente. O pedido foi feito por mais de um terço dos deputados.
Para o líder da Juventude Centrista, o polémico despacho faz parte de uma agenda para impor a ideologia de género nas escolas e isso também será inconstitucional. “A escola não é um acampamento de verão do Bloco de Esquerda “, remata
Já o PSD não põe em causa que o direito de opção se aplica apenas a alunos transgénero, mas questiona se os direitos da maioria das crianças estão a ser garantidos.
“Este despacho vai colocar uma grande tensão na comunidade escolar e não é isso que se pretende. Pretende-se sim - e o PSD estará de acordo com isso - que os direitos das crianças trans sejam protegidos - e bem. Mas isso não pode pôr em causa o direito à privacidade e intimidade de todas as outras crianças”, disse à Renascença a deputada Sandra Pereira.
“O despacho tem uma medida que refere a salvaguarda da intimidade e da privacidade destes alunos e, nesta medida é um despacho exatamente sobre isso. Se o PSD tem essa dúvida, eu convido o PSD a ler efetivamente o despacho”, responde João Costa.
“O que se está a tentar criar é um alarmismo social em torno de uma medida que visa proteger as caraterísticas muito especificas de uma minoria e aquilo que se está a tentar fazer passar é a ideia de que esta minoria se sobrepõe aos direitos da maioria. Não. Estamos a falar dos direitos de todos e da privacidade e intimidade de todos", sublinha o secretário de Estado.
João Costa nota que, naturalmente, não há uma estatística de a quantos alunos o despacho se irá aplica, mas estima que sejam cerca de duas centenas. “Este despacho bebeu da experiência de escolas que têm jovens transsexuais e que encontraram soluções, mas também temos queixas de encarregados de educação e de alunos, de casos de discriminação ou de inexistência de soluções, e temos apelos de algumas direções para haja algum suporte legal para medidas desta natureza”, justifica o governante.
“Hiperbolização” sem razão
Ana Sofia Carvalho, do Instituto de Bioética da Universidade Católica, questiona, contudo, que os casos justifiquem regulação, preferindo que ficasse no domínio da autonomia escolar.
“É uma questão casuística que acho que devia ser resolvida dentro do mundo das escolas. As escolas têm de ter sensibilidade para fazer face a estes problemas e a resolvê-los de forma adequada. Não sei se era necessário um decreto para isso, mas, a aparecer, não era nesta altura”, disse à Renascença esta especialista, que é também membro da Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Ana Sofia Carvalho lamenta que essa comissão não tenha sido consultada, uma vez que no debate sobre a lei de identidade de género a comissão manifestou várias dúvidas, e sustenta que não vê no despacho uma agenda política escondida.
“Uma vez que o Conselho Nacional de Ética não foi envolvido depois surgem questões que parece que tipificam uma agenda política especifica, o que, verdadeiramente, não é o caso”, diz a professora e comentadora da Renascença que, quanto ao conteúdo do despacho, não vê motivos de crítica.
“Não me aparece que exista qualquer base critica que justifique esta hiperbolização do assunto que está a acontecer na praça pública. Estamos a falar de crianças que estão determinadas, que têm uma patologia especifica ligada a questões de identidade sexual e, portanto, como qualquer criança com qualquer necessidade especial, devem ter um acompanhamento particular”, afirma Ana Sofia Carvalho, para quem a questão central prende-se com a capacidade que a generalidade das escolas não terá de dar resposta às várias necessidades especificas dos alunos com necessidades especiais, sejam elas de que ordem forem.