Pacheco Pereira, efémero em Kiev: "A paz é muito simples de se obter. Os russos que se retirem"
24-08-2023 - 23:00
 • José Pedro Frazão (enviado da Renascença à Ucrânia)

O historiador conversou com Volodymyr Zelensky e ficou “com boa impressão” do líder ucraniano. Nas 48 horas do historiador e antigo deputado em Kiev, houve tempo para recolher livros e material de propaganda para os seus arquivos. E para consolidar a tese de que a Rússia não pode ganhar a guerra.

Pacheco Pereira desceu da praça de Santa Sofia à Maidan ao lado de Marcelo Rebelo de Sousa, apontando para pormenores urbanos de Kiev, sobretudo com leitura histórico-política. Pacheco Pereira quis depois tirar uma fotografia com o Presidente da República junto a um carro de combate russo semi-destruído no centro da capital. “Agora também quero uma selfie”, disse o historiador quando Marcelo mergulhava na multidão da avenida principal de Kiev.

Antes de apanhar o comboio de regresso à Polónia, conversou brevemente com a Renascença, no final da viagem que fez à Ucrânia - a juntar a cerca de meia dúzia no passado - a convite do Presidente da República.

Assentando ideias ao fim de dois dias intensos, conhecendo a Rússia e a Ucrânia, o que é que retira da viagem a Kiev a partir do seu ponto de observação?

Reforcei uma ideia com que vinha e é daquelas coisas em que se faz uma viagem que reforça as ideias que traz. Uma guerra de invasão, com intenção de conquistas territoriais, é uma guerra que tem que ser perdida. E, portanto, os russos têm que perder a guerra.

Os ucranianos sofrem com o peso principal do conflito, mas estão suficientemente motivados e têm tido um conjunto de apoios internacionais que assentam na ideia de que não é possível nenhuma paz com anexações territoriais e, portanto, a Rússia - arranje se lá o acordo que se quiser - tem que se retirar dos territórios que ocupa e da Crimeia.

É evidente que isso será sempre entendido como uma derrota da Rússia. Todos nós desejamos a paz, mas não podemos desejá-la a qualquer preço. A paz é muito simples de se obter - os Russos que se retirem.

E a cedência territorial descartada por Kiev?

Isso tem uma razão muito simples - não se faz uma invasão para conquistar território. Muito menos na Europa, que tem muitos sítios onde há conflitos de fronteiras, e até com conteúdo político em que uma parte tem uma área geopolítica e outra parte tem outra. Esses conflitos de fronteira existem na fronteira com a Rússia, na Roménia, nos Balcãs, no Cáucaso, existem depois na parte asiática.

A política internacional e o direito Internacional têm privilegiado o ‘statu quo’, que se perde com uma invasão. É preciso ver que não estamos a falar de uma pressão diplomática, do reconhecimento de um território. Trata-se de uma invasão altamente destrutiva e que tem corrido mal. Não importa saber se a contra-ofensiva corre bem ou mal. A invasão em si,no seu conjunto,tem corrido mal e, do ponto de vista geopolítico, tem tido efeitos exatamente contrários ao que os russos pretendem.

O tempo corre mais contra Putin do que contra Zelensky?

Completamente.

Mesmo sabendo que poderá haver uma mudança na Casa Branca no próximo ano, que provavelmente não será fácil neste domínio para a Ucrânia?

Não será fácil, mas a posição é muito clara para os europeus e também para os americanos. Trump gaba-se de resolver isto num dia mas com a derrota da Ucrânia e a entrega dos territórios. Isso é inaceitável.

Mas Kiev não quer grandes mediações. Obviamente, as duas partes estão em guerra, mas a Ucrânia também tem pouca vontade em conversar com a Rússia para chegar à paz.

Isso é absolutamente natural. Imagine que o seu país vizinho o invade. Mata civis, faz pequenos massacres, mas são sempre massacres. Anexa formalmente territórios que nem sequer ocupa. Pretendem ter um ‘droit de regard’ [direito de controlo] sobre a política externa da Ucrânia. Isso é inaceitável.

E a possibilidade de haver um limite, possivelmente imposto até pelos parceiros internacionais, onde ao fim de algum tempo, esgota-se um certo ‘plafond’ para a Ucrânia conquistar o terreno?

Isso não vai acontecer, por uma razão: os países bálticos eram a seguir, a Polónia era a seguir e toda a arquitetura de estabilidade da Europa, que já é frágil, cairia por aí abaixo.

Apesar de tudo a geografia não vai mudar e ucranianos e russos vão ter que conviver como vizinhos. O que é que a História nos ensina sobre issto?

Ensina-nos uma coisa que os Polacos traduzem num ditado, num provérbio: “troco a nossa gloriosa história por uma melhor geografia”.

Com que impressão ficou de Zelensky?

Fiquei com muito boa impressão. Tive oportunidade até de conversar diretamente com ele, até sobre matérias substantivas no plano político, durante o almoço. E assisti também às conversas que ele teve com o Presidente e com as outras pessoas. Fiquei com muito boa impressão.

E sobre o significado da presença e das mensagens que o Presidente da República deixou nesta visita à Ucrânia?

O Presidente fez tudo direito. Fez o discurso em ucraniano, que lhe deu evidentemente grande vantagem psicológica. Fez declarações positivas e sensatas. Acho que a visita do Presidente da República foi um grande sucesso.