Durante os últimos quatro anos, Filipe Lobo d’Ávila discordou da estratégia levada a cabo por Assunção Cristas, acabando mesmo por sair do Parlamento e dizer que se ia dedicar à sua vida profissional. Mas entende que o CDS quase bateu no fundo e que, neste momento, por uma questão de coerência devia apresentar uma candidatura.
Aos 44 anos, vai ao congresso de Aveiro, nos dias 25 e 26, defender um CDS mais focado e que trabalhe com o PSD para uma alternativa de centro-direita. Mas também defende um CDS que fale com o Governo e participe nas reformas de que o país precisa.
Fez oposição e até saiu do Parlamento em oposição à direção de Assunção Cristas. Mas na altura disse que saía para se dedicar à sua vida profissional. O que motiva agora uma candidatura à liderança partidária?
Há quatro anos apresentei uma moção e apresentei listas, no congresso seguinte voltei a fazer a mesma coisa. Fiz um caminho de diferenciação, de afastamento que nem sempre foi bem percebido. E, de facto, há dois anos resolvi renunciar ao mandato de deputado em divergência política com o caminho que o CDS estava a traçar, com o qual não concordava, e também porque não me considerava muito aproveitado no Parlamento.
Não sou de ficar nos sítios para fazer figura de corpo presente, felizmente tenho e tinha outros horizontes profissionais e resolvi dedicar-me, em permanência, à minha atividade profissional.
Quem sai do Parlamento e renuncia àquilo que é o sonho de muitos dentro do partido, que é ser deputado, não o faz de animo leve e, por outro lado, não o faz a pensar regressar no dia seguinte.
Decidi ser candidato neste momento, sobretudo porque é um ato de coerência pela oposição suave e nos sítios certos que fiz nos últimos anos, mas sobretudo porque acho que é um momento em que não se pode dizer que não ao CDS. O partido bateu quase no fundo – 4%, cinco deputados - e há momentos na vida das instituições, se gostamos delas e achamos que podemos dar um contributo, em que não podemos dizer que não. E eu vi muita gente a dizer que não e achei que não podia fazer o mesmo.
E o que levou o CDS a este ponto de 'quase bater no fundo'?
Há uma conjugação de fatores. Há um erro de estratégia inicial em que o CDS procurou ser aquilo que alguns especialistas internos chamavam de "catch all party". O CDS quis dirigir-se a todos os portugueses, tentando perceber em cada momento o que é que cada um desses portugueses pensava ou quais eram as suas necessidades e acho que não há, na política, possibilidade de nos dirigirmos a todos, querer agradar a todos, porque quando queremos agradar a todos acabamos a não agradar, ou agradamos a muito poucos ou a nenhuns.
O partido descaracterizou-se nessa tentativa de agradar a todos?
Do meu ponto de vista houve uma descaracterização da mensagem do partido ao ponto de hoje não percebermos bem qual é a proposta de valor do CDS, qual a sua identidade.
Já foi o partido dos contribuintes, já foi o partido do mundo rural...
É isso mesmo! Mas isso não era moda, não era sexy um partido apresentar-se como um partido de nichos porque, para uma determinada classe dirigente do CDS, isso era muito redutor. Esse caminho legitimamente seguido e com o entusiasmo de todo o partido, é preciso dizê-lo - Assunção Cristas não esteve sozinha, bem pelo contrário - levou-nos a uma descaraterização ao ponto de nós próprios que fazemos parte do clube termos dificuldade até dentro das nossas famílias de dizer por que razão é que se deve votar no CDS. O CDS quis crescer muito, com a ambição máxima que era legitima, mas a mensagem ficou descaraterizada, não passou e isso faz com que hoje o trabalho seja muito mais difícil.
E então o que defende hoje? É voltar a esse partido de nichos, que levou o partido aos dois dígitos? E que nichos?
Não vejo os nichos de forma negativa, vejo os nichos como uma clara identificação da mensagem do partido. O CDS sempre foi um partido de nichos, na perspetiva positiva de identificação da sua mensagem. O CDS foi europeísta, depois foi eurocético, depois foi eurocalmo, foi dos contribuintes, da lavoura, dos retornados, dos reformados. Sempre houve uma identificação muito clara da mensagem do CDS e isso era perfeitamente percetível por toda a gente. Vejo isso pela positiva. Acho que o partido deve ter um discurso, focado, assertivo, percetível
E dirigido a quem neste momento?
Neste momento, em Portugal, a grande diferença do CDS é o facto de incluir dentro de casa muitas diferentes visões. Temos a nossa matriz democrata-cristã, que faz a diferença e é aí que o CDS se deve centrar, mas também inclui visões liberais e visões conservadoras. Isso é, desde logo, um fator de enorme diferenciação, relativamente aos partidos novos que temos, designadamente a Iniciativa Liberal e o Chega.
O CDS, enquanto partido moderado da direita democrática, pode fazer a diferença. Hoje em dia, não há nenhum partido político que fale para uma classe média que é cada vez menos média e cada vez mais baixa. Temos hoje um salário médio nacional que anda nos 900 euros, que com impostos se aproxima perigosamente do limiar do salário mínimo nacional. E estamos a falar de pessoas, de famílias da classe média que continuam a ter de pagar o acesso a cuidados de saúde, que pagam Segurança Social, que pagam manuais escolares. E não há em Portugal um partido que tenha um discurso político claro para as familiais da classe média e que consiga também associar um discurso social.
Temos mais de dois milhões de pessoas que vivem no limiar da pobreza, temos instituições da economia social que vivem com enormes dificuldades e um partido como o CDS pode fazer a diferença aqui. Há muitos socialistas e muitos sociais-democratas que também têm esta perspetiva solidária perante os mais desfavorecidos e o CDS pode ser um motor para ir ao encontro de muitas destas pessoas. É preciso também ter um discurso de redução do peso do Estado, obviamente para reduzir a carga fiscal, mas também para canalizar para apoios sociais que são essenciais.
E defende um CDS que dialoga com quem? Com o Governo, com o PSD, com os novos partidos?
Fazemos política para tentar mudar o mundo que nos rodeia. A política não se faz para ganhar eleições, nem para levantar salas em êxtase cheias de colegas de partido para isso depois não ter qualquer impacto cá fora. Sei que o CDS é oposição ao PS, mas tenho dito que o CDS não deve ser oposição às reformas que são necessárias e há muitas coisas que é preciso enfrentar e onde o CDS tem um papel que pode ser incontornável. O CDS, por exemplo, não está comprometido com a máquina do Estado e pode ser um partido com propostas muito concretas no qua diz respeito à reforma do Estado em diferentes níveis, seja a nível central ou local, ou mesmo no tema da regionalização/descentralização.
O CDS tem de mostrar a sua utilidade, o CDS não é um partido de protesto, não pode ser um partido de protesto e, se quiser copiar partidos de protestos, então não vale a pena o CDS existir. Acho que o CDS vale a pena, mas vale a pena se conseguir mostrar a validade das suas propostas e, para mostrar a validade das suas propostas, tem de conseguir convencer as forças políticas que podem viabilizar essas propostas e isso passa obviamente pelo seu parceiro e aliado normal, o PSD, mas passa também por tentar convencer setores importantes dentro do PS da validade das propostas do CDS. E, para isso, se nos fecharmos num canto, o CDS não vai conseguir ter viabilidade para as suas propostas.
Temos de ter conteúdo que honre a história do CDS, mas simultaneamente tem de haver uma atitude de diálogo para tentar que algumas destas propostas possam ser viabilizadas. Os partidos não servem para debates internos, servem para mostrar que as usas propostas para além de sólidas podem ter viabilidade.
E à direita? Há, pelo menos, um candidato ao CDS, que entende que o Chega não é um adversário do CDS, é um aliado.
Não estou muito preocupado com os novos partidos, nem com o Chega nem com o Iniciativa Liberal. Estou preocupado com o CDS e isto não é retórica política. O CDS hoje tem três grandes desafios. Tem um desafio identitário, da sua mensagem política e de perceção das suas propostas políticas. Tem um problema organizacional, que é um problema de fundo: tem de votar a ser um partido nacional com uma rede que funcione em casa um dos locais. E tem um problema financeiro. São três grandes problemas que vão estar na agenda de qualquer presidente do CDS.
O CDS não deve estar preocupado com os novos partidos, deve estar preocupado em recuperar os eleitores. Temos de perceber porque é que as pessoas que votavam no CDS acabaram a votar noutros partidos, incluindo no PSD. A maior parte dos votos que o CDS perdeu não foram para a Iniciativa Liberal nem para o Chega, perde para outras forças políticas.
Mas também quero responder à sua pergunta de forma direta. Não me considero aliado do Chega, os nossos aliados naturais são o PSD e defendo que tem de haver uma coincidência de projetos para o futuro. Defendo que é preciso que o centro-direita perceba o que aconteceu em 2015, consiga ter um projeto alternativo de governação, até porque o país precisa dessa alternância. Para que haja esse projeto mobilizador do povo de centro-direita é preciso que existam visões coincidentes e eu não sei se existem neste momento. Até diria que provavelmente não há entre todos estes partidos.
Incluindo com o PSD?
Incluindo com o PSD. Sou um defensor de que exista essa plataforma de entendimento com o PSD.
No fundo está a defender um diálogo mais acentuado com o PSD?
Defendo há bastante tempo que o CDS deve, obviamente, procurar reforçar as sus forças, mas no tempo em que tinha forças interessantes deveria concentrar-se em perceber como é que se construía em Portugal um projeto alternativo ao do PS. E isso não aconteceu porque o CDS, em Lisboa, com o resulta extraordinário que teve [nas autárquicas de 2017 em que ficou á frente do PSD] ficou iludido e achou que havia uma dinâmica nacional e isso causou alguns dos problemas que hoje temos.
Acredito verdadeiramente num projeto alternativo de centro-direita, mas para isso é preciso que todos queiram, que todos percebam se há ou não visões coincidentes, se é possível fazer um projeto mobilizador para o país e não apenas uma soma aritmética de conquista de poder.
E como é que depois se concretiza esse projeto? Com a fusão dos partidos?
Estes projetos podem concretizar-se de diferentes maneiras. Não defendo qualquer anulação do CDS em favor de um outro partido porque a riqueza dos partidos é a sua matriz própria e enriquecem e acrescentam se forem bem trabalhadas. O que digo é que o contexto em que vivemos obriga a que haja, pelo menos, a discussão sobre a capacidade de formar um projeto mobilizador.
Acho que os dois principais partidos de centro-direita ainda não perceberam o que aconteceu em 2015. Só lá voltaremos se tivermos maioria absoluta de deputados e, sobretudo, tem de acontecer uma coisa que não aconteceu das últimas vezes que o CDS foi ao Governo. Da próxima vez que for ao Governo, o CDS tem de saber o que quer fazer, qual o plano de ação em cada uma das diferentes áreas.
Em 2002, o CDS foi ao Governo e não havia uma experiencia recente de governação dentro dos nossos quadros dirigentes e em 2011, quando o CDS foi ao Governo, foi nas condições de emergência que sabemos. Sabemos que somos convocados para situações difíceis, mas é preciso que o CDS se preparar, se reorganize e se mobilize. O eleitorado que está na abstenção, que fugiu está á espera que aconteça alguma cosia do lado do centro-direita e isso é uma obrigação que temos.
Vai levar a sua moção a votos? E se não for a mais votada admite apoiar outro candidato?
Esta moção vai, de facto, a votos. Esta moção é também um ato de liberdade. No dia seguinte sei onde estarei a trabalhar, caso não ganhe. Estou disponível para aceitar qualquer que seja o resultado. Mas também digo que ou ganho ou não serei oposição interna, porque o CDS não pode entrar em jogos calculistas. O CDS não sobrevive a esses jogos e, dentro daquilo que for a força que o congresso me der, procurarei influenciar o futuro, esperando ganhar e esperando também que todos os outros candidatos estejam disponíveis para colaborar comigo numa direção presidida por mim.