“Lisboa tem cheiro de flores e de mar”. Amália na voz de Francisco
02-08-2023 - 14:18
 • Maria João Costa

O Grande Auditório do Centro Cultural de Belém encheu-se de convidados da sociedade civil, corpo diplomático, autoridades e representantes da cultura para ouvir as primeiras palavras de Francisco em Portugal. Citou Sophia, Pessoa, Saramago e Amália e sublinhou a JMJ como um “impulso de abertura universal”.

Assumindo as suas fragilidades físicas, o Papa Francisco entrou em cadeira de rodas no palco do Grande Auditório, do Centro Cultural de Belém, para aquele que foi o primeiro discurso na sua viagem apostólica a Portugal, esta quarta-feira. Mas a fragilidade física contrasta com a força das palavras que deixou num discurso de três páginas em que se referiu a Lisboa como a “capital do mundo”.

Perante um auditório cheio de representantes das autoridades, corpo diplomático, Igreja e também da cultura, Francisco lembrou que o “mundo tem necessidade da Europa” e do seu papel de “construtora de pontes e de pacificadora no Leste europeu, no Mediterrâneo, na África e no Médio Oriente”.

Numa altura de guerra, como a da Ucrânia, o Papa referiu que “estamos a navegar num momento tempestuoso” em que faltam “rotas de coragem”. Palavras escutadas por muitos diplomatas acreditados em Portugal e que, de alguma forma, também aqui representam as várias nacionalidades dos jovens que estão em Lisboa para a Jornada Mundial da Juventude.

No discurso em que começou por evocar os versos cantados por Amália Rodrigues, em que a fadista dizia “Lisboa tem cheiro de flores e de mar”, Francisco, que foi muito aplaudido pela plateia, apontou a situação geográfica de Lisboa como uma “cidade de encontro”.

“Lisboa pode sugerir uma mudança de ritmo”, diz o Papa a estes convidados da Presidência da República, figuras que representam setores como o empresarial ou de organização que prestam ajuda social.

A pessoas como a responsável do Banco Alimentar contra a Fome, Isabel Jonet, mas também a personalidades políticas como o primeiro-ministro António Costa, que partilhou a primeira fila com o Cardeal-Patriarca de Lisboa e o Cardeal D. José Tolentino Mendonça, Francisco falou do “empobrecimento do capital humano” que a Europa enfrenta.

“Espero que a Jornada Mundial da Juventude para o velho continente seja um impulso de abertura universal”, referiu o Papa que apontou ainda para a educação, a saúde e o estado social como áreas em que se vive esse empobrecimento.


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Num discurso que foi sendo aplaudido por diversas vezes, nomeadamente quando se referiu aos “pais fundadores da União Europeia” que “sonharam em grande”, Francisco citou também palavras de Sophia de Mello Brryner Andresen, José Saramago e Fernando Pessoa.

Francisco deixou também três ideias chave, três palavras com que terminou a sua alocução. “Ambiente, futuro e fraternidade” são, segundo o Papa, “três estaleiros de construção de esperança”. Referindo-se à casa comum que é o planeta, Francisco defendeu que a questão ambiental é um "problema global" que "continua extremamente grave”.

Já olhando para o futuro, Francisco referiu-se aos jovens que enfrentam problemas como a “falta de trabalho”, ou a habitação. Aos políticos presentes, desde elementos do Chega, PSD, CDS-PP, PS, PCP ao PAN, lembrou que “a boa política” pode “gerar esperança”.

Por fim, referindo-se à fraternidade e perante também representantes de instituições católicas e missionários, Francisco falou da “saudade” portuguesa e de como é importante o encontro entre gerações. Repetindo uma das suas tónicas, o Papa referiu-se ao exemplo da “Missão País”, que tem levado jovens ao encontro dos idosos sozinhos.

Os mais de 1400 lugares do Grande Auditório estiveram cheios para escutar as palavras do Papa. Os convidados começaram por chegar cedo, devido ao protocolo e por razões de segurança.

De convite na mão, alguns recolheram os auscultadores que lhes permitiram ouvir a tradução das palavras do Papa, que discursou em italiano. Começaram a chegar pouco depois das 10h00. Separados por setores, as várias personalidades foram tomando os seus lugares.

Da área cultural estiveram presentes vários artistas, entre eles as atrizes Rita Blanco e Anabela Moreira, o músico Pedro Abrunhosa - que recentemente foi convidado para participar num encontro do Papa com a cultura no Vaticano -, a poeta Matilde Campilho, o escritor José Luís Peixoto e a realizadora Leonor Teles.

Também os artistas plásticos Pedro Cabrita Reis e Pedro Calapez se sentaram na plateia, também ocupada por alguns representantes do universo editorial livreiro, desde logo Pedro Sobral, presidente da APEL, e Henrique Mota, editor que publicou recentemente em Portugal o livro testamentário de Bento XVI.

Ainda da área cultural estiveram presentes representantes da Pastoral da Cultura e de vários museus, desde a diretora do Mosteiro dos Jerónimos e Torre de Belém, ao diretor do Museu do Tesouro Real e Palácio Nacional da Ajuda, passando pelo diretor do Museu Nacional de Arte Antiga.

Da área empresarial estiveram sentados na plateia o presidente da Associação de Empresários Católicos, o presidente da Associação de Empresários pela Inclusão, Leonor Beleza, da Fundação Champalimaud; mas também Ana Jorge, da Santa Casa da Misericórdia.

A representar o Governo, além do primeiro-ministro António Costa ,estiveram o ministro da Administração Interna, a ministra dos Assuntos Parlamentares, o ministro da Cultura, o da Defesa e o da Saúde.

Também o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, esteve presente, ele que esta tarde irá ainda ter um encontro com o Papa na Nunciatura. Das autarquias onde a Jornada Mundial da Juventude está presente estiveram no CCB Carlos Moedas, de Lisboa, Ricardo Leão, de Loures, Carlos Carreiras, de Cascais e Isaltino Morais, de Oeiras.

As reações às palavras do Papa


À saída, as palavras de Francisco ecoavam na mente de todos. Para D. Jorge Ortiga, o discurso do Papa foi exemplo da "coragem de mostrar que o futuro tem de ter outro caminho". O arcebispo primaz emérito de Braga diz à Renascença que as palavras que Francisco deixou neste seu primeiro discurso apontam que “precisamos de romper com os esquemas tradicionais”.

Segundo a opinião de D. Jorge Ortiga, “é preciso ousar acreditar num mundo que deverá ser diferente e que não podemos construir como outros no passado o fizeram”. Este responsável da igreja confessa ter ficado muito “impressionado” com “o modo muito corajoso” como o Papa interpretou a situação geográfica de Portugal. "É um verdadeiro desafio para alargar os oceanos da vida para chegar a todos os problemas da Humanidade”.

Também em reação à Renascença, Guilherme d’Oliveira Martins, administrador da Gulbenkian, reteve das palavras de Francisco “a necessidade que temos de acreditar nos jovens, na colaboração, cooperação e na solidariedade entre as diferentes gerações”.

Na opinião deste antigo ministro da Educação, Francisco apontou ainda outros caminhos. “A defesa e salvaguarda da Natureza, da Humanidade e sobretudo da dignidade humana e respeito mútuo.”