A equipa da Polícia Federal do Brasil que está a investigar o avião privado no qual foram apreendidos 500 quilos de cocaína, há duas semanas, considera “estranha” a versão contada por João Loureiro, um dos passageiros, sobre a sua ligação ao voo. O Ministério Público português também está a investigar o caso.
O empresário e ex-presidente do Boavista foi interrogado durante várias horas, segundo o mesmo "na condição de testemunha". Disse que tinha viajado para o Brasil para reunir com uma empresa que estaria interessada em contratar os seus serviços de consultoria.
Em declarações ao jornal “i”, contudo, Elvis Secco, da equipa investigadora, mostra-se desconfiado. “Não é normal, porquê viajar num avião privado, que é muito caro, para ter uma entrevista de emprego? Neste momento, ainda não conseguimos confirmar essa versão.”
Segundo a imprensa, o aluguer de um avião desse tipo custa cerca de 150 mil euros. Mesmo que não fosse João Loureiro a pagar a despesa toda, uma vez que estava previsto outros passageiros virem no avião, a despesa ascenderia sempre a dezenas de milhares de euros.
O “i” acrescenta ainda que a Polícia Federal já pediu à Polícia Judiciária portuguesa que faça um levantamento dos bens de João Loureiro, tanto em Portugal como no Brasil, e Elvis Secco explica que o objetivo nestes casos é mesmo de atingir as contas bancárias e as posses dos traficantes.
“A apreensão de droga é um meio, não é um fim. A única maneira de desmantelar estas redes é despojá-las dos seus recursos. Para as descapitalizar, precisamos de interromper a sua operação de lavagem de capital. Desta forma, mesmo que eles consigam escapar a uma condenação por tráfico de droga, há ainda outras acusações que os podem manter na prisão.”
João Loureiro nega qualquer envolvimento no tráfico da droga, que vinha toda acondicionada no aparelho, levando a Polícia brasileira a desconfiar também dos profissionais da empresa que gere o avião.
“Não é uma situação normal, 500 quilos de droga num pequeno avião é uma grande quantidade. Havia cocaína escondida por todo o lado: na carenagem [fuselagem do avião], oculta no motor, no soalho... por isso tinha de ter sido tudo muito bem preparado. Neste momento estamos também a tentar localizar empresas que possam ter feito a manutenção do avião durante esses dias no Brasil”, diz Elvis Secco ao “i”.
Loureiro "intermediou" lugares no avião
Já segundo o “JN”, apesar de João Loureiro ter sido apenas um dos passageiros no manifesto de um voo que, por causa da apreensão da droga, não se realizou, era ele o responsável por angariar os outros passageiros.
No manifesto de voo estão ainda os empresários e agentes de futebol Bruno Carvalho Santos, Hugo Cajuda e Bruno Macedo, sendo que o último estava acompanhado do jogador Lucas Veríssimo, que foi contratado para o Benfica.
Ben-Barka e João Loureiro os dois constantes
O “i” indica ainda que viajava a bordo um cidadão espanhol chamado Mansur Ben-barka Heredia, cujo veículo, estacionado junto ao aeródromo de Tires, destino final do voo, foi apreendido pela Polícia Judiciária. Mansour Ben-Barka está entretanto em Madrid, segundo o jornal.
Segundo a edição online do “Público”, os nomes de Ben-Barka e de João Loureiro são os únicos dois que aparecem em todas as versões do manifesto de voo, que foi sendo alterado sucessivamente ao longo dos dias.
O “Público” faz ainda a reconstituição da viagem, dizendo que Loureiro e o espanhol viajaram sozinhos de Tires para o Brasil no dia 26 de janeiro, tendo chegado a 27. O destino era um aeródromo em Jundiaí, São Paulo, mas foi necessário aterrar primeiro no aeroporto internacional de Salvador da Baía, porque o aeródromo não possui serviços de alfândega.
No dia 6 de fevereiro o avião regressou de Jundiaí para Salvador da Baía mas aí João Loureiro viajou sozinho, uma vez que Ben-Barka optou por ficar em São Paulo.
No dia 7 devia dar-se o regresso a Tires, mas houve dois contratempos. Por um lado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal recusou autorização ao voo, por não considerar que se tratava de um repatriamento – uma vez que as viagens entre Portugal e o Brasil estavam suspensas – e por outro o piloto detetou uma falha no aparelho, que o obrigou a chamar uma equipa técnica da empresa, que só chegou no dia 8.
Terá sido um desses técnicos a detetar a droga, levando o piloto a chamar as autoridades.
No dia 9, quando a droga foi encontrada, já João Loureiro tinha voltado para São Paulo, confirmando à imprensa portuguesa que nem sequer estava perto do aparelho quando foi localizada a droga escondida a bordo, sendo que a Polícia brasileira acredita que o carregamento da cocaína aconteceu ainda em Jundiaí.
Portugal investiga caso do avião
O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) está a investigar o caso, disse esta segunda-feira fonte da Procuradoria-Geral da República (PGR).
"Confirma-se a existência de um inquérito que corre termos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal", respondeu à agência Lusa o gabinete de imprensa da PGR, não avançando mais pormenores alegando segredo de justiça.
Fonte policial revelou à Lusa que a Polícia Judiciária portuguesa e a polícia federal brasileira estavam alertadas, desde o início da pandemia, para a possibilidade do tráfico de cocaína entre os dois países recorrer a jatos particulares.