O projecto de lei da “maternidade de substituição”, que será votado esta sexta-feira no Parlamento, não protege os superiores interesses da criança, afirma a especialista em bioética Ana Sofia Carvalho.
A professora da Universidade Católica Portuguesa, no Porto, elenca os problemas resultantes do projecto do Bloco de Esquerda, que poderá ser aprovado caso haja deputados suficientes no PSD a votar a favor.
“Não está previsto o que acontece, por exemplo, no caso de malformações, o que acontece quando a mulher não quer cumprir o contrato. Como é que se garante que este contrato não vai ser objecto de transacções financeiras?", questiona.
Ana Sofia Carvalho aponta "uma série de articulados nesta lei que constituem uma ameaça séria aos direitos e ao melhor interesse de uma criança nascida através de uma situação desta natureza".
"Aquilo que está em discussão neste momento não garante de forma nenhuma o melhor interesse da criança”, explica, sublinhando que o problema não é sequer remediável com alterações à lei: “Eu não acredito que possa existir um contrato ou que se possa redigir uma legislação que permita utilizar esta técnica, garantindo o maior interesse da criança, mas a verdade é que esta, que está em discussão, não garante, certamente, porque existem uma série de lacunas que do ponto de vista ético não são admissíveis, tanto que o Conselho Nacional de Ética foi unânime em votar contra esta lei que estava a ser discutida.”
Ana Sofia Carvalho começa logo por se opor ao nome do projecto, que designa a prática que veio a ser conhecida popularmente como “barrigas de aluguer” como “maternidade de substituição”.
“O Conselho Nacional de Ética já tinha proposto num parecer anterior a mudança e uma das propostas legislativas, realmente, contempla essa mudança, que em vez de ser maternidade de substituição seja gravidez de substituição, porque a maternidade é insubstituível. O que se pode substituir é a gravidez, mas evidentemente que não a maternidade.”
PMA polémica
Também esta sexta-feira, serão votadas as alterações propostas para a lei da Procriação Medicamente Assistida. Actualmente, estas técnicas são vistas como subsidiárias aos esforços naturais de um casal para engravidar, ou seja, apenas são permitidas para casais que não conseguem conceber por causa de problemas de saúde, ou infertilidade.
Com as alterações uma mulher solteira, ou duas mulheres numa relação homossexual, poderiam recorrer às técnicas para ter filhos. Novamente, aqui, ficam sem protecção os interesses da criança, considera a especialista.
“Não se percebe nunca como é que os direitos da criança a nascer vão ser respeitados, nem se percebe quais são os critérios de acesso às técnicas – se deve haver uma prioridade diferente para este tipo de situações relativamente a uma situação caracterizada como de doença, como são os casos de infertilidade. Nem se percebe algumas questões relacionadas com a doação pós-morte. Portanto há uma série de questões éticas que merecem e deveriam ter tido uma reflexão séria e muito profunda, que não estão salvaguardadas na legislação em discussão.”
No seu entender nem sequer se aproveitou para reverter um aspecto da actual lei de PMA que viola os direitos das crianças e que tem a ver com o anonimato dos dadores. “Noutros países reverteram esta lei da confidencialidade absoluta das doações de gâmetas e está previsto que se a criança tiver vontade de conhecer o dador do seu material biológico pode fazê-lo, como está salvaguardado na declaração dos interesses da criança, que é o direito da criança conhecer o seu património genético”.
As duas leis, da PMA e das “barrigas de aluguer” vão a votação esta sexta-feira. A esquerda deverá aprovar as alterações ao PMA mas o PCP vai votar contra as “barrigas de aluguer”. Contudo, o PSD, apesar de dar sentido de voto contra permite aos seus deputados votarem a favor se assim o entenderem e é por isso possível que haja pelo menos 15 a fazê-lo que compensem o voto contra dos comunistas. Pedro Passos Coelho já admitiu, aliás, que vai votar a favor da proposta do Bloco de Esquerda.