As mudanças no clima estão à vista de todos – seja o debate alimentado ou não pelas polémicas de Donald Trump - e podem ter, no futuro, impactos na produção global de vinho. Um ano depois de Barack Obama, o ex-vice presidente de Clinton, Albert Gore, vem ao Porto falar esta quinta-feira, ao final da tarde, de alterações climáticas.
Albert Gore é o convidado principal da conferência organizada na Alfândega, a Climate Change Summit, por Adrian Bridge, o líder da Fladgate Partnership que detém, entre outras, a marca Porto Taylor's com mais de 337 anos.
Adrian Bridge diz-se preocupado, mas não deixa de ter uma boa notícia para Portugal: as 200 castas nacionais garantem uma potencial melhor adaptação às alterações climáticas do que castas míticas como Chardonnay, Pinot Noir ou Cabernet Sauvignon.
Em entrevista à Renascença, o anfitrião diz esperar um estímulo para o conjunto da cidadania ser parte da solução em matéria de alterações climáticas.
Adrian Bridge, CEO da Taylor’s e organizador do evento sublinha a importância de uma cooperação entre todos para mitigar os efeitos das alterações climáticas.
“Todas as pessoas podem fazer mais do que já fazem. Há muitas empresas e estudiosos a liderar iniciativas, mas de forma fragmentada. O importante agora é trabalharmos juntos, numa base de cooperação internacional, entre as instituições, as empresas e as pessoas”, diz Adrian Bridge.
Este ano qual é o principal objectivo do The Porto Protocol / The Climate Change Summit ?
É estar focado nas soluções para o setor dos vinhos. Ou seja, um setor que vai desde os lavradores ao envasilhamento, à escolha de embalagens e, depois às questões logísticas relativas à chegada do vinho ao consumidor final que também queremos envolver nas soluções.
Toda esta viagem da uva até ao copo do consumidor final tem impacto nas emissões de carbono, o ph carbónico, e há soluções para mitigar e colmatar este efeito.
À luz do que conhecemos sobre as alterações climáticas quais são os riscos para o vinho? Quando, por exemplo, se refere que a Suécia daqui a anos pode ser o 'Douro do futuro' como região de produção vinícola é uma caricatura ou um risco real?
O parecer científico aponta para alterações reais e qualquer lavrador, seja ele do setor dos vinhos ou de outra área agrícola qualquer, dá muito bem conta no seu quotidiano das alterações climáticas.
No setor dos vinhos o problema é que temos uma planta muito resistente que pode ser até crescer em áreas remotas, mas temos um fruto de enorme fragilidade.
Mas temos também várias vantagens: um produto agrícola vendido sob a bandeira de marcas consolidadas, um produto vendido por famílias preocupadas com o legado às próximas gerações e nos investimentos necessários para esse futuro.
Também temos uma grande capacidade de comunicar directamente com o consumidor final. São aspetos positivos a sugerir que o setor dos vinhos pode assumir um papel decisivo no setor agrícola.
Há especialistas a sugerir que todas as regiões vinícolas vão ter impactos das alterações climáticas. No caso português, por exemplo, Douro e Alentejo são áreas relativamente pequenas...
Douro e Alentejo são áreas de produção vinícola relativamente pequenas, mas são muito importantes para o país. São áreas de grande produção para os nossos vinhos e de forma realista o efeito das alterações climáticas pode, em média, não ser muito impactante, mas pode sê-lo pontualmente.
Por exemplo, no ano passado a média de precipitação pluvial foi normal, números em linha com os valores médios, mas, numa hora apenas de um dia do fim do mês de maio, caiu no Pinhão, 12% de todas as águas pluviais do ano inteiro de 2018.
Ou seja, quem está no centro do processo de produção vinícola no Alentejo ou no vale do Douro entende muito bem que o trabalho necessário a ter com as novas realidades climáticas é particularmente complexo e implica mais investimento em conhecimento e estratégia para não arriscar o futuro das suas regiões.
O que se pode fazer? Por exemplo, transferir vinhas de cotas mais baixas para mais altas? Usar caulino como ‘protetor solar’ das folhas da videira? Que tradução na prática vai ter o conhecimento científico?
Na realidade debatemos dois aspetos. Um é a capacidade de mitigar os efeitos das alterações climáticas. Outro é a capacidade de adaptação. Quanto a mitigar podemos começar já com processos de minimizar o ph carbónico, usar sistemas energéticos fotovoltaicos para eliminação do carbono da fermentação, com ultrassons na escolha de embalagens.
Há muitas opções num plano empresarial e também no pessoal. No fim do mês a conta é mais agradável se se poupar na nossa água e na nossa energia. Esta atitude é muito importante.
Quando falo da capacidade de adaptação não há qualquer dúvida que se plantar uma videira numa zona mais alta cresce e produz a uma temperatura provavelmente mais baixa. Mas, se ao mesmo tempo, temos águas pluviais a provocar uma disrupção enorme com grande erosão de solos é irrelevante para a produção fazer mais frio numa cota 100 metros mais elevada.
Ou seja, é verdade que é necessária a adaptação, mas erramos se esperamos apenas por adaptações em vez de as combater, de imediato, iniciando um processo de mitigar o problema.
Projeções e estudos sobre as castas mais adequadas daqui a 40, ou 50 anos, é uma das tarefas que se pede aos cientistas?
Temos sorte em Portugal com a natureza das nossas castas. Temos uma grande variedade de castas e essa diversificação implica que muitas delas terão uma capacidade de adaptação mais rápida que outras.
Quando falamos da concentração mundial de castas como Chardonnay, Pinot Noir ou Cabernet Sauvignon percebemos que correm mais riscos que as nossas quanto à capacidade de cada uma dessas castas em se adaptar mais facilmente às alterações climáticas. Portanto, a boa notícia para Portugal é a nossa riqueza e diversidade de castas como elemento muito positivo para assegurar o seu futuro.
Mas com quase 200 castas distintas em Portugal também aqui há um trabalho de redescoberta de características para antecipar capacidade de adaptação?
Há muitas empresas já a fazer esse trabalho. Em todas as regiões há especialistas com um conhecimento aprofundado das castas próprias que estão a partilhar informação. Esta já é a nossa realidade. Não é correta a ideia de que o setor dos vinhos não está a fazer nada neste particular. Na realidade há muito trabalho feito.
A base da nossa iniciativa The Porto Protocol é a necessidade de partilha desta informação. Quando se encontra alguém a fazer um trabalho aprofundado sobre uma casta de determinada região há logo outra pessoa que está a fazer o mesmo trabalho com a mesma casta. Partilhar estes dados é fundamental para transformar a informação em conhecimento para o futuro.
Há quem sustente que pode ser prematuro antecipar a mudança de locais para produzir castas, mas não é prematuro estar preparado para o fazer. Neste sentido que mensagem gostaria de ver de Albert Gore neste Climate Change Summit?
O prémio Nobel e ex-vice presidente Albert Gore está a trabalhar nesta questão das alterações climáticas há 43 anos. Este dado diz muito da capacidade que tem em chamar a atenção para a realidade das alterações climáticas e também da necessidade em reduzir a emissão de ph carbónico.
Falo de todos. Seja do cidadão considerado individualmente ou das empresas. Seja de uma autarquia ou do governo central. A verdade é que somos todos parte do problema e somos todos parte da solução.
O que Albert Gore vai fazer é, com a sua capacidade de chamar à atenção, motivar as pessoas a não ficar de braços cruzados à espera de uma solução técnica no futuro, mas ter já ação no presente. Empreender ações no presente e fazer mais amanhã que hoje.