Fernando Medina junta-se ao Presidente da República e pede uma mudança na matriz de risco que determina as condições de desconfinamento.
Em entrevista à Renascença e ao jornal 'Público', o presidente da Câmara de Lisboa assume que os números de infeção por Covid-19 em Lisboa vão continuar a subir e que o concelho vai voltar atrás no desconfinamento, com os restaurantes a passarem a fechar às 15h30 ao sábado.
Por isso, defende que o que importa é continuar a apostar na testagem e na vacinação e mudar a matriz.
O Governo decide esta quinta-feira medidas para os concelhos que ultrapassaram linhas vermelhas. O que é que se pode esperar para Lisboa?
Mantendo o Governo a matriz e os indicadores, o que acontecerá com probabilidade a Lisboa e a outros municípios vai ser um recuo relativamente às regras do desconfinamento, que terá sobretudo um impacto ao nível dos horários da restauração, que ficarão limitados ao sábado até às três e meia.
Tem noção de como estão os números neste momento em Lisboa?
Ainda estamos numa fase ascendente da incidência, não estamos ainda sequer numa fase de estabilização, menos ainda numa fase de recuo. É uma situação que hoje abrange mais municípios na Área Metropolitana e mais municípios no país. De acordo com a atual matriz de risco - e este é um ponto que na minha opinião deve ser avaliado -, isto vai significar um recuo no processo de desconfinamento.
Mas pode-nos dizer qual é a incidência neste momento em Lisboa?
Os números concretos é a Direção-Geral de Saúde que os revela. Eu acompanho a posição daqueles que defendem que nós temos de olhar de novo para os indicadores.
Olhar de novo para a matriz de risco?
Sim, porque a matriz foi definida quando o estado da vacinação era muito mais atrasado do que é hoje. Não podemos ter um nível de condicionamento da vida económica e social exatamente nos mesmos termos quando nós temos 5% da população vacinada ou quando ultrapassamos os 30% da população vacinada. Temos de fazer um grande esforço para acelerar a vacinação, acelerar e massificar o processo de testagem, mas na minha opinião devem ser avaliados os critérios para os recuos no desconfinamento, porque depois obviamente colocam-se dúvidas sobre a sua eficácia do ponto de vista da contenção da pandemia.
Mas não o preocupa já o aumento de casos em cuidados intensivos? Apesar de tudo, a matriz continua a ser um bom pré-indicador. Acha que os cuidados intensivos e a vacinação devem passar a ser critérios a passar a ter em conta na matriz?
Claro. Aliás, eles é que vão ditar a severidade da pandemia. Os processos de confinamento foram empregues fundamentalmente para proteger o sistema de saúde e a sua capacidade m lidar com os casos mais graves. Ora, essa capacidade não é afetada da mesma maneira quando a vacinação progride para valores muito superiores. Esse é um critério básico que em minha opinião deve ser adotado. Vejamos: nós temos um aumento da incidência, mas devemos ter noção da proporção daquilo que estamos a falar. Estamos a falar, no país, de valores à roda de mil casos por dia, mas viemos do pico da pandemia, em janeiro e fevereiro, de valores que chegaram a 16 mil casos por dia. Estamos com cerca de 450 casos de internamento, nós viemos de valores de 7.000 casos em janeiro.
Com o prejuízo que isso causou para toda a atividade não-Covid.
Eu não estou a desvalorizar a importância de contermos a evolução da pandemia. O que eu quero é frisar que estamos numa situação significativamente diferente da que era há um ano, que está numa fase crescente, mas nós hoje temos duas grandes armas que antes não tínhamos com esta força: a possibilidade de testagem maciça - e Lisboa tem um programa, que eu creio que é único, que é a possibilidade de testagem gratuita por todas as pessoas - e todo o esforço de aceleração do processo de vacinação. Não sei se há noção do esforço muito significativo que as autarquias de norte a sul do país estão a fazer, mas posso dar os números de Lisboa. Neste momento o município tem contratados, para os vários centros, mais de 700 enfermeiros. Acordámos com as autoridades de saúde a abertura de um dos centros, no Pavilhão da Ajuda, em Alcântara, que vai funcionar das 19h00 às 21h00 num regime sem marcação, para todos os públicos que estão na faixa etária possível de vacinação. Temos também acordado fazer um alargamento dos horários de todos os centros até às dez da noite.
A campanha de testagem não tem tido uma adesão maciça. Como é que isto se explica?
Está a crescer significativamente. Nós tivemos até à semana passada um total de cerca de 68 mil testes, agora já estamos com quase 5000 testes por dia. O que aconteceu é que criámos este programa exatamente no início do desconfinamento, quando os números eram muito, muito baixos. Na altura, houve perto de uma centena de farmácias com essa possibilidade, mas as pessoas procuravam pouco a testagem. O que estamos a verificar agora é que as pessoas estão a responder ao apelo da testagem. E decidimos alargar ainda mais o programa: ele começou com dois testes gratuitos por mês, num conjunto limitado de freguesias; agora alargamos a todas as pessoas e as vezes que forem necessárias e alargamos a todos os que não são residentes em Lisboa.
É possível fazer algum balanço da medida do fim-de-semana passado de proibição das entradas e saídas da área metropolitana?
Não tenho esses elementos. Não consigo fazer esse balanço.
Prevê-se que seja uma medida para continuar ou, tendo em conta que agora serão tomadas medidas mais em concreto para os municípios, provavelmente vamos assistir a um quadro diferente?
Essas matérias têm sido alvo de decisão por parte do Governo. Eu tenho obviamente acompanhado e participado, mas a minha posição tem sido muito a de respeito e de acompanhar as medidas que vão sendo desenvolvidas. Não tenho nenhum elemento concreto sobre a eficácia que essa medida traz. Creio que na cabeça dos especialistas o que estará não é a contenção da expansão desta variante, mas desacelerar o ritmo a que ela se está a expandir pelo país todo.
Um recuo na capital não acaba por manchar a imagem de todo o país?
Um recuo da capital decorre dos nossos próprios critérios. A grande questão é saber se vamos conseguir ou não acelerar o ritmo de vacinação para conter a pandemia. Temos duas grandes armas a acrescer à principal, que é o nosso próprio comportamento: se vamos ou não a festas, se organizamos jantares com amigos e familiares, como é que é a nossa vida social. Temos visto o regresso a uma certa descompressão que, aliás, tem sido responsável por um conjunto importante de surtos. Depois temos a testagem e a vacinação, é aí que temos de colocar as fichas.
Está preocupado com os efeitos que um recuo de Lisboa possa ter na economia e no turismo?
Até nós vencermos esta pandemia teremos uma situação débil do ponto de vista das condições de arranque de qualquer atividade económica, em particular do turismo. Até nós conseguirmos virar a página, ter um elevado nível de vacinação e uma vacina que se mostre eficaz às variantes que vão aparecendo - felizmente isso até agora está a acontecer - vivemos sempre numa situação que é relativamente precária do ponto de vista da retoma da atividade económica.