Quase oito anos depois de chegar ao poder, Costa torna-se a 14.ª baixa da maioria absoluta
07-11-2023 - 15:21
 • Tomás Anjinho Chagas

Primeiro-ministro fintou casos e casinhos, resistiu a uma dissolução, conquistou uma maioria absoluta e superou o que parecia insuperável. Foi um processo-crime que o derrubou.

2.903 dias depois de tomar posse pela primeira vez enquanto primeiro-ministro, António Costa demitiu-se por livre iniciativa, depois de tornado público que está a ser investigado pelo Supremo Tribunal de Justiça num processo em torno dos negócios de lítio e hidrogénio em Portugal, onde terá ajudado a “desbloquear processos”.

Só a Justiça fez o que nenhum outro político conseguiu fazer desde que Costa passou para a linha da frente. Na declaração que fez esta terça-feira ao país, o primeiro-ministro demissionário garantiu que não vai voltar a entrar na corrida: “Não, não me vou recandidatar”, assegurou de forma lacónica.

Maioria absoluta bamba

Embora o anúncio da saída do primeiro-ministro tenha sido surpreendente, a maioria absoluta que António Costa conquistou em janeiro de 2022 não foi pautada pela estabilidade.

O melhor resultado possível em eleições legislativas vai ser sempre indissociável dos “casos e casinhos” que foram orbitando o Governo. As polémicas e suspeitas de práticas de crimes foram constantes e muitas culminaram na demissão de membros de Governo.

Em 19 meses, 13 governantes caíram. Marco Capitão Ferreira, secretário de Estado da Defesa, foi a baixa mais recente, tendo apresentado demissão depois de se saber que contratou um “assessor fantasma” quando era dirigente de uma empresa pública do Ministério da Defesa.

Antes, foi Carla Alves a sair do cargo de secretária de Estado da Agricultura, menos de 24 horas depois de ter sido nomeada, quando o Correio da Manhã revelou que tinha contas bancárias conjuntas com o marido (ex-autarca de Vinhais) arrestadas.

Dois ministros de peso e um pendurado

Dos 13 governantes que saíram antes do primeiro-ministro, só dois eram ministros: Pedro Nuno Santos e Marta Temido.

A ministra da Saúde da pandemia Covid abandonou o cargo quando as urgências hospitalares estavam mergulhadas em sucessivos encerramentos. A gota de água fez transbordar o copo em agosto, quando morreu uma grávida no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa.

O segundo peso pesado saiu depois de ter cambaleado: Pedro Nuno Santos demitiu-se na sequência da notícia que o implicava no caso da indemnização de meio milhão de euros a Alexandra Reis – outra secretária de Estado demitida – na saída da TAP.

Antes disso, Pedro Nuno Santos tirou o tapete ao primeiro-ministro ao tomar uma decisão sobre a solução para o novo aeroporto de Lisboa à revelia do chefe do Governo. O caso abanou a segurança do então ministro das Infraestruturas e da Habitação, mas não o fez cair.

A cadeira foi ocupada por João Galamba, que esteve pendurado por um fio depois de ser envolvido numa alegada cena de pancadaria no Ministério das Infraestruturas com o seu assessor, Frederico Pinheiro, na tentativa de recuperar um computador do Estado. Os episódios foram revelados na Comissão de Inquérito à TAP.

Nessa altura, Marcelo Rebelo de Sousa forçou a saída de João Galamba do Governo. O próprio entendeu isso e foi a São Bento apresentar a demissão ao primeiro-ministro. António Costa não aceitou e manteve-o no cargo.

Há uma semana, Galamba foi o ministro escolhido para encerrar o debate sobre o Orçamento do Estado para 2024. Hoje, foi constituído arguido no âmbito da mesma investigação que assinou a queda de António Costa.