O ano 2021, pautado pela continuidade da crise pandémica, pelos efeitos visíveis das alterações climáticas, pela predominância dos fluxos migratórios para a Europa, pela pobreza e exclusão social, e por tantas outras questões, mostrou-nos que a solidariedade entre Estados e a partilha de conhecimento científico são fundamentais para que muitas vidas se salvem e para que os direitos humanos sejam uma realidade universal.
No ano que se encerra, a pandemia da Covid-19 prosseguiu veloz em todo o mundo. Há um ano, estávamos no início do processo de vacinação, um passo gigante e indispensável no combate à pandemia. Faziam-se previsões de quando se alcançaria a imunidade de grupo. Ainda assim, a propagação da Covid-19 manteve-se em 2021, intensificada pelas restrições à partilha da tecnologia e propriedade intelectual das vacinas, que impediram muitos países mais pobres de protegerem as suas populações.
Esta falta de solidariedade impulsionou também o desenvolvimento de novas variantes do vírus, como a Delta ou a recente Ómicron, que já se instalaram nos países com taxas de vacinação elevadas.
Se a disseminação do vírus não tem fronteiras, faz falta que a produção e fornecimento de vacinas também não as tenha. Este é um desafio que levamos para 2022, para que todos possam usufruir do direito à saúde.
O peso da pandemia fez-se ainda sentir no aumento do número de situações de pobreza e nas desigualdades sociais agravadas. Os seus impactos foram particularmente severos para as minorias étnicas, refugiados, mulheres e crianças, grupos desproporcionalmente afetados. As pessoas em circunstâncias de maior vulnerabilidade são aquelas sobre quem recaem as maiores dificuldades. São as que enfrentam maiores obstáculos no acesso a bens essenciais, a uma habitação condigna, ao trabalho, à saúde e à educação. São aquelas que não podemos deixar para trás.
Além dos efeitos da pandemia, o ano 2021 mostrou-nos também as consequências devastadoras das alterações climáticas e da degradação ambiental. Recordou-nos a finitude dos recursos e a necessidade de preservarmos a casa onde todos habitamos. As populações mais pobres do planeta foram, novamente, as mais ameaçadas. As que se encontraram na linha da frente da crise climática.
Entre os muitos retratos fiéis do impacto das alterações climáticas na vida das comunidades, estão os casos do Paquistão e Madagáscar. A cidade paquistanesa Jacobabad é uma das mais quentes do mundo. Nela, as famílias deitam as crianças com roupa molhada para que arrefeçam. A falta de transportes públicos e a inexistência de eletricidade na maioria das escolas motiva o abandono escolar. Devido ao calor e humidade extrema, a cidade já alcançou, em pelo menos quatro ocasiões desde 1987, um limite em que o corpo humano já não consegue arrefecer através do suor, o que pode rapidamente ser fatal. Em Madagáscar, a seca devastadora no sul do país conduziu um milhão de pessoas à fome. A diminuição do gado e da produção de alimentos básicos levou a que 91% das pessoas vivessem abaixo do limiar da pobreza. Com o seu futuro em causa, muitas optaram por migrar para outras regiões.
Para os povos destes países, os efeitos climáticos sentem-se todos os dias - nas chuvas cada vez mais irregulares, nas regiões cada vez mais áridas e nos estômagos cada vez mais vazios. As soluções parciais já não são uma hipótese. Das inúmeras medidas necessárias, é urgente que os países que mais contribuem para as alterações climáticas disponibilizem apoio técnico e financeiro aos países em desenvolvimento, de forma a minimizar os impactos causados nos seus territórios. É ainda essencial fazer cumprir a redução das emissões de gases com efeito de estufa, de forma ambiciosa e consistente com os direitos humanos.
Em 2021, também os fluxos migratórios forçados para a Europa permaneceram uma realidade, tal como a resposta europeia desconcertada, pouco solidária ou humana. Quem se arrisca na travessia do Mediterrâneo ou na rota dos Balcãs, fá-lo para fugir da guerra, das perseguições políticas, religiosas, de género, da miséria económica, das alterações climáticas. Foge por um futuro com esperança, que a União Europeia (UE) muitas vezes não concretiza.
A jornada dos migrantes tem sido marcada por repetitivas violações de direitos humanos. Por jogos políticos de líderes como Alexander Lukashenko, que atraiu milhares de migrantes para a Bielorrússia, levando-os até as suas fronteiras ocidentais para pressionar a UE. Às mãos das autoridades bielorrussas, estas pessoas têm sido recorrentemente agredidas e obrigadas a atravessar a fronteira. Do lado polaco, e apesar da sua intenção de requerer asilo na UE, a Polónia tem utilizado as expulsões sistemáticas e em massa destes migrantes como prática comum, numa clara violação do direito internacional e dos padrões internacionais em matéria de direitos humanos e asilo.
Continua a ser imprescindível que os Estados-membros da UE cumpram os compromissos de direitos humanos dos quais são parte integrante, criem rotas legais e seguras, partilhem responsabilidades no acolhimento de migrantes e procurem desenvolver mecanismos capazes de garantir a integração efetiva destas pessoas.
Muitos outros desafios de direitos humanos poderiam ser escolhidos para descrever 2021 - o regresso dos Talibãs ao poder no Afeganistão, a vigilância digital, a discriminação, o tráfico de seres humanos. É a nossa voz e ação que mudará o seu rumo em 2022 e somará novas vitórias de direitos humanos como o reconhecimento do direito a um ambiente seguro, limpo e sustentável pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, ou a abolição da pena de morte na Serra Leoa, conquistas alcançadas em 2021.
Bruna Coelho é gestora editorial e de comunicação da secção portuguesa da Amnistia Internacional